O homem da face sombria - A VAMPIRA DO SUNSET

A VAMPIRA DO SUNSET

O mundo começava a arder em meio a uma pandemia causada pelo vírus de origem asiática denominado sars-cov-2. O caos passou a ser rotina nos aeroportos. Chefes de estado decretaram o fechamento de portos, comércios, igrejas, escolas e as pessoas não podiam andar nas ruas sem máscaras. A pandemia era letal e países ricos tiveram muitas baixas. Aqui tudo foi fechado muito cedo, na intenção de conter o avanço do vírus que assolava o mundo. Nada comparado a peste negra ou gripe espanhola, mesmo assim sua letalidade atingia os entes queridos de muitas pessoas. Os pobres, idosos e doentes eram os mais atingidos. E tão logo chegou até a cidade o primeiro caso, também chegou à morte, montada em seu cavalo negro, trazendo as consequências do que seria mais tarde chamado de colapso da saúde. Muitos comércios fecharam, muita gente passou fome e a solução era roubar. Muitas pessoas perderam suas vidas em meio aos crimes e outras tantas se suicidaram.

A vingança florescia nos lares pacíficos dos brasileiros e os feminicídios aumentavam de acordo com que as pessoas se obrigavam a ficar em casa.

Eu e Joey entrávamos em um caso à medida que saíamos de outro. O trabalho apesar de bem-feito, era tratado de forma ágil. Nunca tivemos tantos casos. Dei a liberdade para Joey tratar individualmente casos mais leves. Eu me encarregava dos mais perigosos. Lancaster nos auxiliava quando o assunto envolvia prisões. Num desses casos eu encontrei minha décima oitava vítima.

Entre máscaras e álcool em gel, eu e Joey fomos chamados ao edifício de luxo Sunset em Hamburgo Velho. Havia um crime que chocou moradores em que o corpo ainda estava aquecido quando chegamos. Um senhor de idade avançada, aparentemente com setenta e oito anos, foi encontrado morto em sua casa. Ele estava na cama, com o pescoço perfurado e seu sangue havia sido drenado. Logo as pessoas do edifício passaram a ficar com medo e dizer que algum morador havia se tornado um vampiro. Lendas urbanas não são nosso foco de trabalho, mas se havia uma oportunidade de eliminar um alvo antes dos Denaro, eu o faria. Um ódio incomum penetrava o meu monstro interior, e as trevas do meu coração, maculavam o meu ser. Minhas frias entranhas estavam querendo banhar-se em sangue novo. Joey me olhava com feições de preocupação. Meu silêncio dizia tudo. Entendam o seguinte. Um inocente morre sem motivos. Alguém que trabalhou a vida toda honestamente e que contribui com sua parte no nosso quadro social. Era assim que os vizinhos retratavam o idoso que morreu tão abruptamente, cujo seu falecimento de causas não naturais, causou repulsa em mim, em Joey e no pessoal da polícia que nos ligaram para ajudar e elucidar o caso, antes que ele ganhasse repercussão nos jornais da cidade. O idoso chamava-se Guilherme Kunz, era médico e aplicou seus conhecimentos por toda sua existência, salvando vidas e curando doentes. Alguém do bem que não merecia o destino que a vida o reservou em seus últimos momentos.

Pedi para ver o corpo até a perícia chegar. Estava deitado na cama, com a barriga para cima, estava descoberto, havia pouco sangue no lençol. As marcas em seu pescoço pareciam com um instrumento utilizado para drenar o sangue de mortos nas salas de tanatopraxia chamado, bomba aspiradora de secreções a vácuo. Ela pode ser portátil e caber em uma simples mochila ou bolsa. Dadas as marcas na jugular do Senhor Kunz e sua falta de sangue, é possível afirmar o uso de tal instrumento.

Expliquei como funcionaria o procedimento de uso a Joey e Lancaster. Estávamos esperando a delegada Bárbara e a equipe de legistas, mas tendo os fatos em mãos, tínhamos alguém roubando sangue. Poderia ser um assassino em série com um modus operandi inovador para a inteligência policial de Novo Hamburgo.

