UM AMOR QUE SEMPRE EXISTIU MAS NUNCA VINGOU

   Eu conheci Nelma quando ela veio morar no mesmo bairro onde eu morava, era bonita e dona de uma elegância impecável. Ela alugou uma casa bem próxima da minha, era ela, a mãe e dois irmãos, mas apenas Nelma trabalhava. Passamos a nos conhecer de fato porque pegávamos o mesmo ônibus com destino ao trabalho, de forma que nos víamos com freqüência no ponto de parada ou no trajeto, razão de iniciarmos um diálogo seguido de uma amizade que seria duradoura. Minha nova amiga trabalhava em uma agência de navegação, bem próxima da empresa onde eu trabalhava e todos os dias passamos a sair juntos para o trabalho e voltávamos também no mesmo horário. Foi uma amizade que marcou muito a minha vida, pois com o passar do tempo eu fiquei gostando dela, eu com 18 e ela com 21 anos, mas isso ficou só entre mim, eu não ousava demonstrar em hipótese alguma esse meu sentimento repentino, ela poderia ter um namorado e eu não ter conhecimento, por isso fiquei na minha.

   Eu ficava lisongeado quando me perguntavam se Nelma era minha namorada, respondia que não apesar de muita gente achar que realmente namorávamos, pois passei a freqûentar sua casa, principalmente nos finais de semana, quando ficávamos ouvindo músicas da época, discutindo assuntos diversos, chegando ao ponto de até ser convidado para almoçar algumas vezes, o que me deixava bastante feliz. Mas era tudo uma boa e sincera amizade, eu não pressentia nenhuma reação da parte dela que me fizesse desconfiar de suas intenções. E assim seguimos nesse rítimo tranqüilamente apesar dos comentários.

   Aos 20 anos eu arranjei uma namorada, mas evitava contar para Nelma, discretamente ia falar com ela nas quartas e nos finais de semana. Marília era o seu nome e morava no mesmo bairro, porém um pouco distante da minha casa. Essa amizade com Nelma nunca foi interrompida, continuamos indo juntos para o trabalho, voltávamos sempre juntos e ouvíamos nossas músicas nas tardes dos sábados e domingos, exceto quando eu ia para a casa de Marília, minha namorada, até então desconhecida de Nelma, apesar de já estarmos namorando há alguns meses.

   Algum tempo depois eu tive uma grande surpresa que me deixou bastante triste, eu vi Nelma conversando com um rapaz no terraço de sua casa, um moço que aparentava ser bem mais velho que ela. Fiquei enciumado mesmo, nessa tarde eu não fui na sua casa como costumava ir, era um dia de sábado e meu desejo era estar lá para conversarmos, ouvir música, etc. Mas procurei me controlar, na verdade eu não tinha esse direito de criticá-la, Nelma era tão somente minha amiga e livre para namorar quem ela quisesse, assim como eu estava fazendo. Intimamente eu achava que minha amiga não podia fazer isso comigo, que em algum momento poderíamos nos revelar um para o outro e a gente acertar a nossa situação. Mas tudo bem, fiquei aguardando ela me dar "satisfação" sobre o tal rapaz que estava com ela no terraço de sua casa. No domingo não pisei lá e nem fui falar com a namorada, fiquei esperando a segunda-feira chegar para irmos juntos para o trabalho, certamente ela iria me falar alguma coisa a respeito. Dito e feito, ela me disse que esse rapaz estava gostando dela e que estava interessado em lhe namorar. Eu fiz de conta que não sabia de nada e desejei boa sorte com o coração partido, afinal eu estava apaixonado por Nelma, porém sem coragem de me revelar. Nesse momento achei que a tinha perdido e me desinteressei pela minha namorada, uma "revolta" que não fazia sentido, mas que depois revi esse conceito e passei a namorar com mais seriedade, afinal Marília não merecia isso.

