O homem da face sombria - UM NOVO RECOMEÇO PARA UM PECADOR

UM NOVO RECOMEÇO PARA UM PECADOR.

Quando a chuva fria passar e os pássaros não voarem mais, aí será o tempo de escolhermos entre viver e morrer.

Há tantas dúvidas pairando no ar de minha cabeça, que não vejo mais as estrelas, não sinto mais a brisa do vento em meu rosto, cortado por causa do frio que seca meus olhos, não sinto dor, fome ou sede, não sinto nada. Há somente um ódio descontrolado dentro de mim que não sei explicar de onde vem. Talvez do silêncio em meu coração que já dura tantos meses.

Sinto um vazio dentro de mim que nunca senti antes, as mudanças em minha vida estão acontecendo de um jeito que eu não consigo controlar.

Existe em mim a necessidade de matar, torturar, vingar meu próprio ser do mal que me fizeram durante minha vida. Já matei a tantas pessoas que nem me lembro os motivos, mas consigo me lembrar de cada rosto antes do corte final. Não sei bem quando tudo começou, apenas lembro que matei por amor e meu destino é morrer por esse sentimento que a muito tempo eu não sinto mais.

Seus lábios ainda sugam da minha memória e penso em esquecê-la, no entanto como esquecer de alguém que fez tão bem para você? Essa é talvez a pergunta mais ingrata de se responder. Dizem que um amor a gente não esquece e que só se esquece de um amor, aquele que nunca amou. Não há como escondermos os sentimentos, as pessoas sabem quando estamos diferentes, mudamos nossa feição, nosso jeito de agir, por vezes nos deprimimos, outras trabalhamos dobrado, no meu caso minha satisfação está na morte daqueles que me fizeram perder meu amor.

Um dia Carol chegou em casa, sem dizer muitas palavras fez a mala, colocou poucas roupas e disse que teria que viajar para Europa, onde moram seus familiares. Não era algo que eu esperava. Fiquei sem chão, nos despedimos rapidamente e ela foi embora da minha vida, tão logo quanto entrou. Misteriosamente ela disse que me amava, que me guardaria no coração e que sempre cuidaria de mim, mesmo longe daria um jeito de voltar e que o destino ainda nos uniria. Ela se foi e eu sem entender acabei frustrado. Meu amor, minha paixão, havia me deixado para voltar aos braços de sua família na Sicília. Não pude fazer nada para detê-la, apenas acenei e a vi sumindo no banco de um táxi branco.

Saí do meu último emprego, em meio a um longo período de isolamento. Procurei trabalho depois de muito tempo, até achar um com salário razoável. Esse emprego é no ramo de segurança privada e foi aí que conheci uma detive, que prestava consultorias para a polícia civil da cidade, seu nome era Tamara Palsen. Nosso primeiro encontro fora deveras estranho, pois aconteceu por acaso num local onde trabalhei apenas um dia.

Estava na cidade de Triunfo numa empresa que presta serviços ao Polo Petroquímico. Meu local de trabalho era uma portaria de acesso, onde era possível monitorar por câmeras a chegada de quem fosse. Como era meu primeiro e seria o único dia, liguei o botão do politicamente correto. Foi quando por volta das nove horas da manhã de um sábado chuvoso, ela apareceu com uma camisa decotada cor rosa, calça jeans azul, cabelos castanhos na altura do ombro e alisados com chapinha, sua pele era morena, porém de coloração mais clara que o habitual e seus olhos um castanho claro, com um olhar de brava, sua boca carnuda estava colorida de batom rosa e o que deixava ela mais charmosa, era uma pequena pinta no canto inferior direito dos lábios. Não prestei atenção muito ao corpo, pois sua rara beleza facial me chamou mais atenção e claro seu decote provocante também. A bela detetive Tamara acionou o interfone e pediu liberação para entrar. Fiz o protocolo de praxe de ligações e acabei pôr fim a liberando.

