Cristais salobros
Apenas um passo o separava da prisão que ele lhe forjou e a liberdade de arranhar os céus e ainda assim relutava em mover-se nem um milímetro sequer. O coração urrava tomado pelo fluxo de adrenalina fazendo todo o corpo tremer, não de emoção, mas de medo, pois sabia no fundo, que era impossível retroceder, pensou seriamente em desistir de tudo aquilo que sempre sonhou e estava em suas mãos, ou melhor, em seus pés.
O vento frio transformava seu suor e lágrimas em pequenos cristais e a cada tentativa de olhar para baixo pequenos granizos salobros despencavam do céu noturno, a mente começou a colapsar quando se deu conta de que não lembrava mais de si próprio. "Quem era ele? " "Qual o seu nome?" "A idade?" " De quem era filho?" "Por quem era amado?" As vozes familiares continuavam a perguntar sobre ele e dele nenhuma resposta surgia. Estava apavorado, a que ponto chegou para esquecer-se e ser esquecido.
Lá atrás já estavam batendo na porta quase arrombando-a, na verdade. Dezenas de silhuetas gesticulavam das janelas iluminadas tentando dissuadi-lo de seu intento. Para aqueles espectadores ele era apenas mais um jovem depressivo que iria se suicidar, um fraco, um covarde, ao qual faltava Deus ou fé.
A porta ruiu estrondosamente atrás de si, levantou lentamente do beiral em que estava sentado, virou-se a tempo de ver um ou dois rostos familiares o suficiente para esboçar surpresa, sentiu um forte aperto de arrependimento torcer-lhe a garganta ergueu as mãos na direção deles tentando agarrá-los, mas não deu tempo, o beiral suportou aquele peso o máximo que pôde antes de ruir levando-o abaixo consigo.