   Alguns anos se passaram e eu aceitei essa situação como normal, Nelma tinha o seu namorado e eu tinha a minha namorada e assim vivemos por um bom tempo sem nenhum problema, mas dentro de mim esse desejo ficou latente, no fundo a chama da minha paixão não se apagou, eu achava que era só uma questão de tempo. Nesse meio tempo Nelma precisou se mudar para uma outra casa em um bairro mais distante, o que partiu meu coração, no entanto mesmo assim eu continuei a freqüentar sua casa e vez por outra me deparava com seu namorado Hélio e até ficamos amigos, só que no fundo eu torcia para que rompessem.

   Alguns dias depois eu soube que Nelma havia rompido com o namorado, o que muito me alegrou, cheguei até a "farrapar" com a namorada para provocar também um rompimento, o que terminou acontecendo. A minha paixão aumentava a cada dia. Passei a freqüentar a casa de Nelma mais vezes, nossa alegria era intensa, a familia dela era muito atenciosa comigo. Mas essa alegria durou pouco, dias depois Nelma apareceu noiva, um coroa bem sucedido colocou uma aliança no dedo dela, o que a deixou com planos futuros, para mim tudo estava decididamente perdido e eu tratei de curtir a minha tristeza longe, me afastei um pouco e só ia na sua casa exporadicamente. Nesse período eu namorei uma moça na tentativa de esquecê-la, tudo ia bem e o tempo foi me lapidando e mostrando que o meu caminho era outro. Nelma estava com esse coroa puramente por interesse, essa era a conclusão a que cheguei, mas tudo bem, que ela seja feliz.

   Tempos depois eu me casei, passei um bom tempo sem ter notícias de Nelma, ela havia saído do emprego a pedido do noivo e mudou-se para outro bairro, eu perdi o contato com ela e durante bom tempo não a vi mais. Meus filhos nasceram e minha família se estruturou, não mais pensei nessa antiga paixão.

   Certo dia quando voltava do trabalho em um ônibus superlotado escutei uma voz que pronunciava meu nome. Era Nelma, eu quase não a reconheci. Ela havia voltado a morar num bairro próximo ao meu, conversamos um pouco e eu desci umas duas paradas antes para acompanhá-la até sua casa, estava um tanto abatida e com problemas de saúde. Marcamos para nos encontrarmos num outro dia para conversarmos com mais tranqüilidade e isso foi feito. Num sábado a tarde eu fui lhe fazer uma visita, ela estava pior, não parecia mais aquela moça que eu conhecia, sua fisionomia estava debilitada e ela não conseguia mais andar, o que muito me entristeceu, pois foi assim de repente. Conversamos a sós em seu quarto e ela me comunicou que estava escrevendo a história da sua vida e que se fosse possível transformaria em um livro. Pedi para ver mas ela disse que por enquanto era segredo e só quando estivesse pronto é que eu tomaria conhecimento. Acatei a sua decisão e nos despedimos prometendo um novo encontro.

   Alguns dias se passaram e eu tomei conhecimento que Nelma havia sido internada devido ao agravamento de sua saúde. Dois dias depois ela faleceu, aos 58 anos de idade. Fiquei muito triste com esse fato e dias depois procurei a familia a pedido da mãe dela, que queria conversar comigo, ela tinha algo importante que eu devia saber. Era sobre a história da vida de Nelma que ela sonhava em transformar em um livro mas que não foi possível devido ao acontecido. Confesso que chorei com o que li, estava tudo escrito a maior parte a mão, uma boa parte desde o início estava digitada no computador dela. Pasmem, tudo que eu senti no tempo da juventude foi o mesmo que ela sentiu mas nunca teve coragem, assim como eu, de revelar um para o outro. Nós nos amávamos, porém nunca deixamos transparecer essa realidade que se perdeu com o tempo e depois com a morte dela.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 16/04/2022
Reeditado em 16/04/2022
Código do texto: T7496586
Classificação de conteúdo: seguro