- Olá – Me disse ela.

- Oi – Eu respondi a ela.

- Como vai?

- Vou bem.

- Obrigada por me liberar tão rápido, geralmente empresas grandes não gostam da minha presença.

- É mesmo e por quê?

- Por causa da palavra detetive na frente do meu nome.

- De fato meio ameaçador, mas como eu não tenho nada a ver com isso e os responsáveis da empresa também não se importaram com seu título, você está liberada.

- Está bem, obrigada, qual o caminho para o escritório?

- Desculpe detetive, mas é meu primeiro e tomara o último dia nessa cidade e nessa empresa.

- Oh! É mesmo, e por quê?

- Sou de Novo Hamburgo, estou cobrindo uma falta aqui hoje, estou ansioso pelas sete da noite.

- Novo Hamburgo? Eu sou de lá também e se eu acabar ficando até esse horário que é bem provável, posso te dar uma carona.

- Claro eu aceitaria.

- Isso se você também não tiver culpa no cartório – Em tom de riso irônico.

- Não se preocupe, se puxar minha ficha não vai ver nem multa de trânsito.

- Que bom, olha está chegando minha escolta até o escritório.

- É sério? Isso é necessário? – Perguntei ao chefe de segurança interna da empresa que veio conduzi-la até a sala da diretoria.

- Sim. – Me respondeu curto e grosso. Odiei a forma como ele a tratou e do jeito com que me respondeu. Desejei inúmeras vezes naquela manhã a sua morte. Pensei em diversas formas, mas tudo mudou quando ela veio sozinha até a portaria principal onde eu me encontrava.

- Não disse seu nome. – Ela me indagou em tom de curiosidade.

- Não viu em meu crachá?

- Se você usasse eu teria visto – Criticou e deu risada.

- Me chamam de Benjamin.

- Só Benjamin?

- Hansen, Benjamin Hansen

- OK então Bem.

- Chegou que horas aqui hoje?

- Está me interrogando detetive?

- Não. De maneira nenhuma, ia te pedir uma ajuda.

- O que eu ganho com isso?

- Uma carona até em casa.

- Está bem, me convenceu. O que você precisa saber?

- Como hoje é sábado eu vou sair e esperar a saída de todos. Eles devem sair por volta do meio-dia. Então vou voltar e preciso que me mostre as câmeras que você tem em funcionamento e se conseguimos ver algumas imagens. Se eu achar o que quero eu gravo as imagens no celular e você ganha uma comissão por ter me ajudado.

- Se a comissão incluir o almoço estou dentro.

- OK Bem, veio de longe e não trouxe almoço né? Trago dois Xis saladas para gente ir comendo enquanto olhamos as imagens.

- Olha detetive, já conseguiu me subornar.

Tiramos alguns segundos para rir da conversa e então eu a liberei. Claro que eu sabia que era arriscado colocar ela dentro da sala, mas como não estava me importando muito com as coisas que acontecem pelo mundo e fiquei muito curioso para saber o que estava acontecendo, assumi o risco.

Passava das onze e meia da manhã quando o último funcionário da diretoria saiu e por volta das onze e quarenta e cinco o chefe de segurança deixou a área interna e foi embora. Acionamos o alarme e ficou apenas eu na empresa, assim como a detetive Tamara disse que aconteceria. Já era passado do meio-dia quando ela chegou com os dois Xis e um refrigerante. Liberei o acesso para ela e então fomos comer e rever imagens da área de docas da empresa. Foi aí que ela explicou o caso.

- Desculpa, sei que parece estar se arriscando, mas queria pedir desculpas antes de tudo. Fui contratada pelo dono da empresa para resolver uma questão de desvios de máquinas e matérias primas precisava de sua confiança e por isso disse que voltaria sozinha, no entanto o dono sabe de meu acesso e ele é o único que sabe, então pode relaxar, pois se nos virem nada acontece com você ou sua empresa.

