O homem da face sombria - UM ESTUDO EM BRANCO

UM ESTUDO EM BRANCO.

Um ar sombrio e solitário tomava conta do meu ser. Eu e meu viajante das trevas já havíamos matado dezesseis, mas com o tempo passando rápido naqueles dias que se sucederam a morte de Diego, meu corpo tediado sucumbia a necessidade de um bom caso. O tédio se espalhou até chegar em Tamara, que pegava apenas casos de adultérios e desaparecimentos de animais domésticos, que ela delegada a mim, no qual não rendia um bom dinheiro. Apenas o necessário para manter as coisas como estão. A gata por conta do marasmo, saiu fazia três dias, disse que resolveria alguns problemas de família e não retornou mais para casa, sem dar nenhuma notícia de onde estava. Eu me mantive solitário esse tempo todo, sem a gata em casa. Tamara não atendia meus telefonemas a dois dias e nesse momento em que consegui criar um ciclo de amizades e um amor que parecia verdadeiro, as coisas foram para um abismo, que parecia durar uma eternidade até terminar.

Liguei para Tamara naquela manhã de dois de janeiro de dois mil e vinte. Fazia calor e queria uma companhia, pois uma conversa agradável poderia animar meu dia, já que a gata sumiu e parece ter posto fim no nosso relacionamento e na nossa parceria profissional.

Tentei a ligação com Tamara umas três vezes, mas sem sucesso, acabei por desistir. Resolvi que era hora de uma mudança de atitude e decidi ir até a casa dela saber se estava tudo bem.

Vesti uma camisa social, uma calça jeans azul e um sapato brilhoso e fui até lá.

Bati palmas na frente de sua casa, gritei, tentei o telefone novamente e nada dela aparecer. Os vizinhos disseram que não viram quando ela saiu. Minha inquietação foi tamanha que pensei em ligar para a delegada Bárbara, mas decaí da minha decisão. Voltei para casa e aguardei notícias. Já havia chegado à tarde, quando recebo uma ligação da delegada Bárbara.

- Boa tarde detetive.

- Boa tarde delegada, em que posso ser útil?

- Acho que precisamos conversar, podemos nos encontrar em algum lugar reservado?

- Claro, onde quer se encontrar?

- Na cafeteria do centro. A de sempre.

- Sim, claro e qual seria o assunto?

- O assunto é a Tamara.

Preocupado sobre do que se trataria o assunto referente à Tamara, me desloquei rapidamente ao encontro da delegada.

Um mal presságio tomou meu corpo, afinal, coisas ruins acontecem com pessoas ruins. E eu sou um cara mal. Nesse período temporal, já não havia necessidade de se pegar táxi, podemos chamar motoristas por um aplicativo no telefone celular, que nos proporcionava um deslocamento rápido e mais barato. Peguei assim um motorista pelo aplicativo e fui ao encontro da delegada Bárbara. Estranhamente meu coração estava aflito, não sabia dizer o porquê, mas estava ansioso, estava com dores de cabeça e a solidão me arremetia a pensamentos tortos. Estava pela primeira vez sem rumo, sem uma direção para seguir. E se a notícia sobre Tamara for sua morte, como superar? Deveria eu continuar nosso trabalho, ainda com pouca experiência? Precisava me acalmar, baixar a adrenalina e por meus pensamentos em ordem novamente. Era por volta das oito horas da noite quando finalmente nos encontramos, precisávamos trocar nosso ponto de encontro e por isso decidimos nos reunir no Bourbon shopping de Novo Hamburgo. Não era meu costume abraçá-la, mas ela veio de bom grado me dar um beijo na face e um abraço apertado, perguntando como eu estava me virando sozinho. Era de conhecimento de quase todos, que eu odiava o fato de estar sozinho, isso me deixava inseguro e acho que foi por isso a sua aproximação macia. Deduzi que a conversa séria que Tamara não iria mais estar conosco, mas que ela viria a querer meus serviços como consultor. Ela pediu um chopp e umas batatas fritas e disse que precisávamos beber um pouco antes da conversa, tomamos alguns goles em silêncio, até que esse ciclo foi quebrado por sua voz doce e firme dizendo:

- Ela não vai mais voltar.

- Como assim Bárbara, a Tamara não irá mais voltar?

- Segundo ela própria me contou, ela teve que ir às pressas para a casa de seus pais no estado do Paraná, ela mandou mensagem para mim ontem à noite. Pediu para lhe avisar do ocorrido e pediu mil desculpas a você, por não ter tido tempo de se despedir. Ela viajou de urgência, pois seu pai teve um problema de saúde e acabou sendo internado. Como ela é filha única, largou tudo aqui e foi para lá. Ela pediu para você continuar o trabalho dela conosco e seguir no rumo que está, ela te admira Ben. Ela quer que você continue a empresa de consultoria, você não deve desistir, porque ela acredita no seu talento e tenho que admitir que eu também. Você me impressiona com sua lógica e conhecimentos nos casos de homicídios. Eu vou te ajudar e para isso eu o quero pedir que pense em um novo colega. Tamara disse que vai passar a maior parte da empresa para você, e depois de resolvido o assunto com o pai dela, ela irá montar uma empresa no Paraná e passará tudo para você administrar.

- Nossa, eu realmente não esperava que ela fosse me deixar sozinho nesse momento, mas se ela fez por sua família eu entendo.

- Quando você estiver pronto eu posso ver nomes de ex-agentes que saíram do departamento de polícia e que estariam dispostos a trabalhar com você.

- Vou esperar um pouco e por meus pensamentos no lugar. Também perdi a gata, não sei onde ela está. Ela me ajudava no rastreio de suspeitos e coletando informações das ruas sobre os casos de assassinatos.

- Sim, eu entendo. No seu tempo Ben, mas até lá quero saber se posso contar com meu melhor detetive consultor?

- Sim, pode sim.

- Ótimo. As coisas andam calmas ultimamente, mas quero você sempre pronto para mim, quando for necessária sua ajuda.

- Claro Bárbara.

Nós dois nos despedimos, ela voltou ao departamento de polícia e eu saí a procura de sinais da gata. Lembro de avistar o mesmo mendigo na praça vinte em Novo Hamburgo, o mesmo que nos levou a ela dá primeira vez, quando eu e Tamara estávamos à procura dela. Eu o encontrei comendo em um dos bancos. “Olá, velho amigo”, me dirigi a palavra a ele. Desconfiado ele respondeu não sei de nada do que quer saber. Eu nem disse por que estou aqui eu lhe falei. Não precisa, é sobre a gata, isso eu sei. Lamento, mas não posso lhe ajudar. Ela simplesmente sumiu do nosso radar das ruas. Achávamos que estava com você desvendando crimes. Entenda detetive. A gata nos dá alimento e um lugar para ficar, eu fico num albergue os garotos que ela cuida, ficam na escola da caixa da água em Hamburgo Velho. Ela os chama de garotos perdidos, que assim como ela, são órfãos de um orfanato que fechou. Ela ainda manda alimento e paga as contas, então ninguém se importou com o sumiço dela, porém se os pagamentos e a comida acabaram, saberemos que ela precisa de ajuda. A gata não é o tipo de pessoa que dá para se domar, apesar de ela dizer a anos que é loucamente apaixonada por você. Ele continuou dizendo que ela a algumas semanas os reuniu e disse estar feliz com a nova vida, mas que tudo ficaria como está. Nossos alimentos e contas garantidas em troca da nossa fidelidade a ela. Isso inclui ajudar você em caso de emergência. No entanto não estamos numa situação assim, porque ontem mesmo chegou o alimento para os garotos perdidos e o dinheiro para as contas desse mês disse ele. Então detetive, ela pode estar a serviço do pai dela, ou em alguma missão só dela que não quis dividir com você.

