BASTA
É a hora em que ele volta ao lar carregado de todo
cansaço do mundo e com a sensação de que a vida
podia ser diferente. Mas não é. Chega em casa da
um beijo na mulher, toma um banho, janta, assiste
o jornal na tv e depois vai dormir. Todos esses peque
nos atos são ecos de uma realidade da qual ele não
pode fugir. Mas se pudesse viver um segundo as
fantasias que tentou construir na juventude: militân
cia , a pele salgada da namorada, a urgência de mu-
dar o mundo repetindo frases feitas que ele gritava
sem convicção.
Ele entra no banheiro e se olha no espelho. A me-
mória relembra a companheira colocando a mão na
sua apontando caminhos e apagando os acasos.
A vida tinha que ser mudada e a sua se resumia a
vender jornais do partido e entrega de panfletos nas
portas das fábricas. Acabou de cansando daquilo.
Arranjou um emprego modesto numa fábrica de bis-
coito, casou-se , teve uma filha e nunca mais sentiu
vontade de mudar o mundo.
Hoje, é escravo dessa rotina sem saber o que fa-
zer da vida. Entra no quarto, dá um beijo de boa
noite na mulher e sabe que amanhã vai ser o mes-
mo dia. Cópia dos mesmos dias medíocres que tem
vivido até hoje.
Amanhã ele vai dar um basta em tudo isso.