Taianah

Tinha algo quebrado em Taianah. Como um espelho espatifado em mil pedaços, além de qualquer conserto. Mas ao mesmo tempo, ela era capaz de me sugar para uma dimensão paralela, em seus momentos de calma e quando eu me perdia em seus abraços.

Vivíamos um romance entre uma briga e outra, e eu já não sabia por quanto tempo poderíamos durar daquele jeito. Apesar de não conseguir me imaginar longe dela.

Só que dessa vez ela havia exagerado.

Dei de cara com tudo quebrado dentro da minha casa. Móveis espalhados, livros rasgados, garrafas de cerveja espatifadas.

Andei pelo apartamento me perguntando como ela iria justificar aquilo tudo.

Enfim. A razão da explosão podia ser qualquer coisa.

Algum comentário nas redes sociais, algum ciúme aleatório, ou talvez até um sonho que tenha tido. Já tínhamos passado por isso algumas vezes.

Deixei as considerações de lado e comecei a arrumar a bagunça. No meio do serviço, percebi um livro em cima da mesa, com um papel se destacando entre as páginas. Abri e vi que era uma carta. Uma carta que eu tinha escrito para uma outra mulher com quem tinha me relacionado anos atrás. Eu nunca tinha enviado, porque no fundo não fazia mais sentido no momento que escrevi, mas ao mesmo tempo nunca tive coragem de jogar o texto fora.

Me contentei em sepultar a carta dentro de um livro, escondido dentro de uma gaveta, junto com as lembranças do relacionamento.

Pelo jeito Taianah tinha exumado a carta e com certeza não gostou muito da leitura.

Deixei a carta e o livro de lado e voltei a arrumar a casa. Demorou mais de uma hora para terminar tudo, e só então eu percebi a ausência das minhas gatas. Andei pelo apartamento inteiro procurando e chamando pelas duas, inutilmente.

Eu sabia que não era uma coincidência. Liguei para Taianah, mas ela não atendeu.

Enfiei o celular no bolso, peguei o carro e fui até a casa dela.

O porteiro do prédio me deixou entrar, já me reconhecendo. Subi as escadas, sem paciência para esperar o elevador que estava no último andar.

Bati na porta do seu apartamento e ela me atendeu, com um sorriso malicioso nos lábios.

Estava vestindo apenas um roupão de banho, que deixava mostrar boa parte do seu corpo.

Ela virou de costas e andou até o meio da sala e eu fechei a porta atrás de mim.

Fiquei encarando enquanto ela brincava com uma taça de vinho nas mãos.

- Você não acha que passou dos limites dessa vez?

- Do que você está falando? – Ela perguntou cinicamente.

- Meu apartamento.

- Ah. Não gostou da arrumação?

- Olha só. Que você tenha raiva, ou algum sentimento de frustração eu entendo. Mas nada justifica o que você fez.

- Aí é questão de ponto de vista. Eu lhe disse que não aceito ser feita de idiota.

- Aquela carta tem quase dez anos!! – Eu gritei irritado.

- E daí? Você nunca sentiu nada por mim.... pelo menos não naquela intensidade. Você nunca me escreveu nada tão bonito quanto aquilo... E aí? O que eu sou pra você? Só um passatempo?

- Puta merda! O que você quer eu diga?

- A verdade!?

- Eu não amo mais daquele jeito... Eu era um ingênuo, uma criança quase. Me enganava com qualquer migalha de sentimento. Enfim... Eu era outra pessoa.

- Estou vendo. – Ela sussurrou, depois de tomar um gole de vinho e deixar a taça de lado.

- Olha só... onde estão minhas gatas? – Perguntei, já me sentindo derrotado.

- É com isso que você está mais preocupado?

- Porra! Que você quebre minha casa, eu posso até engolir, mas não meta minhas gatas na história.

- Bem. Eu dei um destino pra elas. – Taianah respondeu com um risinho malicioso.

Tomado por um impulso completamente irracional, corri em direção a ela, segurei o seu pescoço com a mão e empurrei seu corpo contra a parede.

Ela ficou o tempo todo com os olhos cravados nos meus, como se não tivesse medo algum.

Na verdade sua expressão revelava algo completamente diferente.

- Eu amo quando você fica agressivo comigo. – Ela murmurou.

Então, Taianah deixou o roupão cair e encostou o corpo no meu.

Eu reagi automaticamente, quase sem pensar.

Começamos a nos beijar e depois de alguns segundos ela virou de costas e abriu um pouco as pernas.

Eu nem sabia mais o que estava fazendo. Simplesmente forcei o meu corpo contra o dela e segui em frente, guiado por seus gemidos.

No fim, ofegante, eu caí sentado no sofá e ela foi até o banheiro, assoviando, como se estivesse no melhor dos humores.

Eu tive ódio de mim mesmo naquele momento. Meu primeiro impulso foi me levantar e começar a quebrar a casa dela por inteiro. Mas me resumi a esvaziar o que havia sobrado na garrafa de vinho que ela deixou sobre a mesa.

Quando terminei, ela voltou com uma toalha enrolada nos cabelos, e com um cartão entre os dedos.

Ela largou o cartão sobre a mesa, pegou o roupão largado no chão e cobriu o corpo.

- O que é isso? – perguntei, apontando pro cartão.

- É do Pet shop onde deixei suas gatas. Elas estão tendo um dia de princesa hoje. Precisavam de um banho e estavam com as unhas enormes. Você é muito desleixado com elas.

Peguei o cartão nas mãos e conferi o endereço. Ficava perto da minha casa.

Quase sem acreditar, eu comecei a rir e a chorar ao mesmo tempo.

Taianah veio até mim e me deu um abraço.

- Me desculpa por ter quebrado sua casa. Eu não sei que tem errado comigo. E sei que você não merece esse tipo de loucura na sua vida. Não posso prometer que vou mudar, mas posso te garantir uma coisa. Eu te amo muito mais do que a mulher da carta poderia te amar... e diferentemente dela, eu não vou te deixar... A não ser que você me peça.

Me afastei um pouco e olhei no fundo dos olhos dela.

Não havia nenhum traço da loucura de minutos atrás.

Ou talvez houvesse, e eu fosse cego demais para ver,

ou apaixonado demais, para me importar.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 27/04/2022
Código do texto: T7504256
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