As palavras dele caíram como um conforto, pelo fato de saber que ela está bem, mas por outro lado, o que fez ela não dividir seu problema comigo e sumir da vista de todos. Eu precisava investigar esse sumiço inesperado. Agradeci ao mendigo e lhe dei um dinheiro como uma recompensa pela informação. Agora sei que além dele tenho os garotos perdidos. A gata deixou tudo organizado para que se eu precisasse de ajuda e ela não estivesse por perto, eu poderia contatar os garotos perdidos. Sei onde eles ficam, não devo ter problemas. Sem a Tamara e sem a gata, tenho uma oportunidade de resolver casos e eliminar suspeitos, fazendo meu monstro interior feliz.

Fui para casa, a noite estava fria e com muitas nuvens, parecia que se aproximava uma forte chuva, acabei me molhando pouco antes de chegar à rua Catalão 128. Minha casa estava vazia de novo. Da parede na sala fiz um mosaico com as informações que obtive da gata. Meu interesse era achá-la. Entrei madrugada adentro tentando entender meu dia conturbado. Acabei dormindo no sofá cama. Pela manhã acordei com o telefone tocando. Era Bárbara. Tínhamos um caso. Um professor foi encontrado morto na sala de xerox da escola onde lesionava. Me desloquei rapidamente para o local. Ao chegar encontrei Bárbara, Lancaster e o inspetor chefe Ramos que esteve dentro do local e relatou o que viu. Barbara e Lancaster me convidaram para entrar e verificar o corpo antes da perícia. Quando entramos na sala do xerox um forte odor inalada do local, tapamos nossos narizes e bocas, quando olhei o corpo percebi uma semelhança com algo que havia lido nos jornais a alguns anos. Peguei a delegada Bárbara pela mão e a puxei para longe do corpo a arrastando para fora junto com o inspetor Lancaster. O que foi isso Ben? Perguntou a delegada. Estou possivelmente salvando nossas vidas, eu respondi. Repararam no sangue das narinas e boca? A constipação nasal? Conseguiram perceber o forte odor de flatos que cheiravam a metano e os olhos amarelados? Sim respondeu Lancaster. Disse então a eles, que pelas evidências e o fato de o professor estar branco com aparência hepática e com as folhas em branco, pois não conseguiu sequer apertar o botão da máquina de cópias da sala de xerox da escola, que se tratava de uma doença hemorrágica causada por um vírus da espécie arenavírus.

Em princípio, os primeiros sintomas são febres, mal-estar, dores musculares, manchas vermelhas no corpo, dor de garganta, no estômago e atrás dos olhos, dor de cabeça, tonturas, sensibilidade à luz, constipação e sangramento de mucosas, como boca e nariz. Com a evolução, podem ser registradas alterações neurológicas. Nesse período, a pessoa pode apresentar sonolência, quadro de confusão mental e convulsões. Se o diagnóstico estiver correto e realmente ser o arenavírus, estamos diante de um dos poucos casos da febre hemorrágica brasileira causada pelo vírus conhecido como Sabiá. O período de incubação do arenavírus é geralmente de 6 a 14 dias, podendo variar de 5 a 21 dias. Os sintomas variam, mas se manifestam de forma muito parecida com os da febre amarela. A doença normalmente evolui com manifestações neurológicas e grave comprometimento hepático resultando em hepatite. O paciente pode apresentar prostração extrema, dor abdominal, acúmulo de sangue no tecido conjuntivo, rubor na face e no tronco, hipotensão ortostática, hemorragia nas mucosas, sangue na urina, lesões na boca, alteração nos gânglios linfáticos, encefalite e como consequência disso tudo, a morte. Como no caso do professor. Você tem certeza disso me perguntou assustado Lancaster. Creio que sim respondi, seguro de minha resposta, mas completei a frase dizendo que um exame detalhado deve ser realizado a fim de averiguar o contágio.

Bárbara estava com feições de surpresa e me perguntou, como eu sabia daquilo tudo, respondi apenas que havia lido em algum lugar. Lancaster quis saber como era feito o contágio, então respondi que a transmissão dos arenavírus de pessoa a pessoa pode ocorrer quando há contato muito próximo e prolongado ou em ambientes hospitalares, quando não utilizados equipamentos de proteção, por meio de contato com sangue, urina, fezes, saliva, vômito, sêmen e outras secreções ou excreções. Ele teve contato com esse vírus de alguma forma de uma a três semanas atrás. Lancaster relata que o primeiro a chegar foi o inspetor Ramos, um inspetor chefe, muito antigo na polícia que foi subindo de cargo denunciando colegas de profissão. Infelizmente ele teve contato com o corpo e com o sangue do piso da faculdade onde o cadáver do professor foi encontrado. Disse a Bárbara que deveria isolar o local e manter o Ramos isolado em quarentena. Ela entendeu a preocupação e deu a ordem para que o inspetor chefe se ausentasse das obrigações dele, ficando Lancaster responsável pelo caso e eu como seu guia, por conhecer o vírus. A perícia chegou depois de uma hora e coletou diversas amostras. Não houve arrombamento, não teve sinais de violência, tudo levava a crer que ele foi contaminado por acidente. Meu trabalho e de Lancaster era descobrir onde ele havia sido contaminado e por quem.

Minha vida estava terrivelmente desordenada com o sumiço da gata e a súbita mudança de Tamara. Encontrei em Bárbara e Lancaster minha guarita espiritual para iniciar os estudos desse caso, que para todos estava em branco.

É perigoso o lado escuro do meu ser, estou entrando cada vez mais num jogo de sombras, sinto como se estivesse vazio por dentro, algo em mim estava faltando. Precisava por meus pensamentos no lugar.

Na solidão do meu lar, me encontrava recluso. Já haviam se passado dois dias e tanto a perícia quanto eu não tínhamos novas evidências. O que eu sabia até aquele momento? O professor se chamava Pedro Albuquerque, estava sozinho na hora da morte, era o primeiro a entrar, pois era o responsável por abrir a faculdade de ensino a distância onde trabalhava. No telefone chamadas de seus familiares e do motorista por aplicativo que o levava todas as manhãs. Ele cobrava a corrida em particular diariamente. O professor não tinha contato com o único local de onde poderia vir o vírus que o infectou e culminou em sua morte. Esse vírus é de difícil contágio e sua transmissão é feita de formas específicas. Estava esperando a confirmação do vírus para daí sim começar a rastrear suspeitos. A confirmação então veio depois de uma semana e a central de polícia trabalhava com a hipótese de injeção acidental do vírus através de alguma superfície contaminada. Eu acreditava ser assassinato. Para mim era óbvio que ele ingeriu o arenavírus de alguma forma propositadamente, com a intenção de matá-lo.

Assim que Lancaster me confirmou a morte pelo arenavírus eu fui até o centro de referências de biomedicina da faculdade de Novo Hamburgo, com a intenção de ver a lista de visitantes de fora da universidade. Queria buscar evidências de pessoas ligadas ao professor. Fui barrado ao me identificar, liguei para Bárbara que tentou um mandato, porém negado, pois a informação do vazamento de um vírus mortal, chegou até a Anvisa que proibiu quaisquer acessos e diligências ao local de onde supostamente teria partido o arenavírus. Isso nos atrasa e me faz crer que o caso se arrastaria por meses.

Naquela tarde eu tive a notícia de que Ramos havia se contaminado e teve de ser intubado, devido às complicações da infecção. Para mim era um sinal de que ele morreria em breve. Seria mais uma vítima do assassino ou talvez o alvo, uma vez que Ramos sempre era o primeiro a chegar na cena do crime e a analisar os corpos até a perícia chegar.

Meu questionamento mais uma vez ficou comigo, porque sem a lista de acesso ao laboratório de biomedicina da faculdade de onde veio o vírus, tanto eu como a central de polícia, continuávamos em branco.

