Um Personagem

Era uma vez um menino chamado Dimitri, ele morava em uma cidadezinha pequena no interior de São Paulo. Aquelas cidades tão pequenas e simples que todo mundo conhece todo mundo.

Dimitri nasceu nessa pequena cidade e enquanto crescia, alimentava também um simples sonho. Uma ambição, desejo de menino que evoluiu para se tornar seu maior objetivo.

De estatura média, cor morena, cabelo curto cortado sempre pela sua mãe, Dimitri era o próprio exemplo do comum. Não era aquele que olhavam duas vezes, normalmente ouvia "Oh, Dimitri, eu nem te vi aí!", mas atrás de um sorriso educado de compreensão ele começou a entender o que tinha por debaixo de sua pele. Por fora, ele era um cinza apático que não atraía e não repelia ninguém, mas por dentro... Droga, Dimitri era o próprio arco-íris por trás de todo o cinza.

Desde cedo ele entendeu que era diferente. Ficou claro quando Caio, seu primo de mesma idade, o arrastava pelos corredores da escola local dizendo: "Dimi-boy você tinha que ver aquela menina, tão linda! Será que ganho um beijo se eu der uma flor pra ela?". Dimitri sorria, ria até, mas aquela incógnita na sua cabeça ficou até que um menino novo chegou na cidade. Virou uma fofoca só, gente nova era quase um evento de fazer festa na rua, mas Dimitri só realmente se importou quando sentiu um grande soco no estômago ao ver o tal menino. Luís o nome dele, tão lindo e fora do padrão da cidade. Ele entendeu então que gostava dos garotos como Caio gostava das garotas.

Dimitri entendeu também como ele não poderia contar a ninguém da sua descoberta, principalmente seus pais. Acontece que o menino novo também gostava de garotos. Dimitri assistiu a surra que o garoto levou, ele engoliu a bile que subia em sua garganta quando pensava no que faria se aquele no chão fosse ele. Luís nunca mais voltou a escola e sua família se mudou um tempo depois.

Caio assumiu o papel de protetor desde cedo. Seu argumento era de ser dois dias mais velho que Dimitri, portanto seu dever era cuidar do primo. E ele cuidava, observava e tentava entender. Uma das únicas pessoas que tiveram um vislumbre das cores que escapavam de Dimitri. Ele começou a desconfiar, notar como "Dimi-boy" se portava perto do garoto novo logo que chegou, o jeito que ele o olhava, e no dia da grande briga, enquanto seu primo mais novo parecia se controlar para não vomitar, ele teve sua grande certeza. Claro que não disse nada, esperou pacientemente até o dia em que Dimitri contou a ele em um desabafo sofrido. Foi quando Caio sorriu para ele, o abraçou e disse que ainda o amava e que ainda o protegeria de qualquer coisa, que Dimitri entendeu qual era seu grande sonho.

Ser parte de algo. Ser aceito. Se encaixar.

A aceitação do seu primo não serviu para satisfazer seu sonho, pelo contrário, agitou as cores dentro dele de uma maneira que ele sabia que não aguentaria muito mais. Ele sentiu o gosto da aceitação, e no fundo do seu coração sabia que não encontraria mais do que aquilo onde vivia.

Caio sabia que Dimitri era diferente, todas as suas cores ficavam escondidas, mas as vezes chegavam bem perto de transbordar pela superfície, como quando todos da idade deles estavam trabalhando para ajudar a colocar comida na mesa, parando de estudar ou se entregando a vida fora da lei, mas não seu primo. Eles trabalhavam juntos na padaria, mas Dimitri continuou estudando, buscando e guardando uma parte do seu dinheiro durante os anos. Quando fez dezoito, seu pai quis lhe dar uma bicicleta, para ajudar a ir trabalhar e como um prêmio por ser um filho tão bom. Cinza. Ele recusou educadamente e pediu que lhe desse o dinheiro ao invés. Não era muita coisa, mas foi o que precisava.

Aos dezenove anos, Dimitri atingiu seu limite. No dia seguinte ao seu aniversário, e seu último pagamento, ele pediu demissão. Claro que quando chegou em casa seus pais já sabiam de tudo, então ele só aproveitou e contou que estava indo embora. Foi uma grande briga, mas ele já esperava isso. Arrumou suas malas com o som do choro de sua mãe se perguntando onde tinha errado, a maioria de suas coisas já estava arrumada desde muito tempo e eles nem tinham percebido. Dimitri quase podia ver suas cores passando por sua pele. Ele ia embora. Ia deixar de ser cinza.

Seu pai disse que se passasse da porta não precisaria voltar, que ele estava dando desgosto à mãe, mas quando isso o fez vacilar, ele viu pela janela seu primo sorrindo para ele e acenando para que se apressasse. Foi o impulso que precisava. Quando no portão de casa ele perguntou o que estava acontecendo, Caio disse que tinha arrumado uma carona para ele. Deve ter sido clara a confusão em seu rosto porque seu primo mais velho explicou que tinha adivinhado os seus planos porque sempre que estavam procurando coisas para se distrair na internet, ele estava fazendo planos. Pesquisando cidades, então quando Dimitri pediu demissão, ele saiu correndo e conseguiu uma carona até São Paulo com um caminhoneiro conhecido.

Dimitri nunca se sentiu tão grato. As cores e lagrimas se misturaram dentro dele e ele não soube dizer se estava transbordando tinta ou se era apenas um choro emocionado. Quando chegou a hora de embarcar, deu um abraço forte naquele que lhe ofereceu uma prova, uma pequena porção do que ele poderia ter. Do que ele queria e merecia ter. Mil promessas de manter contato e a jura de não se afastarem nunca embalou aquela despedida marcante. Dimitri foi embora então, daquele lugar onde cresceu e se escondeu. Enquanto a cidade ia ficando para trás, ele sentia sua pele formigando onde o cinza ia escorrendo e deixando um puro arco-íris tomando seu corpo.

Ele foi embora escrever sua própria história, uma onde ele era o principal personagem. Um protagonista sonhador.

*Esse texto faz parte de um desafio que achei na internet e achei interessante participar, dizia para criar um texto e o único tema apresentado foi: "um personagem".*

Bianca Gonçalves
Enviado por Bianca Gonçalves em 04/05/2022
Código do texto: T7509388
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