Costura do amor
Os tempos eram difíceis. Meu pai lavrava a terra roxa com sua enxada, por ele cuidadosamente amolada, e lavava a lavoura com os pingos de seu suor. De tempos em tempos torcia sua camisa, para poder continuar no campo de batalha. A chuva, aliada de seu sucesso na safra que viria, nem sempre vinha. E, se vinha, vinha mais que o necessário. Então, era fazer novenas pra Nossa Senhora, pra vir no tempo e quantidade certos. Qdo não vinha, o desastre era inevitável. E o gerente do Banco do Brasil não perdoava os papagaios que ele fazia para comprar as sementes, os fertilizantes, mantimentos pra alimentar os filhos. Minha mãe , fazia de tudo para amenizar aqueles dias de penúria. Fazia dos lençóis velhos, as camisas de meus irmãos .Era exímia costureira. Mesmo antes de ganhar a sua singer, que só veio qdo a colheita foi generosa e o preço do café subiu, costurava tudo à mão, ponto por ponto, à noite, à luz da lamparina. Da lua cheia. E de suas mãos calejas, ponta dos dedos sangrando , saíam as camisas e calças de meus irmãos, os vestidinhos meus e da mana Rufina, mais velha. Ninguém iria à missa de domingo mal vestido. Tudo confeccionado com as linhas do amor. Passado com ferro à brasa, ainda antes do sol nascer, enorme, imponente, no horizonte , pras bandas do sítio do Senhor Abilio . Mas Dona Chiquita não só costurava não. Sempre haveria uma vizinha, uma comadre, que lhe trariam novidades. Um risco novo, um bordado da moda, era o tal do rococó... mais um capítulo à parte.