Erros
Encontrei Matheus amuado, sentado sozinho no balcão do bar. Havia um copo de cerveja cheio, uma carteira de cigarros e algumas moedas espalhadas bem na sua frente.
Parei do seu lado e pedi uma cerveja ao balconista. Me reconhecendo, Matheus me olhou e me cumprimentou com a cabeça. Percebi que ele tinha uma roncha preta ao redor do olho esquerdo. Peguei a minha cerveja, enchi um copo e sentei do lado dele.
- Tudo bem, meu amigo?
- Mais ou menos. – Ele respondeu com um sussurro.
- Quer conversar?
- Pode ser... Pode ser.
- Aconteceu alguma coisa? – Perguntei, depois de tomar um gole de cerveja.
- Ah. Aconteceram várias. Não sei nem por onde começar.
- Começa pelo olho roxo. Que é o que está mais aparente...
Matheus abriu um sorriso e começou a organizar as moedas à sua frente em pequenas pilhas.
- Acho que o outro saiu um pouco pior do que eu.
- Faz diferença?
- Não exatamente.
- Então...
- Ah cara. Eu estava saindo com uma mulher casada. Enfim. O marido dela descobriu e veio tomar satisfação.
- Complicado. Mas você está assim só por causa da briga?
- A briga foi o de menos, cara. Eu estou assim por que percebi que ela está cagando e andando pra mim depois disso tudo.
- Você sentia alguma coisa por ela, ou era só coisa de tesão?
- Mano. Acho que eu tô apaixonado por ela... o pior é ter percebido tudo isso agora.
- Realmente é difícil cara.
- Muito.
- Então. Existem duas regras quando se trata de traição. Não se apaixone e não deixe a outra pessoa se apaixonar.
- Sério que existem regras pra isso?
- Não exatamente. Mas são boas orientações para evitar problema. Traição é um jogo que exige muito cuidado. E pessoas apaixonadas perdem completamente a noção do perigo.
- Você fala como se já tivesse experiência nisso.
- Talvez eu tenha um pouco.
Ele riu, esvaziou o copo de cerveja e acendeu um cigarro.
- Realmente, o que você disse faz sentido... Se eu não tivesse me apaixonado nada disso teria acontecido.
- Veja só. Deixa eu te contar uma história minha... Eu não tenho a constituição necessária para ser infiel. É preciso muito cinismo e energia para enganar outra pessoa nesse nível. Mas ao mesmo tempo me envolvi com algumas pessoas que tinham. E me impressiono com minha habilidade de me apaixonar por alguém que faz isso. Como se não existisse problema algum. A verdade é que paixão é um negócio que ninguém tem sob controle. Então para evitar a fadiga, hoje em dia eu tento me manter longe de qualquer tipo de situação assim.
- Faz sentido.
- Enfim. Essa história tem alguns anos, mas eu lembro como se fosse ontem. Eu fui muito apaixonado por uma pessoa. E gostava de imaginar que ela gostava de mim do mesmo jeito. Mas eu nunca vou saber até que ponto a coisa era recíproca. Por causa de idas e vindas da vida, eu terminei indo morar em outro Estado por alguns anos. Ficamos esse tempo todo distantes e ela se envolveu com outra pessoa. Até aí tudo normal. Mas quando ela soube que eu tinha voltado, ela me procurou. Conversamos um pouco e ela confessou que tinha um namorado. Mas que sentia muito a minha falta. E a partir desse momento eu soube exatamente o que ela queria. Por uma questão de ética, e pelos princípios que eu ainda tinha naquela época, eu me fiz de desentendido e nós nos despedimos apenas como “amigos”.
- E aí?
- Bem... De alguma forma ela sempre soube como mexer com os meus sentimentos. Era só uma questão de tempo até que eu mudasse de ideia.
- E quando você mudou?
- Ela reapareceu num momento em que eu estava me sentindo muito sozinho... enfim. Eu resolvi fingir que o namorado dela não existia. Na verdade eu resolvi fingir que eu não era o outro. E toda a paixão que eu sentia antes voltou à superfície.
- Ela sentia o mesmo?
- Ah. Ela dizia que sim. Mas eu nunca vou saber a verdade.
- E o que aconteceu?
