Reviravolta
Essas luzes coloridas, essa profusão de raios, essas nuances quentes em meio ao trânsito me fazem sentir viva, latente, feliz. Aos vinte e três anos sinto-me renovada, transitando nesta cidade efervescente, feito borboleta faceira em meio às avenidas.
Aos doze anos de idade eu já havia prometido aos quatro cantos que sairia daquele burado, daquele lodo que permeava a minha cidade natal. Certamente nascí naquele lugar por engano, pois nunca fui chegada à feiura e depressão. E Santo Amaro da Mansidão é lugar dos piores, no qual nem as plantações vingam. Eu já nascí tendo pressa, com sangue quente nas veias, sedenta por conquistar o meu espaço com determinação. Eu prometí que sairia de lá e, junto, levaria meus pais e meus três irmãos, nem que para isso eu precisasse trabalhar de sol a sol.
E a promessa se cumpriu quando eu tinha dezesseis anos e adentrei ao mundo real, à capital do meu estado, distante 600 km.
Quando pisei em Alcântara renasci por completo. Não foi preciso um minuto para eu sentir que aquele era o meu lugar. Meus pés tinham aderência às calçadas, ao asfalto, ao sol, ao calor e a chuva.
De início comecei a fazer faxina nas mansões do condomínio onde meu tio era porteiro e, em muitos poucos meses, acabei baby sitter de três crianças, conferindo-me um salário pequeno, mas confortável para o meu padrão de início de vida. Sim, eu estava literalmente iniciando a minha vida.
E não foi preciso muito tempo para eu encontrar uma escola para estudar e, por tabela, fazer uma faculdade de Comunicação Social. Muito esforço? Não, porque eu fiz o que queria, com todo o meu entusiasmo, desde que cheguei em Alcântara. Amparei minha família que, em muito pouco tempo já conseguiu manter-se com dignidade. Minha mãe cozinhava em duas casas três vezes por semana e meu pai ocupava-se com cortes de grama em diversas casas do mesmo condomínio e, em pouco tempo, com todo o seu conhecimento na agricultura, passou a criar pequenas hortas nas mansões e, consequentemente, levar conhecimento dos alimentos orgânicos aos ricaços que o recompensavam muito bem. Meus irmãos já estavam finalizando o segundo grau.
Hoje sou fotógrafa e grande parte do meu trabalho é feito à noite, em casamentos, bodas e formaturas. A conjunção da beleza da noite e suas luzes vem me inspirando a tal ponto que muito em breve conquistarei o meu tão sonhado estúdio e de lá eu traçarei arrojadas metas, muito distantes de Santo Amaro da Mansidão, um lugar distante, tão distante que nem meus mais remotos pensamentos conseguem chegar.
Rosalva
02/05/2022