Vi que a porta não foi forçada, o que reforça que ela foi aberta para o assassino entrar de forma auspiciosa. Algum cliente antigo ou amigo, poderia ser até mesmo um parente ou morador do edifício. Não havia marcas de outras perfurações no corpo e Lancaster não estava convencido sobre a causa da morte.

Ele me perguntou o que nós achávamos que teria acontecido naquele apartamento. Respondi que o senhor Kunz havia sido estrangulado e essa deveria ter sido a causa de sua morte. Ele queria saber quais as evidências. Joey me olhou e respondeu ao inspetor Lancaster com um sorriso dizendo que, o estrangulamento é uma constrição a força de forma constritiva. No estrangulamento, o sulco é horizontal, possui profundidade uniforme, não sendo interrompido e ficando no meio do pescoço. O sulco é a marca do material utilizado para asfixiar a vítima, aparece geralmente em baixo relevo, desenhando o instrumento que apertou o pescoço, nesse caso as mãos. Podemos constatar o estrangulamento, pois a face está inchada e arroxeada devido à obstrução da circulação venosa e arterial, os lábios e as orelhas estão arroxeados. A língua está projetada além das arcadas dentarias e está extremamente escura. Por tudo isso, podemos dizer que o senhor Kunz foi asfixiado e após sua morte seu sangue foi retirado com um aparelho aspirador de fluídos. Estou certa Ben? Ela me perguntou com um semblante mais sério que o corriqueiro. Sim está correta minha cara Joey. Eu respondi dando o devido reconhecimento a sua dedução. Lancaster fez anotações, verificou o telefone da vítima, chamou os familiares. Constatamos que além do sangue, nada foi roubado do apartamento. Fizemos nossas próprias anotações e saímos antes de Bárbara chegar com os peritos. Na descida pegamos o elevador que nos levou ao Hall de entrada. Saímos do Sunset e passamos a caminhar pela avenida Maurício Cardoso, em direção ao hospital Regina. Um crime como esse seria difícil não achar evidências. Lancaster iria falar com os familiares e nós esperaríamos por notícias. Disse a Joey para que fossemos até os garotos perdidos, a fim de verificar se viram algo estranho na noite que se passou. Algum estranho de mochila. Fomos recebidos pelo contador. Expliquei o assunto a ele, que chamou os demais garotos. Não disseram nada relevante. Então apresentei Joey a eles. Ficaram sem desviar os olhares, pois Joey era muito atraente. Um deles disse ao contator, porque não pergunta a vampira. Ela está sempre pela noite. O contator pediu nosso contato e disse que iria ver com sua irmã se poderia ajudar.

Não me sentia confortável ali com tantos garotos rodeando Joey. Nos despedimos e saímos. Sem nada mais a fazer no caso fomos para casa. Lancaster e Bárbara telefonaram mais tarde sem agregar nada aos fatos. Joey dormiu no sofá, estava exausta depois de um longo dia. Eu não dormi, ainda estava imaginando como o assassino teria feito. Tão fácil, tão letal e organizado, sem sangue, como se Kunz estivesse apenas dormindo. Pálido na cama, ali estava um corpo recém morto, mas quase sem marcas. Alguém descuidado o bastante para deixar o corpo, porém, cuidadoso o suficiente para não deixar rastros. Não queria ser pego. O jeito foi esperar o próximo movimento. Sem pistas, mas com um desejo de sangue, logo deduzi que ele voltaria a matar.

Dois dias se passaram e uma nova vítima foi feita no mesmo prédio. Da mesma forma de agir. Sem sangue, estrangulada e um homem idoso. Parece que nosso assassino resolveu repetir o padrão. Joey desconfiou do porquê pessoas idosas? Talvez quem matasse não tinha força o suficiente para sufocar até a morte uma pessoa mais jovem. Isso fazia sentindo, a necessidade de se fazer vítimas frágeis, era porque na verdade o assassino era fraco. Um homem magro, com poucos músculos, ou um adolescente, sugeriu Joey. Num deslumbre sobre o passo a passo do nosso homicida, notei uma profunda organização e cuidado com a limpeza da cena. Deduzimos que nosso suspeito poderia ser uma mulher. Falamos para Bárbara, que buscava com seus peritos alguma imagem suspeita nos corredores. As mortes chegaram nos jornais, mas ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo no edifício Sunset.