- Nos víamos de duas a três vezes por semana. Ela vinha na minha casa logo cedo pela manhã. E ia embora perto do meio dia. Isso durou uns quatro meses. Até que um dia ela saiu, mas esqueceu a carteira na minha casa. Eu percebi e fui atrás para entregar antes que ela subisse no ônibus. Quando eu cheguei no ponto, dei de cara com ela abraçada ao namorado. Pendurada no pescoço dele, como se estivesse completamente apaixonada. Ela ainda estava com meu cheiro, cara. Minutos antes ela disse que me amava com, com a mesma boca que estava beijando outro. Foi foda de ver aquilo. Eu senti que era eu que estava sendo traído. Sei que não faz nenhum sentido... mas a sensação foi essa.
- Sinto muito cara. Mas e aí, o que aconteceu?
- Ah. Eu voltei para minha casa e fingi que não aconteceu nada.
- Sério? Como você conseguiu fazer isso?
- Ah. Eu chorei um bocado, enchi a cara. Procurei outras mulheres... fiz piada da situação. Mas no fim, ficou claro o fato que a piada era eu.
- Foda. Foda...
- Daí pra frente foi tudo ladeira à baixo. Coloquei ela na parede e disse que esperava que ela deixasse o outro para ficar comigo. Talvez esse tenha sido o meu maior erro na história.
- Por que?
- Cara. Ela era uma pessoa que claramente estava acostumada a mentir. E a naturalizar as próprias mentiras. Ao botá-la na parede, eu simplesmente fiz com que ela começasse a mentir para mim. E eu estava apaixonado demais para discernir mentira de verdade.
- Estou entendendo.
- Ela disse que iria acabar tudo com o cara e que ficaríamos juntos.
- Ela acabou?
- Depois de um tempo sim. Mas não ficamos juntos. Ela disse que precisava ficar sozinha. Que precisava viver a vida dela. Que não queria se prender a ninguém.
- Putz. Que merda, cara.
- É. Eu fiquei muito mal. Precisei desaparecer da vida dela pra conseguir superar a rasteira.
- Como assim?
-Ah. Eu cortei todo tipo de contato. Eu sabia que era questão de tempo para ela reaparecer. Depois que enjoasse do que ela chamava de liberdade. Mas eu não queria ser o próximo otário da lista. Nem queria ficar esperando pela boa vontade dela.
- E ela reapareceu?
- Sim. Mas eu estava em outra...
- Karma.
- Sim. Para nós dois. Porque com essa outra, o traído fui eu... mas demorei muito tempo pra perceber.
Matheus largou a ponta do cigarro sobre o balcão e pediu outra cerveja.
- Parece que hoje em dia só se ama errado, não é? – Ele disse.
- Acho que é uma questão de sorte. O amor não é um jogo justo. Nem todo mundo entra com as mesmas probabilidades de ganhar. Eu tenho conhecido derrotas suficientes pra não querer mais jogar.
- Você não parece o tipo de cara que se esconde do amor.
- Eu não me escondo... mas não tenho mais a ilusão de que tudo vai terminar bem.
Eu já tinha exaurido o que tinha a dizer sobre o assunto. Mas percebi que de alguma forma eu tinha tocado Matheus com minhas histórias. Talvez de uma forma que eu nem esperava que fosse possível.
Ele abriu um sorriso e deu um tapa no meu ombro, depois ficou pensativo encarando o copo de cerveja.
Então meu telefone tocou. Eu deixei a minha cerveja de lado e atendi.
- Oi. – Murmurei laconicamente.
- Pode vir hoje? – Uma voz feminina falou do outro lado da linha.
- Está sozinha? – Perguntei.
- Até segunda feira. Você pode dormir aqui se quiser.
- Eu vou, mas não fico para dormir.
- Ok. – A mulher respondeu antes de desligar.
Guardei o celular no bolso e percebi que Matheus tinha escutado toda a conversa.
- Mais uma coisa – Falei olhando pra ele.
- O que?
- Nunca durma no local do crime. Não vale o risco.
Ele sorriu.
Sorrimos.
Paguei a conta e me levantei.
Olhei para o relógio do bar... 22:00
Ainda era cedo. Havia bastante tempo para insistir nos mesmos erros,
e também para me arrepender dos que não cometi.