- Está bem, mas estou ajudando de curiosidade mesmo, já fiz minhas investigações por aí detetive e não gosto de deixar pessoas prejudicando as outras pessoas.

- Que bom Bem. Fico feliz em ouvir isso.

- O que estamos procurando?

- O caso é o seguinte. O Sr. Luiz, o dono, percebeu um rombo de materiais tomando como parâmetro a quantidade de material de algumas notas que ele iria mandar ao seu contador. As pessoas responsáveis não souberam dizer o que havia acontecido e nem onde estaria este material. Então ele verificou as notas e constatou que realmente faltava materiais. Aí ele me ligou para me contratar para descobrir quem estaria desviando. Foi aí que estive na empresa pela primeira vez na semana passada. Vim como uma suposta auditora. Verifiquei os papeis de notas de entrada e saída e descobri um desvio de dinheiro na casa de 100 mil reais, notas fiscais frias de materiais que nunca foram entregues. Marquei as datas e precisava ver as câmeras das docas, mas para isso o guarda não podia ser do posto. Então mandamos tirar ele e pedimos um outro guarda, que viesse de longe trabalhar por um dia até a investigação ser concluída e os responsáveis encaminhados a DP com as devidas provas dos desvios financeiros.

- Entendi essa parte, mas onde entram as câmeras das docas?

- Simples, se esse material não saiu como diz as notas, quer dizer que nunca chegou. Uma vez que não foi utilizado, o Sr. Luiz quer saber para onde foi o dinheiro.

- Entendi, será um prazer te ajudar.

- Eu sei.

- Convencida.

Falamos mais um pouco enquanto comíamos nossos lanches e então depois da barriga cheia, fomos ver as imagens. Já era perto da uma da tarde quando vasculhamos os horários que ela havia escrito em uma folha de caderno rabiscada. Olhamos as câmeras por cerca de três horas e meia, concluímos que nada naquelas datas chegou ou saiu do pátio das docas, portanto as suspeitas estavam certas, alguém deu baixa em notas falsas e ficou com o dinheiro. Agora seria necessário saber quem.

Não havia câmeras nos escritórios, pois o Sr. Luiz gostava de descrição, por medo de seguranças e funcionários saberem da rotina dos escritórios. Saímos então da sala da portaria um e fomos até a ala das mesas de impressões. Sempre há uma lista de acesso e verificamos os nomes, tiramos fotos e fomos ao computador do CPD em busca de respostas. Tentaríamos rastrear de qual computador foram emitidas as notas frias, achando assim um suspeito para interrogatório interno onde o Sr. Luiz iria liderar.

Não havia câmeras nos escritórios, pois o Sr. Luiz gostava de descrição por medo de seguranças e funcionários saberem da rotina dos escritórios. Saímos então da sala da portaria um e fomos até a ala das mesas de impressões. Sempre há uma lista de acesso e verificamos os nomes, tiramos fotos e fomos ao computador do CPD em busca de respostas. Tentaríamos rastrear de qual computador foram emitidas as notas frias, achando assim um suspeito para interrogatório interno, onde o Sr. Luiz iria liderar.

Com as devidas senhas em mãos passadas pelo Sr. Luís de manhã, abrimos o computador. A sala do CPD estava escura e Tamara pediu a mim que achasse todos os arquivos impressos nas datas referentes as emissões das notas fiscais frias. Então me debrucei na mesa, pois não havia uma cadeira e comecei a ajudá-la. Enquanto eu procurava, ela revirava o lixo então perguntei:

- Procurando mais provas? Acha mesmo que alguém iria deixar papeis de notas frias para trás em um lixo na sala em que foram impressas?

- Ah, meu querido! Não duvide da capacidade de burrice intelectual do ser humano que comete crimes.

- Devo imaginar que você pense que todos os criminosos são burros.