Quando a quarta morte foi noticiada. Também foi vinculada aos assassinatos um assassino em série na cidade. A ideia me motivava a descobrir quem era ele e matá-lo. Era minha prioridade. Joey estava irritada com a situação. Queria pegá-lo tanto quanto eu, mas em sua mente a ideia era levar nosso culpado a justiça.

Joey e eu nos dividimos pela cidade, de maneira que ficássemos distantes. Eu não a queria por perto se algo acabasse cruzando meu caminho e eu tivesse que eliminar um alvo. Joey estava esperta o suficiente para trilhar seu caminho de forma independente. Nos comunicamos por telefone celular e nenhuma pista foi encontrada. A perícia concluiu que todas as quatro mortes, apesar de andares distintos, foram executadas na mesma noite. Somente foram encontrados em dias diferentes. O mesmo modo de executar as vítimas com os mesmos instrumentos. Não havia precedentes para tais atos. Nada foi roubado. O assassino queria apenas matar. Assim como eu ele se motivava por algo em seu interior. Ele era como eu, um incompreendido pela sociedade. Um sociopata funcional, antissocial que se permitia ter uma vida comum entre inocentes que, não contribuem com nosso interior maligno.

Em uma das noites, estávamos Joey e eu na sala debatendo sobre o caso quando ela me interrompe.

- Ben, você conseguiu falar com a sua vampira?

- Não Joey, ela não me procurou. Seguramente não quer se envolver com o caso.

- Sim, você tem uma foto dela? Dá vampira para me mostrar?

- Não, mas porque a pergunta?

- Você sabe que eu quase estive perto de prender a gata, quando ela estava no auge de seus furtos, antes dela ser informante da delegada Bárbara. Contudo eu não conheço a vampira, mas conheço a sua gata. Tive a impressão de que hoje eu vi a gata na cidade, junto com uma menina da mesma estatura que ela, vestida de preto, com tatuagens nas pernas e nos braços, como você me descreveu uma vez.

- Tem certeza de que era a gata.

- Ela me viu, colocou o braço sobre um carro, me encarou e fez uma cara de deboche. Creio que ela não sabe que somos parceiros, mas me reconheceu.

Fiquei com uma sensação de estranheza em meu íntimo. Eu sabia que ela voltaria, contudo, acreditava que me procuraria quando voltasse. A vampira havia se tornado uma grande amiga dela e confidente. Seria normal elas se encontrarem. Ainda mais se a gata fosse voltar a fazer o que ela mais sabe que, é roubar.

Quis saber de detalhes, porém, Joey me disse apenas que elas pareciam discutir e que a gata não parecia estar contente. Disse que a viu próximo ao edifício Sunset. Poderiam, as duas, estarem ligadas aos crimes. Quero acreditar que não, já que a gata precisa me dar muitas respostas.

Decidimos ir dormir. No outro dia minha prioridade era achar a gata e a vampira. Talvez elas me ajudem no caso. Estou convencido de que procuro uma mulher. Imagens do circuito fechado de televisão do prédio viu a algumas noites uma mulher esquia e de pouca idade, vagando pelos corredores do edifício, portando uma mochila. Isso fez com que a polícia a chamasse de a vampira do Sunset. Pedi que Lancaster me mostrasse o vídeo, tão logo bati os olhos nas imagens, vi que a figura era conhecida. Tratava-se da própria vampira, mas será que ela teria a coragem de cometer tais crimes. Disse a Lancaster que não a conhecia. Ele por sua vez também não tinha conhecimento de quem era, pois ele nunca viu a vampira. Os moradores para quem ele mostrou as fotos do vídeo, também não a reconheceram. Deste modo parti em busca das duas. A gata já matou antes e com a vampira no jogo as coisas podem ter ficado ruins. Os crimes de forma igual poderiam ser apenas para despistar a nós e a polícia.

Andei a tarde toda atrás de informações que me levasse ao paradeiro delas. Ao anoitecer me senti vigiado. Acelerei o passo e me escondi num pátio com obra inacabada.