Meu mural começou a se concentrar mais no paradeiro da gata até a chegada de algum dado novo. Eu deixei de lado o caso em branco do professor e fui atrás de pistas de onde estaria a gata. Percorri as ruas de Hamburgo Velho em busca de algo ou alguém que pudesse me dar uma luz do que havia acontecido. Encontrei o tal mendigo da praça vinte em uma das ruas. Olá, velho amigo, como tem passado, lhe dirigi a palavra. Estava sendo cortês, para quebrar o clima. Olá, detetive, vou bem ele me responde. Foi então que sem rodeios lhe disse que estava à procura da gata ou de alguma informação que me levasse a ela. Ele me olhou desconfiado e foi logo me dizendo, que eu já havia tentado essa abordagem antes, mas que dessa vez iria me ajudar. Disse que havia uma garota, ela mede em torno de um metro e sessenta de altura, magra, pele branca, com tatuagens nos braços e pernas, está sempre de preto, usa bermuda e um casaco grande. As pessoas da rua e os garotos perdidos a chamam de vampira. Eu o interrompi questionando se essa tal vampira poderia saber algo sobre a gata. Ele acenou com a cabeça positivamente, mas ressaltou que era muito difícil de encontrá-la, pois ela foi ensinada pela gata a arte de furtar e se esconder, ao menos que ela queira me achar eu não a acharia. Eu agradeci e pedi que se ele a visse, pedisse que me encontrasse, pois o assunto que envolve a gata, poderia ser do interesse dela também.

Lembrava de a gata ter dito que os garotos perdidos moravam em uma escola ao lado da caixa d’água em Hamburgo Velho e foi para lá que eu fui. No caminho pensava no professor morto, em Ramos, na Tamara e na gata onde ela estivesse. Sabia que havia algo errado. Depois de meia hora caminhando, chego ao covil dos garotos perdidos. Quando entrei vi pelo menos dez crianças entre doze e dezessete anos. Um dos mais velho veio a mim e me disse, hei senhor, você não pode entrar aqui não. Eu o olhei firme em seus olhos e respondi que estava ali em busca da gata. Ele retrucou alegando que a gata já estava fora a uma semana e não deu notícias desde então. Meu nome é Ben Hansen. Sou detetive consultor particular e da central de polícia de Novo Hamburgo, mas também sou aquele que a gata estava procurando por três anos, disse a eles em voz alta. Continuei dizendo que ela estava morando comigo e me ajudou em alguns casos, porém disse que ficaria alguns dias fora para resolver assuntos familiares. Desde então não voltou, não atende telefonemas e ninguém sabe o paradeiro dela na cidade. Pedi que me ajudassem. Foi então que o garoto que estava conversando comigo gritou em voz alta. Contator, você pode vir até aqui na frente? O contator já tinha dezoito anos e era o único de maior no local. É você o tal amado da gata? Me perguntou de forma séria. Sim sou, respondi em tom agressivo. A gata disse que talvez um dia você viria aqui sozinho e que deveríamos lhe tratar bem. Portando você pode ficar à vontade. Qual o seu nome eu perguntei ao jovem. Ele me respondeu que o chamam de contador, ele era o mais estudioso e o único de maior. Era ele que sacava o dinheiro que a gata proporcionava todo o mês e o único com telefone. Telefone celular esse que a gata ligava para perguntar se faltava algo para eles. Eu ouvi você dizer que a gata foi embora alegando emergência familiar. Você veio até aqui querendo saber sobre esse assunto, mas não sabemos de nada disse-me ele com voz calma. Ele completou dizendo que ela ia até lá para vê-los uma vez por semana e que depositava todo mês uma quantia para os custos do mês. Se ela está com problemas ele e os outros dez jovens corriam o risco de passarem fome ou teriam que roubar para se sustentar. Eu compreendi que eles sabiam tão pouco como eu e então questionei se poderiam dizer a vampira que me procurasse.

Fui para casa, sem pistas da gata e do caso do professor. Voltei a andar pelas ruas centrais da cidade na noite seguinte. Em uma das ruas indo em direção a praça vinte, percebo uma figura estranha me seguindo, me desloquei em direção ao colégio Pio XII, seguindo a avenida Nicolau Becker. Virei à direita seguindo o arroio. Olhei para trás a figura estranha continuava me seguindo. Reduzi o passo para ver melhor na escuridão noturna. A lua estava encoberta por nuvens, havia pouca movimentação de pedestres na avenida Nações Unidas, a figura estranha acelerou o passo. Eu a aguardei em uma esquina nas sombras de uma árvore. Ela me alcançou e pude ver que era uma garota jovem, vestia uma bermuda de couro preta e um sobretudo negro. Seu cabelo era curto acastanhado e sua pele branca como algodão contrastava com as tatuagens em suas coxas. Parei diante dela e ela imitou meu movimento. Você é a vampira? Perguntei a ela, já sabendo da resposta. Ela só ficou parada imitando meus movimentos num ar debochado. Preciso de sua ajuda para encontrar a gata eu falei, mas novamente ela pôs a me imitar. Virei de costas e sai andando. Ela continuou andando seguindo meus movimentos. Parei novamente de frente para ela. Cada passo adiante que eu a dava também se movia, até que ficamos com nossos peitos colados um no outro. Pude sentir seu corpo quente e ouvir sua respiração. Qual o seu problema garoto eu a indaguei olhando friamente em seus olhos. Meu problema é ser baixa e o seu, qual seu problema detetive, ela finalmente falou. Era um tom de deboche, ela estava sendo sarcástica, queria demonstrar que era superior a mim. Eu fiquei em silêncio querendo matá-la, mas precisa dela. Preciso de respostas que só você pode me responder eu respondi a ela. Me perdoe pela grosseria, não estou sendo paga para sorrir, ela me disse. Não esperava menos de você eu argumentei. Nos afastamos um pouco, dando os dois um passo para trás. Você não me intimida detetive a continuou. Eu não precisava ser intimidador, nem queria ser, apesar de estranha, a vampira era uma jovem atraente. Tentei quebrar o gelo sendo mais simpático. Você sabe o paradeiro da gata eu perguntei. Ela me olhou um pouco menos raivosa, com ar mais sereno. Isso depende de quanto está disposto a pagar ela me respondeu. Então era disso que se tratava, um preço certo por suas respostas, foi então que questionei o seu preço pela informação e ela me respondeu, cem por pergunta, só porque a gata te ama e fala para todo mundo que você é um cara legal. Concordei com os valores e comecei os questionamentos.

- Sabe onde está a gata?

- Não sei e você já me deve cem. – Ela riu de forma debochada.

- Por favor, estou preocupado com ela, já faz muito tempo que ela sumiu e ninguém sabe do seu paradeiro.

Ela baixou a cabeça, como se estivesse arrependida, me olhou nos olhos, suspirou num breve momento e disse:

- Sei que ela está fora de atividade a alguns meses, pensei que estava morando com você, ao menos era o que ela dizia aos garotos perdidos. Ela dizia que iria parar com os negócios da família e se dedicar em ajudar vocês nesse lance de detetive. O que ouvi falar foi isso, mas você disse que ela está longe a algum tempo, quanto tempo?

- Uma semana quase.

- É pouco tempo para se preocupar com a gata, mas existe uma pessoa que pode te dar mais informações sobre o paradeiro dela.

- E quem seria?

- Agora são duzentos que você me deve. Bom o nome dele eu não sei, contudo, a gata o chama de hacker, ele consegue entrar em qualquer sistema de segurança e alarme. Ele trabalha numa Lan House no centro. Você devia vê-lo, fica na avenida primeiro de março em frente à praça das pombas. É a única Lan House que tem ali, ele é o garoto de boné da marca adidas que atende por lá.

- Devo deduzir que ele está sempre com este boné.

- Sim, ele está. É para que todos que precisam do seu serviço extra possam identificá-lo.

- Compreendo. E agora a última pergunta. Qual o seu nome?

- Meu nome não importa, e sim a natureza do nosso jogo, não é?

- Certo, então te devo duzentos.

- Nem pensar, trezentos, não mandei perguntar uma coisa que não estava a fim de responder.

- Você realmente é uma vampira sugadora.

- Esse é meu sustento.