- A maioria. Eu até hoje não encontrei nenhum que fosse inteligente o bastante para não deixar rastros.

Me senti feliz pelas palavras porque me julguei superior a um simples criminoso, dada as circunstâncias em que vivia minha vida ao lado do meu viajante das trevas.

Nunca fui um desonesto, nem ladrão ou mesmo traficante. Eu repudio qualquer dessas classes de bandidos e as pessoas que eu matei, todas mereceram. E não é minha culpa os seus pecados e os seus crimes, fui apenas um comandante que guiou os destinos de todos que morreram nas minhas mãos, manipuladas por meu justiceiro das sombras. Esse meu eu sombrio que não me deixa pensar em resolver casos como este de outra forma que não seja em um derramamento de sangue. Difícil é se livrar dos corpos.

Encontrei a detetive a me olhar com olhos de mistério, como se estudasse meus pensamentos, parecia querer ler minha mente. Ela se aproximou enquanto eu a olhava. Sei que deveria estar olhando para o computador e analisando as impressões, mas ela desconfiava que aquelas notas nunca foram impressas ali e sim trazidas de fora e implantadas no escritório do Sr. Luiz por alguém de confiança. Então me permiti dar um palpite a ela.

- Detetive. E se quem forjou essas notas for uma pessoa próxima ao Sr. Luiz?

- Já pensei nisso Bem. E a cada hora que passa me convenço mais.

- Bom tenho alguns suspeitos.

- Olha é mesmo? E quem seriam?

- Bom analisando as pessoas hoje verifiquei que o fluxo de pessoas no escritório do Sr. Luiz é limitado a família dele, que trabalha nos escritórios ao lado e do seu diretor geral da área técnica de serviços de montagem industrial.

- Acha que foi um deles.

- Na verdade tenho quase certeza de que seja o filho dele.

- E como chegou nessa conclusão, pois vamos precisar provar caso faça sentido.

- Simples, vamos voltar aos escritórios.

- Está bem, vamos lá.

Chegando lá mostrei a ela a seguinte situação.

- Hoje pela manhã o filho do Sr. Luiz, o Sr. Max, entrou pelo portão sem eu saber quem ele era. Perguntei a um funcionário da limpeza, quem ele seria e então fiquei sabendo que ele era o herdeiro da empresa, porém com ar de deboche ele acabou subindo aos escritórios falando que não entendia o porquê haviam tirado o segurança antigo do posto. Naquele momento me senti constrangido, confuso e ao mesmo tempo com raiva. Foi então que passei a observar tudo nele. A bolsa preta em couro, os sapatos lustrados, a roupa social, o blusão mais esportivo e percebi chaves em suas mãos que seriam do seu carro. Eu disse seriam porque não são. Os escritórios, todos têm chave, no entanto existem as cópias delas, que estão com o Sr. Max. Foi esse o bolo de chaves que vi na mão dele e não tinha percebido até agora de que chaves se tratavam. Agora posso dizer com exatidão, pois na troca de serviço com o colega da noite este me informou do sumiço das chaves a alguns meses no turno do dia. Então temos o segurança que foi recolhido do posto que cedeu essas chaves ao Sr. Max como cúmplice e o próprio filho do S.r. Luiz que teve acesso irrestrito a todos os escritórios nesse período de meses. Em dado momento ele chegou antes de todos, entrando no escritório de seu pai e deixando as notas frias na mesa dele. Depois retornou para a mesa do responsável pela prestação de contas e aprovou o pagamento dessas notas. O dinheiro caiu em alguma conta sua secreta em algum banco, por isso não se conseguirá rastrear nenhuma anomalia nas suas contas pessoais.

Mas há um, porém, as contas do segurança não são secretas, basta você pedir que rastreie as contas dele e ver alguma movimentação acima do normal. Feito isso é só interrogar ele para saber de onde veio. Isso deve nos levar ao Sr. Max.