Da escuridão pude ver a silhueta da vampira, logo a sua frente uma voz doce, porém forte como de um militar que dizia. Não vampira, não vou te ajudar, não faço mais trabalhos para meu pai desde que encontrei o Ben. Escutei perfeitamente e sabia de quem era a voz. Naquele instante minhas pernas tremeram e meu coração acelerou. Era a gata e estava discutindo com a vampira. Permaneci nas sombras observando. A gata dizia, onde está ele, você me atrasou vampira me fez perder ele de vista. A vampira retrucou falando. Gata essa não é a melhor hora de você aparecer, me ajuda com a situação do prédio, vão achar que eu matei aqueles velhos. E não foi? Indagou a gata. A vampira quase chorando pela dúvida da gata diz que não, com uma forma contundente, mas que suas imagens apareceram nas filmagens e seria questão de tempo até descobrirem tudo. Foi nessa hora que emergi das sombras e perguntei em voz alta.

- Descobrirem o que? No que você se meteu. E você gata, quando tinha o interesse de me dar alguma justificativa?

O enredo se complicou quando a vampira tentou correr e a gata não deixou.

- Nem pensar que você vai me deixar aqui sozinha. – Disse a gata segurando a vampira pelo braço.

- Desculpa gata, mas esse assunto é entre vocês dois. – Respondeu a vampira.

- Você se acha esperta não é, acho que se eu vou ter que dar satisfação a ele, você também terá que dar, até porque, de quem é a imagem nas câmeras de segurança onde apareceram quatro velhos mortos?

- Tudo bem gata eu fico, mas pode me ajudar certo?

- Claro ele é um amor e muito compreensível com quem ama. Você ainda me ama não é Ben?

Eu estava com o olhar fixo na vampira. A gata me olhava e sentia que meus olhos eram de raiva. Ela temia o pior de mim. Achava que estava a metros de executar a vampira, contudo a vampira se defendia, ainda existe uma dúvida em mim sobre a vampira do Sunset. Perguntei a elas;

- Qual o problema de vocês? Estavam me seguindo por quê? E tem mais, você gata, diz que me ama, mas me abandona quando eu mais precisava de você. Foi resolver problemas pessoais, contudo poderia ter me falado. Não tinha o direito de me deixar sem saber se estava viva ou não, ainda mais depois de todo o amor envolvido entre nós.

- Você tem razão, eu fui uma tola. Eu estava desesperada e saí sem dar ao menos satisfação. Me desculpe tudo bem?

- Não, eu não a desculpo. Além de tudo parece estar acobertando crimes da vampira. O que você fez lá vampira? Matou aquela gente?

A vampira estava com a cabeça baixa e em silêncio. Respondeu negativamente balançando a cabeça. Então ela me contou sua história.

Ela disse que depois de muitos furtos pequenos, o Barão disse a ela que roubasse o apartamento de três pessoas que moravam no Sunset. Lá encontraria joias no valor de meio milhão de reais. Foi o que fez. Abriu as portas, pegou o que procurava e saiu. Coincidentemente os crimes foram na mesma noite. Quis saber se viu alguma coisa. Ela me respondeu que não, mas que estava com medo, pois seu rosto estava nos jornais. Pedi que sumisse por hora. Que se escondesse e me deixasse trabalhar no caso. Até lá eu me comunicaria com ela através do telefone. Ela foi embora. A gata se virou, veio em minha direção, beijou meus lábios e disse.

- Ela é inocente das mortes meu amor. Ajuda ela.

Eu estava frio como um bloco de gelo. Meu coração só tinha espaço naquele momento para a Joey, o Lancaster e a Bárbara. Essas foram as pessoas que estiveram ao meu lado. O beijo da gata continuava tão bom quanto antes. Eu fui firme e não desviei o olhar de seus olhos verdes.

- Quando iria me contar que era filha do Barão e que sua família era mafiosa? E você sabe que sua madrinha Sottocapo foi minha namorada, quase noiva e que mandou matar minha primeira parceira? Isso está sendo difícil de engolir até agora. Daí você volta e quer que tudo volte a ser como era antes de você partir para o meio do mato para salvar sua irmã.

