O VISLUMBRE DE UMA CONVERSA - II
Muitos acreditam em coincidências e vivem suas vidas a mercê da sorte. Eu? Já acreditei um tempo... hoje, percebo que elas não existem, pois são criadas na imaginação das pessoas que tentam dar um ar de casualidade aos eventos mais improváveis que podem acontecer na vida. Gosto de pensar em destino, mas não com a ideia de algo estático ou idealizado por alguém supremo como Moro, deus que podia determinar o futuro dos mortais e dos próprios deuses. Cética? Não. Tenho minhas convicções e sei que o universo conspira de acordo com as nossas intenções. Então, o destino para mim é como poesia, às vezes somos regentes, ora regidos por sua lei e dessa forma seguimos.
Assim como há alguns meses atrás, hoje é sexta-feira. Sigo normalmente, saio do trabalho rumo ao centro da cidade. Não percebi diferença alguma, até porque essa é minha rotina constante. Paro no sinal de trânsito. Sem direcionamento, apenas mecanicamente olho pela janela e... Voilà! (Ai está ela).
Era ela, a garota de cabelos cor de rosa, vestida com um jeans rasgado com uma camiseta FODA-SE e repleta de rebeldia, MAS NÃO ERA MAIS A MESMA. A nossa comunicação foi modificadora, pois eu também mudei. Hoje ao encontrá-la percebi que estava totalmente diferente do que foi outrora.
Seus cabelos não eram mais cor de algodão doce, estavam negros e reluzentes igual ao pôr do sol quando toca as águas do mar. O contraste da obscuridade dos seus cabelos com os olhos azuis, só intensificou o poder de persuasão de seu olhar. Suas roupas não eram mais chamativas, sua fisionomia não demonstrou mais a rebeldia de antes, seu próprio corpo tinha outra postura. Só a expressividade do seu olhar continuava a mesma.
Assim como o meu, o olhar dela é perdido é um vagante que circula entre os universos paralelos que sua mente permite criar e só poucos conseguem compreender.
Nossa última conversa foi eloquente, mas nada foi pronunciado, fonema algum foi ouvido, salvo a voz do olhar que se pronunciou tão forte e arrebatadoramente. Senti reciprocidade, a rebeldia que ela tinha veio até mim, a minha mansidão foi até ela. Porém, hoje nossa conversa teve outro teor. Na fração de segundos quando nossos olhos se conectaram a carga de emoções foi diferente.
Em toda a minha existência ela é a única pessoa que consegue conversar de forma tão profunda e entender os anseios de minha alma, digo com toda convicção, pois ela também sente. Não sei o seu nome e nem preciso saber, pois a essência do poder do nosso olhar nos permite contatar a janela de nossa centelha e nela encontramos o real e o que é valoroso.
No seu expressivo olhar eu pude constatar desejo, sim eu senti. Latente e flamejante o desejo dela era de controle e até domínio, as suas pupilas estavam dilatadas e isso refletia mais doçura. Algo que aprendi com o passar dos dias é que a relatividade do tempo é incrível. Aquele momento para nós durou mais que alguns minutos, para os outros, apenas 30 segundos.
Você deve se perguntar o que eu senti. Eu senti... bem... é melhor não revelar, isso surpreenderia você, uma vez que não vivenciou a conversa. Será que nós nos veremos de novo? Claro que sim, a poesia do destino é algo encantador, a gente não precisa entender, apenas sentir, mas de uma coisa tenho certeza: nunca subestime o poder que tem o olhar.