- Olha meus parabéns, se você estiver certo, lhe contrato como meu assistente. – Disse ela meio espantada

- Obrigado, como disse já fiz minhas investigações por aí.

- Vou fazer uma ligação para rastrear a conta bancária de seu colega. Vamos voltar a portaria um para ver o nome completo. Daí consigo com meu contato o que precisamos.

- Não precisa de autorização?

- Ah, meu querido! Nem tudo na vida se faz do jeito certo para se alcançar a justiça.

Depois dessas palavras encontrei na detetive um certo conforto. E se ela cumprir com a promessa eu teria um emprego que me deixaria frente a frente com o mal da sociedade. Meu próximo passo será frustrante, uma vez que depois de hoje não sei se consigo encontrar tempo de retornar para a cidade de Triunfo para livrar a terra do Sr. Max, embora meu viajante das trevas deseje dar um fim nisso, receio que dessa vez ele ficará com a sede de sangue acumulada para um próximo caso.

Levou cerca de meia hora entre telefonemas e então enquanto olhava para mim em um sorriso largo de seus dentes incrivelmente brancos, ouvi ela dizer ao telefone “Você está certo disso Lancaster? Está bem então, mandarei os documentos para a DP amanhã e encerramos mais um.”

Aquilo soou como música, foi então que ela veio até mim e disse:

- Tinha razão quanto ao seu colega, mas não será preciso interrogar, vai ser emitido um mandado de prisão para ele logo de manhã. E quanto ao Sr. Max, receio que também tenha razão, você só errou na parte da conta escondida, ele utilizou sua própria conta para guardar o dinheiro.

- Olha foi mais fácil que eu imaginei.

- Sim foi. E você está de parabéns, nos poupou alguns dias de investigação!

- Obrigado.

- Olha só, como prometi, quero você como meu assistente, claro vou te treinar, deixar você nuns casos sozinhos, mostrar os caminhos, te levar até meus contatos na polícia. Vou te mostrar como funcionam os rastreios, escutas filmagens tudo. Você topa?

- Claro que sim

- Nem falei os honorários.

- Nem precisa, qualquer salário será melhor que o que eu estou recebendo.

- Está bom, você recebe 20% do valor dos casos resolvidos. Trabalho sozinha a algum tempo, e não estou tendo tempo de focar em tantos casos, então uma pessoa com o seu raciocínio lógico apurado e algumas técnicas, pode dividir os casos comigo e aumentar a nossa receita.

- Estou num período de teste?

- Que período de teste, está efetivado, não tenho tempo para contrato. Outra coisa, você assina como autônomo a sua carteira no INSS. Sua aposentadoria é problema seu, temos de ser discretos, não escancaramos para todos que investigamos pessoas por aí, se é que me entende.

- Claro, entendo sim.

- Agora qual o próximo passo?

- Tirar esse seu uniforme ridículo e ligar para o Sr. Luiz. Vamos contar a ele tudo o que descobrimos antes de fechar o caso e encaminhar as provas para meu contato na civil. Aliás já vamos dizer que você é meu assistente e por isso que estava aqui hoje. Para dar um fim ao caso, você terá que pedir demissão tão logo chegue a Novo Hamburgo. Estou muito rápida para você? Espero que não, nosso trabalho demanda tempo e dedicação. Não podemos nos ater com superficialidade.

- Tem uma coisa detetive Tamara.

- O que?

- Temos como reunir provas suficientes para prender os dois?

- Sim, temos imagens das câmeras que mostram que o material não saiu e nem chegou da empresa. Vamos ver seu antigo colega agora, que relatou o sumiço das cópias das chaves reservas das salas dos escritórios, temos o rastreamento e quebra do sigilo bancário que vai ser emitido amanhã, provando a movimentação estranha na soma dos valores das notas frias. Temos também as notas frias, cujo números não batem com nenhuma nota da receita federal. E ainda teremos com certeza a confissão do seu antigo colega, que foi sem dúvida cumplice no caso e que com o devido incentivo vai dizer toda a verdade.