Ela riu, debochou de mim, no entanto me deu uma outra pista do paradeiro da gata. Um dos meus enigmas que devem ser solucionados em pouco tempo, mas o estudo em branco, que é como a polícia está chamando o caso do professor morto por um vírus mortal, esse é um caso atípico. A vampira ficou olhando para mim enquanto eu pensava. Eu peguei o dinheiro e a paguei. Me despedi dela e saí em direção ao centro, em busca do hacker. Se ele poderia me dar uma pista de onde a gata está, era para ele a quem eu deveria perguntar.

Estava caminhando pela avenida Marcílio Dias, quando o telefone tocou, era a delegada Bárbara. Estava me convocando a comparecer na central de polícia. Tinha me designado um novo caso, paralelo ao da morte do professor. Ao que tudo indica este ficará pausado até a agência de vigilância sanitária liberar acesso ao laboratório da Universidade, no qual o vírus está armazenado.

Depois de uma hora eu chego à delegacia, um pouco cansado das buscas pela gata. Queria apenas o caso e ir para casa. Precisava pensar numa estratégia para localizar o culpado do estudo em branco e o punir. Foram duas vítimas. O professor e inspetor Ramos.

Ao chegar na central de polícia me deparo com a delegada Bárbara com duas pastas contendo centenas de folhas. Eram os agentes afastados nos últimos dois anos que ela prometera. Ela estava obcecada em arranjar um parceiro para mim, que pudesse me ajudar e acompanhar os casos. Eu disse a ela que verificaria as fichas e escolheria alguém até o final do caso. Ela disse que o caso poderia levar meses. Então respondi, tudo bem levará meses para analisar as fichas dos ex-agentes. Rimos um pouco e fui embora sem sinais de suspeitos do crime. Precisava de ajuda de fora, alguém que tivesse acesso a lista de visitantes do laboratório. Se ao menos a gata estivesse aqui, ela poderia invadir o local e pegar o que eu precisava.

Sem a gata e Tamara eu estava desorientado. Um lobo perdido numa estepe deserta e sem alimento. Precisava fazer algo diferente. Sem uma linha para seguir, não tinha nada que eu ou a equipe da delegada Bárbara conseguíssemos fazer no caso do professor morto. Pedi a Lancaster que me fornecesse informações dos dados telefônicos do professor. Lancaster me conseguiu os documentos da perícia e pude ver que ele não tinha muitos contatos. Em geral familiares, fui em busca de algo mais. Vi os pedidos de motoristas por aplicativos. Tirei cópias, e decidi partir daí. Resolvi começar de um outro ângulo de raciocínio. Talvez o vírus não tenha chegado ao professor e ao inspetor Ramos por conhecidos e sim desconhecidos. Fiz uma lista de todos os motoristas no período de incubação do vírus. Passei a investigar junto com Bárbara e Lancaster a vida social e antecedentes criminais dos motoristas que prestaram seus serviços ao professor Albuquerque.

A esta altura dois meses já haviam se passado e eu estava mergulhado em trabalhos atrasados. Bárbara me cobrava um parceiro, pois deixou de me encaminhar casos nos quais ela não tinha tempo de investigar, mas que precisava de solução rápida. Assim como o caso em branco do professor Albuquerque que já se estendia por meses, alguns casos da central de polícia se acumulavam, eram investigações de desaparecidos, roubos, furtos em sequências e demais delitos que ela e Lancaster não conseguiram trabalhar, devido à pressão para elucidar o caso do professor. Eu mais do que todos, queria o assassino, mas eu o queria só para mim, quero poder arrancar seus pulmões pelo peito e escutar seus gritos de dor até ver ele desmaiar. Para mim este seria o melhor fim.

Como o estudo em branco não seguia a diante, ajudei nos casos em atrasos do departamento de polícia. Foram simples, a maioria rápido de se resolver. O que pesava nas conclusões eram os mandados de prisões, que demoravam a sair.

Prisões foram feitas, mas em uma delas, meu viajante das trevas floresceu, para dizer olá a uma acusada por raptar e torturar um menino de oito anos. Ela foi presa após eu indicar o local do cativeiro, só que um Habeas-corpus a devolveu para a liberdade até seu julgamento. Eu e meu monstro interior iríamos cassá-la, torturá-la e depois afundá-la para sempre no Rio dos Sinos.

Passei algumas semanas estudando a jovem torturadora de crianças, até que resolvi agir. Ela morava em uma casa no bairro Rondônia, num lugar chamado como morro da formiga. Ali não era lugar de pessoas de bem, a maioria tinha passagens na polícia. Me aproveitei desse fato para sumir com ela. Iria parecer que ela fugiu do julgamento e da prisão. Fui até uma locadora de veículos, aluguei um carro com vidros escuros, sedã, de porta-malas bem grande.

Sabia depois de algum tempo observando sua rotina, que toda noite ela saía para programas sempre próximo às onze. Sabia também que seu ponto era ali perto da brigada. Decidi simular um encontro. Eu a levaria para casa, a sedaria e em seguida eu a levaria até os fundos de minha casa, onde um galpão fechado que guardo ferramentas, seria forrado por plástico filme, servindo assim como local da tortura e morte da vadia. Não fiz questão de dizer seu nome por acreditar que isso era irrelevante a esta altura da história. O plano era simples e o galpão estava preparado. A sequência do plano era desovar o corpo de cima de uma ponte, em local fundo, onde ela estaria em pedaços, embrulhada em saco de farinha, cheio de pedras para que nunca mais emergisse e fosse vistas por olhos humanos. Assim foi aquela noite de agosto, tudo correu como planejado, a morte dela era um alívio para a frustração dos casos não resolvidos. Meu eu sombrio encontrou naquela morte um conforto e eu depois de meses pude voltar a dormir um sono profundo. A dama que afundou no Rio dos Sinos chamava-se Bruna de Almeida e teve o prazer de se tornar a décima sétima vítima do meu viajante das trevas. No entanto, a morte surda que anda ao meu lado, dizia que o segredo da vida era seguir a diante. Foi isso o que eu fiz. Bárbara e Lancaster confiavam em mim para resolver o caso do professor Albuquerque. Já havia passado quatro meses desde que foi chamado para ajudar no caso. Eu, Lancaster e Bárbara, cada vez mais na dependência de um arquivo para ligar os visitantes a supostos suspeitos fora do âmbito familiar.

Naquele momento, meu nível de stress era alto, adquiri uma hipertensão que precisava ser tratada com remédios. Eu comecei a pensar novamente na gata e no que ela poderia fazer para me ajudar. Ela com certeza já teria roubado o documento de que eu precisava. O caso chegou nos jornais naquela semana e a delegada Bárbara me pediu quase implorando, que meu foco fosse este caso, era prioridade resolvê-lo o quanto antes, eu tinha carta branca para fazer o que fosse possível para terminar com as especulações da mídia sobre o caso. Lancaster iria despistar a imprensa, enquanto eu faria o serviço pesado. Desvendar o mistério do vírus mortal. Com a ideia de encontrar a gata para me ajudar no caso, fui até o tal hacker, amigo da gata. Decidi intimidá-lo para obter informações.

A vida é feita de sonhos e luta, você nasce sobre a forma de um ser mal e escolhe se quer se tornar uma pessoa boa ou continuar a ser mal. Naquele fim de tarde, estava pronto para interceptar o hacker, na saída do estabelecimento onde ele trabalhava de fachada para seus crimes, mas o maldito não saía nunca. Vi que estava sozinho e que a porta estava apenas encostada. Abri a porta e fui entrando, sem me identificar fui falando:

- Olá hacker, quero informações de alguém em comum e quero agora.

- Obviamente você está me confundindo com outro nerd.

- Com certeza não. A sua descrição bate exatamente com o que me informaram.

- Eu vou chamar a polícia caso não saia.

- Ótimo. Tenho certeza de que irão gostar de saber sobre seus trabalhos on-line com a gata.

- É disso que se trata?

- Se me disser o que quero saber, talvez não corte sua garganta.

- Olha meu amigo. Não quero confusão está legal. Só quero poder ir para casa. O que quer saber de mim?