A gata me olhou assustada e disse;

- Como você sabe dela? Nunca te falei.

- Óbvio minha cara. Eu investiguei seu sumiço até descobrir o que havia acontecido. Depois deixei a decisão de voltar e se justificar a mim, com você, mas olha só, você já está na cidade e ainda não me deu satisfação de nada.

- Nossa Ben. Não seja tão rude comigo. Sabe do meu amor por você. Eu não sabia que você namorou a madrinha.

- Sim e quando eu a namorava, não sabia que ela era da máfia.

- Meu pai nunca entendeu do porquê você ter sido tornado um intocável na família Denaro. Isso é incomum para um civil comum, mas agora entendo. Ela ama você e quando descobriu que alguém matou um dos homens de meu pai e esse alguém era você, antes que ele pudesse ir atrás de você ela o tornou um intocável.

- E o que seria um intocável.

- Alguém que não pode ser atingido, mesmo que você seja a pior pessoa do mundo e se meta nos trabalhos da família, se o Don Denaro não revogar seus status, ninguém pode te ferir.

- Entendo agora. E onde você entra nessa história toda.

- Não entro, eu descobri que você era um intocável na semana em que eu fui ajudar minha irmã no pantanal. Ela tem dezesseis anos. Sua mãe adotiva lhe adotou quando a gente era muito nova. O sistema foi generoso com a gente. Mais com ela que, teve um bom lar. Eu mantinha contato toda semana, porém, quando perdi contato, liguei para onde ela me ligava toda semana e questionei o que havia acontecido. O dono do estabelecimento me disse que a mãe dela havia sumido no rio e ela estava sozinha lá. Não quis ajudar de ninguém. Então eu fui o mais rápido possível para lá. Descobri que a mãe dela havia sido devorada pelos jacarés de papo amarelo. Fiz o que pude pela minha irmã. Foi então que um tio dela comprou as terras e nos deu o dinheiro. Viemos e compramos um apartamento pequeno no bairro Ideal, próximo a fena. Não tive tempo de organizar tudo, porque a vampira quis que eu a ajudasse em um roubo. Eu disse não e ela foi assim mesmo e o fim você sabe. Estou na cidade a menos de uma semana.

- Tenho uma parceira de trabalho, como a Tamara. Ela mora comigo.

- Entendo, bom eu não poderia morar lá com você, ao menos por enquanto, porque minha irmã é de menor e ela vive comigo agora. Você sabe do meu amor por você. Só não quero que isso também acabe.

- Meu amor tem dúvidas a seu respeito em diversos pontos. Se você reparar esses nós cegos que restam de dúvidas em minha cabeça, poderei te perdoar e nosso amor prevalecerá.

- O que você quer saber sobre mim.

- Você conheceu a vampira num cemitério olhando um túmulo de duas pessoas. Pedro e Sara. Quem são?

- Minha mãe e meu irmão biológico.

Tão logo as palavras sopraram de seus lábios rosados, minha pele ficou pálida. Minhas mãos suavam frio com o fato de que a gata era irmã de Juliana, meu primeiro amor, a pessoa que me levou a iniciar uma matança sem fim por justiça e purificação.

Minha agonia não parecia ter fim. Achei ter matado toda a família de Juliana. Parece que me enganei. A gata e sua irmã devem ter ficado na casa de parentes por serem muito jovens quando eu liquidei seus entes queridos. Perguntei a gata se foi por isso que acabou no sistema de adoção. Seus olhos se encheram de lágrimas e ela me abraçou com seu corpo quente, dizendo com voz baixa e trêmula como se fosse um suspiro que sim.

Eu a abracei na tentativa de confortá-la, a beijei carinhosamente e disse que estava tudo bem. Eu tomaria conta dela de agora em diante. Apenas queria verdades da boca dela e sinceridade.

Ela tinha mais algo a dizer.