- Sim, acho que com isso encerramos o caso né?

- Bem, qual a sua dúvida?

- Quando serão presos?

- Logo.

- Vai ter mais uma investigação policial?

- Não, mas o caso pode vir a público e podem acabar mexendo em algo maior, daí poderão ficar soltos mais um tempo e a investigação levar meses. Só vamos saber depois do indiciamento deles. Não se preocupa, nossa parte é resolver o caso, a da polícia é prender e a da justiça é condenar esse tipo de pessoas. Quem nos paga é quem nos contrata, não temos responsabilidade com mais ninguém nesse caso a não ser com o Sr. Luiz.

- Sim, vamos esperar então que seja simples, não é?

- Sim com certeza.

Então depois dessa conversa ligamos ao Sr. Luiz e contamos tudo, ele se sentiu constrangido sabendo que o próprio fi0lho o roubou. Não quis prestar queija e tentou abafar o caso para encobrir o Sr. Max. Tentou pagar o triplo da investigação, mas a detetive Tamara foi relutante. Ele agradeceu o serviço prestado e se convenceu do certo a fazer.

Esperei minha rendição e fomos eu e a detetive embora. Ela fez questão de me levar até minha casa. Antes ela quis parar para me mostrar onde será meu novo local de trabalho.

Me espantou que seu escritório era em sua casa. Sua casa era grande, comprada com o dinheiro dos casos resolvidos. A detetive Tamara me explicou o motivo por ser em sua casa. Um escritório de investigação onde tratamos com criminosos não pode ter uma placa escrita “caçamos criminosos”, isso seria suicídio. Entendi o motivo e passei a analisar sua casa, como ela mora, de que forma atendia seus clientes. Verifiquei que a maioria de seus clientes eram empresários com problemas de desvios fiscais e casos de adultérios. Muito pouco caso criminal, como homicídios, tráficos, sequestros e extorsão. E uma porcentagem ainda menor de casos de roubos, mistérios, furtos e sumiço de crianças e animais. Naquela hora vi muitas oportunidades de deixar meu viajante das trevas me guiar e fazer justiça.

Vi que a casa possuía três quartos, sendo dois no andar de cima, dois banheiros, uma sala grande com sofás confortáveis para receber os clientes e uma mesa de centro cheio de documentos, uma cozinha simples, mas completa, uma garagem onde ela ostentava dois carros e uma área lateral fechada na parte dos fundos, com uma churrasqueira para receber visitas e dar festas. O que eu duvidava que acontecia, dado ao momento em que ela vem passando pela falta de tempo, devido aos inúmeros casos que vem acumulando em sua mesa de centro da sala.

Ela me apresentou a casa, mostrou os cômodos, onde guardava os talheres e louça, sinalizou onde ficava a dispensa e que eu poderia ficar à vontade para me servir quando estivesse ali e para agradar os clientes. Me contou toda sua vida de como iniciou na carreira militar, mas logo saiu da corporação para investir no ramo de investigação particular e consultoria, pois este lhe rendia muito mais. Falou do porquê não tinha nenhum parceiro para trabalhar com ela e contou do sentimento de enfim deixar entrar alguém em sua vida, para ajudar ela em seu exaustivo trabalho de 24 horas por dia de dedicação.

Ela me contou que estudou em escola militar por imposição de seus pais, foi bem disciplinada com boas notas. Fez prova para sargento da polícia militar, mas nunca foi chamada. Então fez concurso e passou, assim que foi integrada viu muitos crimes sem solução, disse que prendeu muita gente e por culpa do sistema, ficavam na sua maioria impunes. Não podia dizer que algumas dessas impunidades eu atribuía a minha própria justiça. Senti um certo lamento ao falar de família, pois largou tudo para se dedicar a vida de detetive. O que eu não sabia que ela era bem-conceituada no ramo de investigação particular, o que lhe rendeu uma nomeação da polícia civil por serviços prestados à sociedade e uma vaga oficial no departamento da polícia civil de Novo Hamburgo, como detetive consultora. Ela ostentava isso com uma placa em sua sala, para que as visitas e clientes a perguntassem qual teria sido a honraria que recebeu. Desistiu de ter filhos por causa de suas atividades diárias, era preciso ser bem ágil na lida com suspeitos.

