BASTA

É a hora em que ele volta ao lar carregado de todo

cansaço do mundo e com a sensação de que a vida

podia ser diferente. Mas não é. Chega em casa da

um beijo na mulher, toma um banho, janta, assiste

o jornal na tv e depois vai dormir. Todos esses peque

nos atos são ecos de uma realidade da qual ele não

pode fugir. Mas se pudesse viver um segundo as

fantasias que tentou construir na juventude: militân

cia , a pele salgada da namorada, a urgência de mu-

dar o mundo repetindo frases feitas que ele gritava

sem convicção.

Ele entra no banheiro e se olha no espelho. A me-

mória relembra a companheira colocando a mão na

sua apontando caminhos e apagando os acasos.

A vida tinha que ser mudada e a sua se resumia a

vender jornais do partido e entrega de panfletos nas

portas das fábricas. Acabou de cansando daquilo.

Arranjou um emprego modesto numa fábrica de bis-

coito, casou-se , teve uma filha e nunca mais sentiu

vontade de mudar o mundo.

Hoje, é escravo dessa rotina sem saber o que fa-

zer da vida. Entra no quarto, dá um beijo de boa

noite na mulher e sabe que amanhã vai ser o mes-

mo dia. Cópia dos mesmos dias medíocres que tem

vivido até hoje.

Amanhã ele vai dar um basta em tudo isso.

JOAQUIM RICARDO
Enviado por JOAQUIM RICARDO em 15/04/2022
Código do texto: T7495943
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