- Onde está a gata?

- Não sei dizer.

- Resposta errada, hacker.

- Olha senhor, não sei seu nome, mas não faço ideia de onde a gata está. É sério, ela esteve aqui a um tempo atrás. Pediu que eu comprasse passagens para Mato Grosso. Ela não sabe fazer compras pela Internet, então me pediu ajuda.

- Passagens de ida e volta?

- Sim, com o intervalo de duas semanas.

- Se eu souber que está mentindo eu volto, arranco seus membros e jogo no rio para os peixes, entendeu?

- Sim.

- E nossa conversa nunca existiu.

- Sim, não quero confusão, só ir embora. Você parece ansioso e está ficando fora de si. Já vi esse olhar na gata. Fica tranquilo, não direi nada a ninguém.

- Estou de olho em você.

Dito isso, virei as costas e saí na certeza de que a gata estava com problemas, mas porque em Mato Grosso, o que levou ela a sair com urgência sem se despedir e viajar para tão longe, o que tem lá? E por que sua viagem de uma semana se estendeu? Era óbvio que eu precisava de respostas. Resolvi procurar pela vampira novamente. Outra vez precisaria de uma mercenária para coletar informações da gata, por sorte me ocorreu algo, poderia contratar a vampira para pegar o que eu precisava no laboratório de biomedicina da faculdade de Novo Hamburgo.

Andei até a praça XX, que era quase um ponto de encontro desse pessoal de rua, que tem contato com a gata e a vampira, porém o mendigo que me passa informações sobre elas não estava lá, mas uma pessoa em comum nas luzes queimadas da velha praça, me chamou a atenção. Era o contador, o único garoto perdido maior de idade. Ele estava solitário em um dos bancos. Parecia esperar por alguém. Estava de banho tomado e bem-vestido. Olá. Contador? Disse eu me aproximando sorrateiro. Olá, detetive, ele me respondeu. Então fui logo falando sobre o que descobri da gata e pedindo que entrasse em contato com a vampira, pois precisava de respostas novamente dela. Ele me disse que estava no aguardo da vampira naquela noite e que se ela estivesse disposta poderia falar comigo, mas que era para me manter afastado até ele terminar o assunto com ela. Concordei e me sentei em um banco mais afastado das luzes, em meio às árvores, na escuridão da noite.

Na penumbra eu aguardava a vampira com ansiedade, enquanto o contador parecia esperar sem preocupação. Sabia que ela viria, mas porque ele a aguardava? Isso não me interessava, contudo deduzi que os dois tinham uma certa ligação entre eles. Parece haver um laço afetivo, então resolvi me posicionar de modo que pudesse observar a conversa dos dois.

Já era por volta das dez horas da noite, quando um vulto negro rompeu a noite em direção ao banco onde estava sentado o contador. Era a vampira. Os dois estavam sorrindo, mas estranhamente não se beijaram, para mim era lógico uma ligação afetiva, mas não carnal. Os dois se amam, porém não como casal. Sim claro, a vampira era parente do contador. Percebi que a conversa era bem íntima. Os dois colocavam a mão em frente a boca para falar. Fiquei no aguardo se a vampira iria vir falar comigo.

Depois de meia hora, os dois me olham. A vampira fecha o seu semblante, se levanta e vem em minha direção.

- O que você quer?

- Gostaria que me respondesse mais algumas perguntas.

- Já sabe o preço, se quiser pergunte.

- O que existe em Mato Grosso que a gata foi e não voltou mais?

- Isso é assunto dela, não posso responder, me passa os cem reais.

- Me responde e eu te dou mais.

- Tudo bem, quer brincar um pouco de fazer negócios? Tudo bem, para mim. Escuta, não sei seu nome.

- Ben Hansen. Esse é meu nome. Agora me diga o seu.

- Vá contando o dinheiro bonitão, porque vai precisar pagar o dobro por essa informação.

- Tanto faz, me diga logo seu nome.

- Tudo bem, detetive Ben Hansen, meu nome é Érica, satisfeito?

- Muito, agora o que tem em Mato Grosso que fez a gata ir até lá com passagens para ficar uma semana e não retornar nesses dois meses.

- A irmã biológica dela mora lá, junto com à mãe adotiva. Elas sempre se conversam. Ao menos uma vez na semana. Se ela foi para lá, algo aconteceu com uma delas e se não retornou, é possível que tenha sido com a mãe da irmã dela. A irmã dela tem dezesseis anos. Então se a gata ficou lá é porque algo de ruim aconteceu. Não com a gata, mas com a mãe adotiva da irmã dela.

- Entendo agora. Tenho mais uma pergunta. Na verdade uma oferta, um trabalho para ser específico.

Ela riu me olhando nos olhos. Ela chegou próximo de mim, quase me tocando com sua boca, sussurrando em meu ouvido:

- Estou curiosa, o que quer de mim?

- Preciso que invada a faculdade de Novo Hamburgo, encontre uma lista de visitas de dois meses atrás, tire foto de todas as páginas, me entregue ou me envie elas.

- É para aquele caso do professor morto pelo vírus, não é?

- Sim.

- Tudo bem, eu faço para você. Depois te passo meus valores. Pagamento no ato da entrega das fotos. Você não irá me procurar, eu irei lhe achar. Farei do meu jeito, no meu tempo. Tudo bem, para você?

- Sim, tudo bem.

- Ótimo, estamos combinados e se está se perguntando por que eu estava falando com um garoto perdido. Aquele é meu irmão mais novo. Essa resposta é cortesia. Agora me pague o que deve para que eu possa ir embora.

Paguei a vampira como combinado. O contador ainda estava lá no banco. Quando fui me afastando olhei para trás e vi ela dando o dinheiro para ele. Ficou evidente que ela o ajudava. Não era do meu interesse os garotos perdidos, mas já sabia o que provavelmente aconteceu com a gata.

Agora em minha mente, um ciclo se fecha. Posso concentrar meus esforços na procura do assassino do professor Albuquerque.

Na manhã seguinte, minha cabeça ainda doía, havia dormido pouco, a delegada Bárbara me despertou as sete da manhã me ligando. Eu a atendi, grave erro. Ela estava com seu carro, um cruze preto, na frente da minha casa. O número 128 da rua catalão nunca foi tão solicitado pela polícia. Ela queria saber se eu já havia escolhido um parceiro. Respondi que não tive tempo para ver, mas que naquela semana eu iria resolver isso.

Eu me sentia cansado, desanimado, solitário. Realmente precisava de um parceiro, porém era necessário alguém que morasse junto. Para dividir as funções. Como eu e Tamara no começo. Dei os termos para Bárbara e ela concordou. Passei o dia inteiro e mais a semana toda vendo mais de mil páginas de inúmeros ex-agentes da polícia que saíram de forma pacífica e outros nem tanto da instituição. Um em especial me chamou atenção. Atira bem e foi expulso por supostamente matar um informante. Seu colega era o agora falecido inspetor Ramos. Ele jurou para corregedoria que havia sido incriminado por Ramos. Me interessei pelo caso. Será que mais alguém não teria sido incriminado por Ramos, sendo expulso e o vírus que vitimou o professor não foi exposto para que chegasse até o Ramos, já que ele era sempre o primeiro nas cenas de homicídios no centro da cidade? Isso é uma teoria a ser estudada e conforme eu fosse conversando sobre o caso com esse ex-agente eu poderia resolver esse crime em branco até agora.