Ela também mostrou onde eu deveria procurar a arma da casa caso houvesse alguma invasão. No seu quarto no criado mudo ao lado da cama. Pediu que eu estivesse ali as oito da manhã todos os dias e não disse horário de saída. Depois de mais alguns minutos de conversa, ela resolveu me liberar e me levou para casa. Quando chegamos foi minha vez de mostrar minha casa.

- Nossa que casa bonita a sua. – Disse ela.

- Mandei reformar algumas partes e pintar toda ela, foi um bom investimento.

- E de onde saiu esse dinheiro posso saber?

- De um processo trabalhista.

- Entendi.

- Sim ela é pequena, mas gosto de casa aconchegante, é menor, com tudo que é preciso nela, um quarto, cozinha, uma sala com certo espaço, banheiro, área de serviço e uma área lateral coberta bem grande, maior do que deveria.

- Verdade sobre a área, mas você tem tudo no lugar planejado, tem muito bom gosto

- Obrigado.

- Sério? Muito legal conhecer sua casa e te conhecer também me fez bem. Não tenho muito tempo, tenho que voltar para casa, vai que apareça alguém a noite precisando de ajuda, nossos clientes não têm horários sabia?

- Sim, e sei que você precisa relaxar um pouco, tenho algumas ideias para dinamizar o seu negócio, isso inclui mais casos e mais renda para nós, já que 20% dos casos são meus.

- Sim, bom um chimarrão para tratar de negócios até aceito.

- Ótimo! Vou preparar e você fique à vontade.

- Qual seu plano de melhorar o negócio.

- Bem vamos lá. Hoje você não dá conta da demanda, vai ser resolvido comigo, mas você pelo que me falou resolve casos complexos e casos que te fazem perder tempo para elucidar, devido aos flagrantes e fotos. Estava pensando em primeiro numerar seus casos por chegada de cliente, como se fosse uma fila de atendimento. Colocamos em uma planilha no computador para controle de caso aberto ou encerrado. Criamos uma pasta compacta contendo todos os documentos em casos separados. Vamos scanear todos eles, caso a caso e manter todos arquivados no computador e em um pendrive. Pensei em pegar os seus casos criminais e solucionar para você enquanto você foca em casos de colarinho branco e adultérios.

- Isso eu agradeço, as vezes passo o caso adiante para outros porque não tenho estômago para ver gente morta toda hora. A delegada me passa casos toda hora para auxiliar eles devido à falta de efetivo. Já que você gosta, amanhã eu ligo para ela e digo que você herdará todos os casos criminais e eu vou focar nos demais. Vou encher sua bola com ela. A delegada já sabe que se você está trabalhando comigo e que também é bom em deduções, vai se dar bem nessa área, não me decepcione.

- Não vou, no começo ainda vou te ligar para pedir uns contatos.

- Faz parte do processo.

Após algumas horas, a noite já se arrastava e um céu sem estrelas e nublado se erguia no céu. Tenho que ir disse ela, vou separar os casos e você planeja a tal planilha para decidir os tópicos de preenchimentos amanhã de manhã. Respondi com afirmação, dei um boa noite a ela, quando estendi a mão ela se jogou e me apertou com força num abraço inesperado. Retribui o abraço, não com tanta força, mas foi um abraço carente de alguém que só faz o bem e a coisa certa. Meu viajante das trevas ficou mudo naquela hora e eu sem reação.

- Desculpa – Disse ela quase chorando.

