Era uma manhã fria de outono e ficou a relembrar o passado, dias felizes de sol, conversas regadas a risos altos e a certeza de que nada poderia mudar entre eles.
Sentou-se à mesa da cozinha para saborear seu café que lhe trazia um pouco de conforto e lembrou-se de quando conheceu Sérgio. Uma festa que ela havia ido sem intenção alguma de encontrar ninguém, mas quando ele sorriu, sorriu de volta. E, depois de um convite para uma dança, seus dedos másculos anelaram seus cabelos num carinho meigo, rolando uma emoção ao som de "Run to me" com Bee Gees. Sentiu naquele instante como se algo tivesse sido tatuado em sua pele.
Naquele dia, jogou todos seus sonhos para o alto e eles caíram como roupa nova, esvaindo a solidão guardada por tanto tempo naqueles armários vazios. Foi um instante de silêncio, quando os corações ribombavam alto e com a cabeça deitada em seu peito, fez daquele som sua canção de vida. Naquela noite, dançou o melhor de seu estilo no palco de seus sonhos, como bailarina de primeira categoria sentindo sua alma aplaudindo na primeira fila.
Voltou seu olhar para a xicara de café e engoliu um pedaço de bolo misturado com suas lágrimas. Fechando os olhos, percebeu que aquele passado havia sido soterrado por um tsunami - com uma só sobrevivente.
Levantou-se vagarosamente e se aproximou da janela. Aquele mesmo velho de todas as manhãs, passava com seu cachorro mostrando a ela que a vida continuava.
Tema: Conto: "Trago Guardado"