- Ben, eu sei que você já matou pessoas, sei que aquele tal de Diego não foi seu primeiro, sei que você pode ser muito mal. Eu também já matei para me defender e sei que você só mata pessoas que merecem morrer. Escondi esse fato de você, contudo a muitos anos eu vejo você cometendo esses crimes. Incluindo dois que você deixou rastros e eu os apaguei. Então não me abandona. Não me mate dentro de seu coração. Preciso de você. Sei que não sou a melhor pessoa do mundo, mas estou tentando ser.

Ela me disse que sabia das mortes que eu cometi. Das pessoas que libertei dos seus corpos físicos de pecadores. Eu purifiquei dezessete almas incluindo os seus pais e irmãos. Entretanto sobre as mortes de sua família biológica ela não sabe de nada. Ela sabe das mortes a partir de quando eu a ajudei naquela noite em que quase foi violentada. Eu não entrei no assunto, apenas pedi que respeitasse os mortos. Disse que nunca havia matado um inocente e que sigo um código de conduta para que nunca venha a matar alguém que não mereça morrer. Se há uma pequena chance do pecador ser inocente, eu o pouparei. Ela sorriu para mim e me abraçou forte.

- Eu amo você, mesmo sendo um intocável. – Ela riu e me empurrou, manteve seus braços em minha direção dizendo que iria me ligar no número de sempre e que a vampira era inocente. Contudo era uma ladra.

Eu não queria a prisão da vampira. Iria encontrar o culpado das mortes e inocentar ela das acusações das mortes, mas se alguém fizer um boletim de ocorrência por furto das joias que ela roubou, nada poderei fazer.

Liguei para Joey, contei tudo o que aconteceu, ela ficou estranhamente enciumada com o fato de a gata ter retornado. Ela pensou que eu a trocaria. Eu jamais faria isso.

A gata não é domesticável. Ela gosta da liberdade, embora cedo ou tarde eu ofereça uma parte na sociedade, tendo em vista os casos de menor expressão que se acumulam. Eu e Joey estamos perdendo dinheiro ao deixar esses casos de lado.

Depois de uma forte crise de ciúmes Joey entendeu a importância da gata em minha vida. Expliquei tudo sobre eu ser um intocável e para ela, toda essa situação se mostrava muito confusa. Ela pediu os finais de semana para descansar com a sua família. Seus familiares moravam em Porto Alegre e seria lá que descansaria nos finais de semana.

Concordei, ela precisa tirar o stress do corpo causado por mim ao longo dos meses de intenso trabalho. E eu teria folga de Joey, caso surja a oportunidade de exterminar com alguém da terra.

Fazia calor no outro dia, Bárbara havia ido até nossa casa. Informei sobre a gata e expliquei a existência da vampira. Contei sobre os furtos. Apesar de saber por mim do sumiço de joias do edifício Sunset, ninguém prestou queixa. O que garante a liberdade da vampira, caso encontremos o assassino.

Eu estava convencido de que era alguém do sexo feminino. Também era óbvio tanto para Joey quanto para mim que ela teria um fácil acesso aos quartos. Logo identificamos uma suspeita. Seu nome era Eliza Rolin. Uma faxineira do turno da noite. Na noite em que a perícia determinou as mortes, ela estava de serviço e foi ela que encontrou os corpos. Ela tinha acesso ao cartão chave que abria todas as portas. Ela fazia limpeza dos apartamentos que não estavam vendidos ou alugados. Seu trabalho era limpar, mas suspeitamos de que ela carregava sua bomba aspiradora de secreções a vácuo, no seu carrinho Tonki de limpeza.

Eu queria apresentar Joey a gata, mas sabia que isso geraria atrito entre elas, uma vez que Joey quase a prendeu.

Deixei esse assunto para depois, identifiquei a assassina e preparei o galpão para o fim de semana, aluguei um carro e eu faria o mesmo ritual que dá última vez. Seguir uma rotina que deu certo é crucial para não ser pego. Não devo levantar suspeitas. Faria durante a noite quando a Eliza estivesse em seu caminho para o trabalho. Naquele dia a gata estaria em seu apartamento cuidando de sua irmã e a Joey com sua família. O ambiente era perfeito para sentir o sangue de Eliza em linhas mãos. A polícia e nem ninguém a encontrariam. Seria como se ela escapasse ilesa dos crimes. Ela iria ser considerada foragida e nunca seria presa.