Eu não mato por prazer, eu não justifico minhas mortes, mas a morte surda anda comigo lado a lado, suga minha memória e me faz esquecer o real sentido de tudo isso. Meu viajante das trevas me dominava, a raiva dá lugar a dor, a aflição me deixa angustiado e é na morte que encontro a paz. Eu poderia já estar morto. Tudo seria mais fácil. O vazio da solidão que domina meu peito agora, me deixa em conflito com meu monstro interior. Eu me julgo impotente. No início o que nos motivava a matar era o amor. Contudo o amor se apagou com o abandono e morte de quem a gente amava, minhas tristezas deram lugar a um sentimento de vingança. Nós acreditávamos que a culpa de tudo vinha dos maus intencionados, os loucos delinquentes, os incrédulos de Deus, os bêbados, os mendigos, os viciados, os estrangeiros vagabundos que se jogam pelas ruas, os mafiosos, ladrões e abusadores. Todas as pessoas corrompidas pelo sistema merecem punição. Não somos maus, mas matar essa gente é um dever e alguém precisa fazer. Meu viajante das trevas me atira nesse mundo maculado e de constante ódio. Não matamos mais por amor e sim por punição, em defesa de quem foi acometido pelo mau desses seres que não merecem estar em sociedade. Nós então os julgamos, condenamos e os punimos com a mais severa das penas, a morte. Então fazemos uma matança em busca de justiça. No decorrer da história da minha vida, me despedi de uma parte sombria que habitava meu ser, me fiz acreditar novamente no amor, nas pessoas e não mais estava solitário, até esse presente momento.

Dias se passaram desde o encontro com a vampira, que a meu pedido, iria coletar as informações das visitas do laboratório de biomedicina da faculdade de Novo Hamburgo. Eu aguardava clientes com casos interessantes e os de menores interesses eu os resolvia rapidamente. Quando completei três meses de solidão sem a gata e Tamara, eu decidi ir falar com Bárbara e Lancaster na intenção de entrar em contato com um futuro sócio. Era estranho para eu ter a necessidade de alguém para dividir ideias e sugestões. Percebo agora que a solidão me deprimiu e se faz necessário alguém novo em minha vida. Me fiz presente na central de polícia de Novo Hamburgo em uma quarta-feira de agosto. Data essa do combinado para avaliar meu futuro sócio e parceiro.

Bárbara estava um tanto ansiosa e parecia preparar terreno para me dizer algo. Lancaster estava na sala de fora conversando com antigos agentes da central de polícia. Eles estavam sérios demais naquele dia.

Perguntei o que estava havendo para a delegada Bárbara e ela me respondeu que tudo aquilo seria sobre minha entrevista, não deveria ter deixado eu trazer essa pessoa até aqui, ela me falou. Estava sem entender o motivo então a tentei dizer algo para amenizar a situação.

- Entendo que o momento não é dos melhores, o caso do estudo em branco parado, você está sendo pressionada a resolver o caso, outras ocorrências acontecendo e ainda perdeu um membro de sua equipe, alguém desprezível a meu ver, mas de grande valor para vocês.

- Sim Benjamin, esse é o problema. A pessoa que está na sala de interrogatório a sua espera, é alguém que o difamou, colocou dúvidas em todos quanto as atividades e prisões feitas pelo falecido inspetor Ramos. – Respondeu Bárbara em tom preocupado.

- Se houve dúvidas, foi porque ele não era unanimidade aqui na central.

- Nunca somos, vai sempre existir alguém que nos odeia.

- Esse nome dele é apelido?

- Ele?

- Sim, Joey Watterson.

Ela deu uma risada sedutora me olhando bem nos olhos dizendo:

- Você não sabe realmente quem chamou para entrevistar, não é?

- Sei que foi expulso por supostamente ter matado um informante e ter sido denunciado por seu parceiro na época, o inspetor Ramos.

- Exato, no entanto se você espera um parceiro, você se enganou porque Joey Watterson é uma mulher.

- Como assim? – Respondi de uma forma mais áspera.

- Sim, seu entrevistado é uma mulher. O nome é masculino, mas ela é mulher.

Fiquei um tanto confuso. Pedi permissão para entrar na sala e ver com meus olhos quem era essa mulher, expulsa com divergências da polícia civil, acusada de homicídio de um informante e denunciada segundo ela na sua ficha, injustamente pelo seu ex-parceiro. Parceiro esse que foi responsável por diversas expulsões e desagradou a muitos ex-colegas da central de polícia.

Joey apesar de ter nome americanizado e masculino, era uma mulher atraente já com seus trinta e cinco anos, inquieta, com origem asiática, olhos puxados, pele clara, mas com cabelos castanhos escuros. Estava bem-vestida, contudo, não mostrava desinteresse em mostrar seu corpo. Pernas torneadas, braços fortes, nenhum sinal de gordura no corpo, poucos seios, olhar frio e de feição serrada. Aparentava ser brava. Era de fato intimidadora, embora não parecesse ter mais de um metro e sessenta e cinco de altura. Vestida de short jeans azul claro e com uma camiseta esportiva preta ela se levantou ajeitando a roupa para não parecer vulgar. Longe de parecer vulgar, sua aparência séria com um ar de ansiedade mostrava nela um semblante harmonioso entre rebeldia e serenidade.

- Olá Joey, meu nome é Benjamin Hansen, sabe por que está aqui? – Fui despejando diretamente a ela as minhas intenções, na esperança de obter respostas objetivas, que me fizessem sair logo dali. Eu já vinha com minha decisão de recrutá-la, mas ela precisava aceitar meus termos. Com um homem seria mais fácil o argumento, porém com uma mulher já seria mais difícil convencer a morar no trabalho.

- Sim, a doutora Bárbara quando me ligou me antecipou o assunto, estou interessada em saber os termos. – Disse ela seriamente.

Bárbara me olhava por uma fresta na porta que ela mesma deixou propositadamente para ouvir a conversa. Quando virei meu olhar para a porta vi a delegada fazendo sinais para mim. Pedi licença a Joey e saí por um instante, para falar com a delegada Bárbara. O inspetor Lancaster se aproximou. Os dois me aconselharam a rever minha escolha, não seria correto eu ser parceiro de uma assassina, expulsa pela corregedoria da polícia. Respondi a eles que escolhi de acordo com o que eu acreditava ser a melhor opção. Não queria alguém que nunca tivesse sido militar. Eu só não contava que Joey fosse uma mulher. Contudo expliquei minha tese sobre Ramos e seus inimigos internos. Eles não concordaram, mas aceitaram, com a condição de que se ela aceitasse trabalhar comigo, eu tomaria conta dela e não deixaria que ela matasse ninguém. Concordei com os termos e voltei de volta a sala de interrogatório.

- Voltei Joey. Bem como você pode ter reparado, as pessoas aqui não são seus maiores fãs.

- Sim, eu sei disso e me estranhou o fato de a doutora ter me ligado. Por que você mesmo não me ligou?

- Tive meus motivos, mas me diga você foi expulsa e se julga inocente, posso confiar em sua palavra?

- É claro, Ramos é um idiota, arrogante. Gosta de subir na profissão subornando pessoas e informantes, além de fraudar situações para expulsar seus colegas de farda que, ocasionalmente descobrem suas ações. Quem matou o informante foi ele. Eu nem saí do carro naquele dia.

- Quer me contar como foi?

- Se me aceitar como parceira, sim.

- A delegada Bárbara falou sobre o termo de morar junto?

- Sim, não me importo de ir morar com você, contando que haja respeito. Até porque o quarto onde eu vivo é uma droga.

- Joey é seu nome mesmo?

- Sério que está me perguntando isso? Sim é meu nome, meu pai é brasileiro e minha mãe vietnamita. Se conheceram nos Estados Unidos e eu nasci no Brasil. Contudo eles gostavam de nomes americanos. Acharam que Joey servia para ambos os sexos.

Dei risada e ela me olhou com cara de má. Fiquei surpreso quando ela sorriu tímida para mim. Me perguntou quando começa. Eu lhe respondi que assim que se estabelecer na sua casa nova, começaremos o treinamento dela. Ela disse que só tinha poucas roupas e seu notebook. Que naquele mesmo dia se estabeleceria em seu novo lar. Passei o endereço a ela e saímos pela porta, onde Lancaster estava parado no corredor de braços cruzados. Perguntei onde estava Bárbara e ele me respondeu que ela havia saído, estava descontente. Resmungou algumas coisas para ele em tom de ciúmes e acabou indo para as ruas refrescar a cabeça. E você, tem algo a dizer que está parado aí até agora perguntei a ele. Simplesmente Lancaster olhou para Joey deu uma piscada para mim e disse que confiava em meu julgamento e que não gostava de Ramos. Conversamos ali por meia hora, Joey não sabia da morte de Ramos, mas já havia lido no jornal sobre o caso do professor Albuquerque.

