Olhares de Berenice - BVIW
Era madrugada em mais um dia de pomba. Perambular pela porta da catedral não teria a graça de quando crianças atravessavam chupando picolé com uma mão e segurando na mão da mãe com a outra. Nas tardes quentes os pingos caiam nos próprios calçados.
Mas de tudo que presenciava enquanto se fazia de galinha a ciscar por alimentos, o mais intrigante eram as visitas da moça Leninha à igreja. Ela não se vestia apropriadamente e mesmo uma pomba comum percebia isso. Quem é que se confessa naqueles trajes? Passava a ideia de que confessar poderia ser como pecar mais um tico. Sim! Ela batia um ponto triangular. E pomba, por mais discreta que desejasse ser, teria aquele mistério das três entradas para desvendar.
Nas segundas, Leninha entrava pela porta da frente, nas quartas ia pela lateral e nas sextas dava várias voltas ao redor antes de entrar como se quisesse despistar alguém. Talvez até confundisse as outras pombas, mas não a velha e vivida pomba Berenice. Não demorou para matar a charada. Leninha quando entrava pela porta da frente usava a igreja para lamentar a vida ou agradecer, orar, coisas comuns que fazem os que a frequentam. Quando entrava pela lateral, fazia bico extra como faxineira dos lustres e da boa fé. E quando nas sextas fazia a procissão das piruetas entrando e saindo dando voltas e entrando de novo, ela por fim não ficava na igreja nada. Entrava no carro do pilantra do velho Armandinho que em boas vestes marcava o ponto num dos bancos da praça arrastando vez ou outra uma conversa preguiçosa com algum outro idoso de bengalinha. Agora sim! Pomba Berenice tinha motivos para sentir pena da pobre Leninha.
Marilia L Paixão