Antes de matá-la, queria entender o porquê daquilo tudo. Qual o motivo para tirar o sangue dos idosos, para onde iria todo esse plasma retirado dos corpos.

Em um sábado à noite do mês de março, por volta das vinte e duas horas, eu espreitava o edifício Sunset, vesti minhas luvas negras e uma máscara facial, que era comum devido à pandemia, enquanto aguardava a faxineira que cometeu quatro assassinatos em série. Pela informação dada a polícia, seu horário de chegada estava próximo.

Eu a vejo dobrando a esquina, ela segue em minha direção, uma presa fácil. Tinha cinquenta e oito anos, era bem experiente. Trazia uma mochila, onde ela deve carregar seus pertences e o aspirador de fluídos. Fiquei no seu aguardo ao lado do carro alugado por mim, pois era escura a parte da rua por onde ela caminhava. Pedi que me desse uma informação, nesta hora seu semblante mudou. Eu a disse que era morador do prédio e gostaria de contratar seus serviços para o domingo. Ela se interessou no primeiro momento, mas desconfiada declinou da decisão de ir até o local onde eu a mataria. Tive que improvisar, quando ela deu suas costas para mim, eu a acertei com um forte soco no rosto próximo a orelha, fazendo ela desmaiar. Eu a levantei e a coloquei no porta-malas com fitas nas mãos, pernas, olhos e boca.

Levei ela até minha casa, no galpão eu a pendurei em um gancho. Queria causar terror nela. Enquanto ela tentava gritar eu forrei o chão com plástico filme, para que o sangue não sujasse o chão, sem deixar indícios de crimes. Eu vejo o medo em seu olhar, podia sentir seu pânico. Suas veias do pescoço dilatavam, tamanha a força para se soltar, mas tudo era em vão. Enquanto ela chorava eu permanecia em silêncio. Quando eu terminei de isolar tudo eu disse a ela que iria tirar a amarra da sua boca e que se gritasse eu a mataria na hora. Ela acenou que sim com a cabeça. Eu retirei a mordaça e perguntei a ela, porque havia roubado o sangue dos velhos. Ela me respondeu que teria sido por dinheiro, ela sabia como fazer o serviço, tinha os acessos e comprou o aparelho para drenar o sangue pela Internet. Disse também que vendeu o sangue para um grupo religioso, que usaria o sangue em rituais. Não quis saber qual era o grupo ou de onde eles eram, apenas questionei o quanto valeu cada morto inocente, os quais ela ceifou a vida em troca de algumas moedas. Ela respondeu que os valores foram dez mil reais pelo sangue dos quatro mortos. O sangue foi drenado nos primeiros cinco minutos após as mortes, para que o sangue não coagulasse. Ela fez conforme a mandaram e ganhou o seu dinheiro. Gastou em roupas, festas e pagou algumas contas atrasadas.

Me causou repulsa de ouvir aquilo, meu viajante das trevas se inflou dentro de mim, pedi que gravasse um áudio confessando tudo, dei a opção de morrer ou se entregar. Ela optou por confessar. Com as luvas em minhas mãos eu ligo o telefone celular dela, peço a senha de desbloqueio gentilmente, ela me passa e eu desbloqueio seu aparelho, abro o aplicativo de gravação de voz. Coloco perto dela e a faço falar. Ela conta toda a verdade, se identifica, conta onde vendeu, para quem e o quanto ganhou pelo sangue dos velhos mortos. Isso inocentará a vampira e culpará a verdadeira vampira do Sunset. Vampira essa que sumirá nas profundas entranhas do rio dos Sinos.

Respeito as lágrimas dos entes queridos dos que se foram cedo naquela noite no Sunset. Estando velhos ou não, nunca imaginariam morrer, pois tinham boa saúde e foi isso que os levou a sucumbir nas mãos de uma lunática, que arranca de seus corpos o sangue que os mantém nessa vida. O castigo vem de onde menos se espera e eu mais uma vez vou purificar essa terra do mal que habita nela. Coloco novamente a mordaça, agora com mais raiva. Deixo meu monstro interior tomar conta das ações, a fúria dentro de mim floresce e as pétalas negras da morte perfumam o ambiente. Eliza está em pânico e eu sorrindo, consegui o que vinha procurando a muito tempo, um motivo certo para matar, um caso resolvido por mim, um crime perfeito da vampira do Sunset que sumirá do rastro da polícia, para nunca ser achada.