Nos despedimos e saímos, Joey foi para seu quarto juntar suas coisas para ir morar comigo. Eu entreguei a cópia da chave e pedi que ela se estabelecesse e me aguardasse a noite, para debater sobre os casos mais pertinentes.

Saí eu sozinho, caminhando como gosto de fazer. Precisava absorver o fato de que Joey era uma mulher e potencialmente uma sociopata funcional assim como eu. Naquela altura mil coisas passavam em minha mente, mas a principal era de que se ela fosse culpada do crime e mentiu para mim, a solução para o caso será seu extermínio. Parei em uma cafeteria. Sentei-me numa mesa na calçada. Já estava anoitecendo. Lembrei que não dei o número do meu telefone a Joey. Não era importante naquele momento, meus pensamentos estavam longe. Queria um pouco de paz. Acho que quando as coisas se amontoam, todos buscam paz na tentativa de abrir a mente para resolver os problemas. Se Joey for boa parceira assim como sua ficha dizia ser boa agente, eu teria uma carta a mais no meu leque de opções.

Anoiteceu e a cafeteria estava por fechar, paguei a conta e fui em direção ao centro da cidade. Fui por ruas desertas, como um caçador a procura de uma caça. Um lobo, mesmo domesticado, será sempre um lobo. Me esgueirava entre as ruas escuras da cidade, numa dessas uma silhueta me chamou a atenção. Repetia um gesto particular. Imitando meus movimentos. Era a vampira. Finalmente ela me encontrou. Aparentemente concluiu o trabalho no laboratório de biomedicina da faculdade.

- Oi Ben. Tudo certo? Consegui o que me pediu. Espero que ajude no seu caso.

- Obrigado, mas por que a demora?

- Foi difícil burlar o sistema de segurança deles, mas no fim deu tudo certo. Sua lista de presença dos visitantes dos últimos meses está aqui.

Ela estendeu a mão e me entregou uma pasta contendo folhas impressas de fotos do seu telefone. Ela fotografou as folhas para não roubar e derem falta do documento original. Muito astuto da parte dela.

- Quanto te devo pelo serviço? – Perguntei a ela questionando o valor de seu serviço.

- Meu trabalho vai te custar dois mil e mais uma refeição, porque estou morrendo de fome. – Me respondeu com um sorriso no rosto.

Poderia acabar com ela ali mesmo e ficar com a informação, mas estava querendo fazer a coisa certa. Interação pessoal com pessoas de qualquer espécie era necessário para uma convivência em sociedade. Mesmo que essa sociedade, não mereça viver pacificamente entre si.

Fomos conversando eu e ela. A vampira estava mais receptiva agora, parecia menos hostil. Levei ela até a Lancheria Dubbai, paguei a ela um dos melhores pratos do local. Passei horas conversando com ela. Ela era incrível, inteligente, um raciocínio rápido para entender as coisas. Me contou trechos da vida dela e da gata. Pediu que eu encontrasse a gata e trouxesse ela de volta a cidade. Dei a minha palavra que meus esforços estariam voltados a gata assim que concluísse o caso do professor Albuquerque. Ela não ficava pulando pelos telhados como a gata, ela só andava, parava por aí. Observava tudo e todos. Era bem treinada pela gata. Não saberia dizer se tudo que ela me contou foi verdade a respeito dela, de sua vida, a companhia da gata e todo o resto. Senti nela um profundo respeito por mim e em especial pela gata. Passei a admirar um pouco ela. Seu semblante era de uma menina, embora tivesse seus vinte e tantos anos. Ela estava madura, calejada dos percalços da vida. Com toda sua atividade noturna, escaladas, caminhadas e saltos, além dos arrombamentos e furtos a residências, ela se vestia de forma sedutora e exalava um perfume suave. Ela falava em tom de deboche, mas depois suas palavras se tornavam adocicadas e requintadas, se fazendo entender com clareza em suas colocações. Um português correto e sem gírias das ruas. Perguntei onde estudou, ela apenas sorriu e disse, que tudo o que sabia era ler e escrever, aprendeu na vida. Morou em orfanatos até seus 10 anos, quando separaram ela de seu irmão. Seu irmão ficou no orfanato até fugir e se juntar aos garotos perdidos quando tinha dezesseis anos. Ela foi adotada pelo dono de um cemitério do bairro Rondônia. Ela teve a mesma criação que o filho biológico de seus pais adotivos. Quando eles faleceram o negócio do cemitério e da funerária, ficou sobre responsabilidade de seu irmão adotivo. Ela ajudava no que podia, porque ainda era menor. Foi auxiliando seu irmão que, em uma noite a gata apareceu no cemitério. Foi quando começou a sair com a gata e a dividir os furtos. Aprendeu muito bem o ofício. Eu quis saber o que a gata fazia no cemitério. Ela me disse que a gata procurava informações sobre um túmulo em específico. Ela me relatou que a gata foi a noite e estava andando pelo local, a vampira teria se aproximado da gata e a interceptou na escuridão do cemitério. A gata teria se assustado no momento, mas depois de conversarem ela teria dito que tinha interesse em um túmulo especial para ela. Temeroso pela resposta quis saber qual, se era algum parente dela. Era óbvio para mim que não era, mesmo assim quis ouvir a resposta. O nome me chocou. Pedro De Almeida, irmão de Juliana. O túmulo era onde eu enterrei o pai dela. Foram minhas primeiras vítimas quando eu recém saía de minha juventude. A gata estava me rastreando, me procurando. Ela mesmo disse que me procurou durante três anos e acabou desistindo porque achou que estivesse morto. Parece que ela descobriu mais do que deveria. Estou curioso disse para vampira. Porque este túmulo eu perguntei. Ela deu de ombros e disse que a única coisa que que a gata falou na época foi que, aquele túmulo era onde tudo havia começado para alguém que ela amava muito. Achei que Pedro fosse um namorado antigo ou algo assim.

A vampira disse-me que conversaram muito depois disso e ela a visitava diversas noites. Até que a gata lhe convenceu a sair com ela. Passou de amiga a colega de crimes e agora por minha causa fazia tudo sozinha. Disse isso franzindo a testa em tom de reprovação.

Fiquei nervoso, ansiado pelo fato de a gata querer revirar meu passado. Era óbvio que ela sabia de algo sobre mim. Precisava eliminar a gata, mas para isso ela precisaria voltar para Novo Hamburgo. Contudo, as dúvidas se amontoam em minha mente. Porque ela mesmo sabendo do meu passado ainda assim me procurava. E quando me achou, estava perdidamente apaixonada, me deixando por assuntos de família. Seria mesmo a gata um problema? Não seria ela mais uma aliada, alguém com quem eu pudesse dividir minhas angústias criadas pelo meu viajante das trevas? São dúvidas para mais tarde. Me despedi após muita conversa com a vampira e fui para casa. Lá encontraria Joey e analisaríamos enfim os visitantes do laboratório de onde saiu o arenavírus.

Já era tarde da noite quando cheguei em casa, percebi que Joey estava dormindo no sofá da sala. Eu a acordei e expliquei como seria nosso trato. A divisão dos valores seria de trinta por cento para ela e o restante deveria ser meu, até porque tem a parte de Tamara que ainda tinha uma porcentagem na sociedade. As despesas fixas da casa proporcionais as porcentagens. A cama e o quarto eram dela, porque ela era mulher e necessitaria de privacidade. Eu dormiria no sofá, já que esse virava cama. Tive que acordá-la para continuar com estes assuntos burocráticos e inacabados de nossa conversa na central de polícia. Depois disso, eu a deixei a par do caso do estudo em branco. Dei a tarefa para ela de encontrar algo em comum que ligasse o professor ao laboratório de biomedicina, e ao inspetor Ramos. Foram longas as horas em meio a papéis e análises. O cérebro de Joey estava exausto e ela acabou sonolenta. Pedi que fosse dormir, ela nem deu boa noite e se atirou no sofá. Acho que ela não entendeu que o sofá seria onde eu dormiria, contudo deixei que ficasse, pois naquela noite eu não dormiria de qualquer forma. Estava obcecado por encontrar um indício que ligasse Ramos a algo ilícito. Estava claro para mim, de que o professor havia sido apenas um instrumento na mão de um assassino que queria o inspetor Ramos morto.

