O processo criativo de Narciso passava por um período sabático, mas a escolha não lhe pertencia. As ideias que sempre fluiam como água em cachoeira, secaram. À míngua, criava cenários mirabolantes em busca do "insigt perfeito" que lhe faria escrever como antes.
Sentou-se diante do computador, acendeu um cigarro eletrônico, e buscou no YouTube "músicas inpiradoras". A voz suave de Elis Regina o acalmava. Fechou os olhos e, olhando para dentro, só via um buraco escuro. Travou um embate mental consigo, mas nada de recursos. Xingava-se a si mesmo, repetindo palavras de ódio gratuitas. Até que enxergou um relógio de bolso e... Abruptamente foi invadido por um som que vinha de fora:
- Pão, pão, pão de queijo. Pão, pão, pão de queijo. Isso é tudo que desejo... 🎼🎼🎼(Funk do mineirinho)
Levantou-se, irado, e foi até a janela ralhar com o dono do carro de som que fazia propaganda para o circo que acabou de chegar na cidade. O rapaz, sem entender o motivo de tanto ódio, destilado em forma de sinais e gritaria, pensou se tratar de um louco, pra quem olhou com indiferença.
Fechou a vidraça, mas não se lembrava do fio da meada. Tema foi pro brejo. Sentido, tentou folhear os livros da estante, observar os quadros da parede...
Desligou o computador, sentou-se diante da janela e, observando o movimento da rua, lembrou-se de sua nobre infância, vivida ao lado de um circo. Não tinha teatros, cinemas, mas debaixo daquela lona, uma alegria jamais experimentada por ele, em outras épocas firmou-se: a simplicidade trazia sua riqueza de maior valor. A roupa colorida do palhaço, o macacão remendado do acrobata, a maquiagem borrada das dançarinas, tudo isso numa só imagem. Levantou-se, apressado, para tomar nota de um tempo que sua alma enchia e se sentia feliz. Isto era inspiração.