Há um prazer tão grande dentro de mim, uma satisfação que não sei expressar. Longe de todos, sozinho, em uma profunda paz, não sinto medo e nem remorso. Só a vontade insana de ver o sangue de Eliza escorrer por seu pescoço. Pego um simples estilete do armário de ferramentas. Passo em seu ombro e o abro o mínimo possível, o suficiente para ela sentir queimando sua artéria carótida. Ela arregala os olhos e tenta gritar. Ela se balança e quanto mais faz isso, mas seu sangue escorre. Como se sente? Pergunto eu. Como se sente perdendo o sangue como suas vítimas perderam? Quer que eu alivie seu sofrimento? Ela me olha chorando e empalidecendo acenando que sim com a cabeça. O próximo golpe foi com uma faca pontiaguda e afiada que, eu sempre tinha para minhas execuções. A faca penetra fundo em seu coração fazendo ela ficar mole. Seu rosto não estava mais triste, seus pulmões já não bombeavam mais o ar. Estava feito, Eliza estava morta. Pego o molho de chaves de seu bolso da calça. Eu a desço do gancho, a desmembro, coloco seus restos em sacos com pesos para lhe atirar no rio. O rio dos Sinos será seu destino, o local de seu descanso eterno.

Passei a noite quase inteira em função de Eliza. Carrego primeiro o pequeno bote inflável que, eu decidi comprar para essas ocasiões, até o meio de uma área de difícil acesso as margens do rio. Ficava a uns quinhentos metros da estrada. Levei os pedaços de Eliza depois e embarquei no meio da noite junto com os sacos de restos dela. Que ela apodreça nas profundezas geladas do rio. Que sirva de comida aos peixes.

Voltei para a segurança de minha casa, com tudo limpo e organizado. Liberei o celular de Eliza, consegui descobrir seu endereço. Fui até sua casa no resto daquela noite. Usei o molho de chaves para acessar a residência. Deixei o telefone com as digitais dela na mesa da cozinha. Fechei a casa e fui embora. Chegando em minha residência me desfaço das luvas e de minhas roupas. Eu as queimo para não deixar pontas soltas e tomo um banho. Durmo até o meio-dia do Domingo. Na segunda-feira a polícia invadirá a casa de Eliza, achando seu telefone e sua confissão. Inocentando a vampira dos crimes envolvendo os velhos e pondo um fim definitivo na vampira do Sunset que se tornou minha décima oitava vítima e que repousará na eternidade das profundas águas geladas do rio dos Sinos.

E assim morreu senhora, sem lágrimas no rosto ou vermes a devorando de dentro para fora. Ceifou a vida de inocentes e foi ceifada desse mundo. Que os demônios a enterrem para todo o sempre no mais podre enxofre do inferno. Que ela queime por toda a eternidade.

A vampira não pode ser incriminada pelos furtos às joias, pois elas já haviam sido roubadas de outras pessoas. Nenhum ladrão informa a polícia o furto de suas joias por ele também roubadas. Portanto ela saiu impune, no entanto, seu rosto não era mais invisível. Agora ela existe para o mundo. Acredito que ela deva ficar afastada do trabalho por um tempo.

A gata manteve contato diário comigo. Ela não desgrudava e aonde eu ia, ela estava lá na espreita, ajudando quando necessário como freelance da equipe e nos protegendo contra aqueles que querem nos ferir.

Joey, por sua vez tolerava e até começou a simpatizar com a gata, mas sempre desconfiada e com ciúmes envolvendo nossa parceria. Os casos atrasados foram postos em dia e tudo voltou a normalidade. Todos felizes até o próximo caso.

Ubiratã Hanauer
Enviado por Ubiratã Hanauer em 15/03/2022
Reeditado em 12/04/2024
Código do texto: T7473363
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