Eram por volta das quatro e meia da manhã quando acordei Joey.

- Acorde Joey, está na hora de irmos ver o inspetor Lancaster.

- Deus do céu Ben, que horas são agora?

Olhei para ela sorrindo e empolgado com o que descobri.

- Quatro e meia. – Respondi.

- Não dá para esperar até as oito?

- O tempo é crucial para resolvermos o caso minha cara.

- Achou alguma coisa nos papéis?

- Sim, depois de muitos meses, acho que resolvi o mistério e temos um forte suspeito.

- Sério e quem seria?

- Talvez você o conheça, pois era do seu tempo de agente. O nome dele é Jair Oliveira. Pai de Pâmela Oliveira, a responsável pelo laboratório de biomedicina da faculdade de Novo Hamburgo. Por coincidência ele era parceiro de Ramos antes de você e foi expulso. Eu sei disso porque lembrei do nome dele nos arquivos de ex-agentes da polícia que Bárbara me deu. O nome dele está na lista de visitas do laboratório e hoje ele divide a profissão de carteira assinada com a de motorista por aplicativo. Duas semanas antes da morte do professor ele foi ao laboratório e depois disso, fez algumas corridas por aplicativo para o professor Albuquerque. Depois de ganhar a confiança do pobre professor ele deve ter oferecido seus serviços, para fazer corridas particulares. Temos que mostrar a foto dele a família e conseguir um mandado para o carro e a casa dele, onde devemos achar indícios do vírus nas águas oferecidas no veículo que ele usa para trabalhar com o aplicativo. Consultei a placa e ele é o proprietário.

- Nossa Ben, vou adorar aprender com você, isso foi muito bom. Foi incrível como você ligou esses pontos. Então quer dizer que ele armou um homicídio através de um vírus mortal que ele roubou do laboratório onde sua filha trabalha, depois disso ele achou uma vítima em potencial, que deveria ser alguém que morresse pelo centro, pois sabia que Ramos chegaria primeiro na cena do crime, porque era de seu costume fazer. Então o crime seria perfeito se não fosse por você ligar o motorista do aplicativo a um ex-agente e ao parentesco da funcionária do laboratório de biomedicina. Simplesmente incrível seu raciocínio.

- Agora temos que encontrar Lancaster e acordar a delegada.

- Sim, vou apenas trocar de roupa.

- Não demore, esperarei você no pátio.

Esperei cerca de dez minutos, entre uma ligação e outra para Lancaster, que rapidamente veio até nós, de modo a nos levar a central de polícia, para relatar o que havíamos descoberto. Ele acabou entrando em contato com a delegada Bárbara que iria nos aguardar lá.

Por volta das cinco e meia da manhã nós quatro nos reunimos em uma das salas de atendimento. Ficamos cerca de uma hora debatendo e chegamos à conclusão de que Jair e sua filha deveriam ser presos pela morte do professor Albuquerque e do inspetor Ramos. Bárbara foi perspicaz ao conseguir os mandados de prisão temporária. Me senti aliviado que o caso estava sendo solucionado.

Com os mandados em mãos seguimos em diligências separadas, uma para cada prisão. O que acontece em seguida deixou a todos com estranheza, pois algo inesperado aconteceu.

Em ambas as casas o cenário era o mesmo, alguém havia se antecipado. Os dois foram encontrados amarrados e com bilhetes iguais que diziam “Ao meu detetive favorito, os assassinos do estudo em branco, com amor C”.

Bárbara me olhou estranhamente. Me questionando quem era “C”, não fazia a menor ideia, não tinha sentido eu desvendar um mistério de meses e encontrar ambos os culpados amarrados no dia em que os prenderíamos. Alguém estava seguindo meus passos, suspeitei da vampira, mas ela não iria assinar o bilhete com a letra “C”. Poderia ser o contador, porém era muito difícil aquele garoto franzino conseguir amarrar ambos de forma igual em locais diferentes. Era trabalho de mais pessoas.

Eu estava na casa de Jair na hora da prisão. Ele naquele momento após nossa chegada estava desamarrado e algemado. Fui questionar quem havia feito aquilo. Ele nos respondeu que foram alguns capangas do Barão. Esse nome novamente, mas quem era o Barão e porque o bilhete com assinatura “C”? Perguntas e mais perguntas, todas sem respostas e que se colocavam pertinentes em minha cabeça. Joey me viu pensativo e preocupado. Bárbara e Lancaster também me olhavam com dúvidas. Barão tentou matar Tamara por saber demais, fazendo com que ela algum tempo depois fosse para outro estado com pretextos pessoais, agora uma ajuda na prisão de um caso que estou a meses por desvendar. Alguém me seguia, se me seguia poderia estar a par de minhas mortes. Senti um arrepio que gelava minha espinha. Meu viajante das trevas queria saber quem era e eliminar a ameaça contra nossa existência. Eu não fazia ideia de quem era “C”.

No final daquele dia as prisões chegaram aos jornais, tínhamos resolvido o caso, o pagamento seria bom e as dúvidas permaneciam. Bruna de Almeida era minha morte dezessete e tudo se armava num enredo de terror e chantagens para mim. A culpa era desse tal Barão que estava se intrometendo demais em meus negócios. Joey seguia ao meu lado e não me questionou quem era “C” ou Barão. Bárbara e Lancaster mantiveram contato e abafaram o caso dos bilhetes. Para eles a fama nos jornais era recompensadora após meses de investigação.

Meu lado sombrio queria apagar o Barão da face da terra. Meu alvo em potencial que nunca saiu das trevas. Não sei nem o seu rosto, mas consigo sentir que ele era alguém de alto escalão no submundo e me mantinha sobre sua vigília.

Voltamos para casa eu e Joey na vigésima segunda badalada do dia. Ela falava muito e criava teorias da conspiração envolvendo a máfia. Demos risadas e relaxamos.

Tenho tantos problemas na vida que não me preocupo com a morte. Um inimigo misterioso se aproxima de mim. Um sopro inevitável de vida me desprendia da corda que me segurava do abismo sem fim. Estou me afundando em uma malha de ossos. Em meio a vampiras, gatas, inspetores e delegadas, estava Joey. Alguém de aparência pura que apesar do seu olhar irritadiço, me acalmava com sua risada. Estava cercado de pessoas que gostavam de mim, mas porque me sinto tão só ainda?

A vida é agonizar a toda hora esperando a cada momento a morte, sem saber se morrerá de um só golpe. Porque morrer é exatamente isso. A incerteza de quando, onde e como acontecerá. Porque quando se nasce morto na alma, não há o que se possa fazer. Você carrega o mal nas entranhas e um doce gosto de mel em sua boca.

E eu que vivo atrelado ao desalento, também espero o fim do meu lamento, na voz da morte a gritar para que eu descanse. Então Joey e eu dormimos, eu no sofá e ela na cama, ambos envoltos em lençóis brancos e com nossos demônios noturnos sussurrando um até breve.

“A vida é como um fio

Um dia ela se solta.

Como um navio.

E vai naufragando.

Nas ondas do mar.

Por isso não atirem.

Minhas cinzas pelo chão.

Enterrem o meu corpo.

Na curva de um rio.”

Ubiratã Hanauer
Enviado por Ubiratã Hanauer em 14/03/2022
Reeditado em 12/04/2024
Código do texto: T7472492
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.