- Desculpar pelo que? – Respondi

- Pelo abraço.

- Não tem problema, foi inesperado, no entanto foi bom.

- Eu ando saturada e você hoje me ajudou muito e fazia muito tempo que não parava assim e conversava tomando um chimarrão. Sempre café, água, suco, cliente chorando ou querendo matar alguém. Sabe estou sempre tensa e você viu isso mim, me fez parar, criou um plano para melhorar o negócio que eu ainda vou avaliar, mas com os casos criminais se acumulando, creio que dará certo. Você me fez me sentir normal de novo por algumas horas e eu agradeço de coração.

- Vai aumentar para 30% a comissão?

Ela parou de chorar, riu e disse.

- Não. E se pedir aumento de novo, eu baixo para 10%

- Está bem.

Ela foi indo em direção ao seu carro e eu senti ali uma afinidade estranha, uma cumplicidade familiar entre nós. Nunca havia sentido aquilo antes desde o beijo da morte. Queria estar enganado, não quero ter que matá-la, esse não é o plano, o plano é matar os culpados pelos crimes que irei investigar. E esse foi o motivo do plano que tracei. Uma grande oportunidade está por vir.

Duas da manhã recebo uma ligação. Era a detetive.

- Alo detetive, como vai?

- Consegue vir agora para cá?

- Claro. Me manda o endereço.

Peguei um taxi e dez minutos depois chego lá, a casa com a porta da frente aberta, vi sangue na entrada da porta em direção a escada que seguia aos quartos de cima, chamei por ela e não ouvi resposta, fui correndo para o andar de cima. Chegando lá, eu a encontrei com a arma nas mãos, cabeça com um ferimento profundo e corpo de um homem sangrando ao seu lado.

- O que aconteceu? – Perguntei a ela.

- Ele ligou disse que tinha um caso urgente, então eu o recebi, daí ele chegou e me bateu na cabeça com o soco inglês dizendo que eu devia morrer, corri aqui para cima, mas ele me seguiu, peguei a arma, pedi várias vezes para parar e ir embora e então ele veio como um louco para cima de mim novamente, então atirei no seu peito, ele caiu e está agonizando, ele vai morrer, nunca matei ninguém, nem quando era policial.

- Tudo bem, me dá a arma.

- Toma, pode pegar.

- Agora calma está bem?

- Não me pede calma eu o matei.

- Ele está respirando?

- Sim, mas o tiro foi no coração, não tem como salvar ele.

- Calma você só atirou nele está bem?

Me levantei com a arma na mão e vi o homem agonizado no chão. Perguntei a ele o seu nome e ele disse Juraci. Juraci é o nome do colega cumplice no caso Max. Liguei o gravador de áudio do celular e olhei para o homem falecendo ao chão.

- Olha para mim, por que queria matar ela? – Falei para ele.

- Ela sabe de muita coisa de muita gente, tem que morrer, é ruim para os negócios do Barão.

- Sabe que esse tiro é fatal e que não tem como te salvar né? Quer dizer alguma coisa.

- Vá se ferrar.

Depois dessa curta conversa, levantei-me e atirei no peito dele de novo, agora acertando o coração de vez e o matando.

- Pronto Tamara você não o matou, eu o matei, você só atirou nele.

- Sim – Ela respondeu em prantos.

- Com a gravação vai ser legítima defesa. Eu digo a perícia e a polícia que atirei duas vezes nele e chamei a ambulância enquanto ele ainda estava vivo, peguei a confissão dele e as últimas palavras na intenção de provar a legítima defesa e pronto. Caso encerrado. Você está cheia de sangue porque tentou parar o sangramento certo?

- Certo.

- Vou chamar a ambulância. Você liga para sua amiga delegada e conta a história, quando a Samu confirmar a morte.

- Está bem, obrigada, não vou esquecer isso. O que fez para eu não ficar com a morte na consciência, não tem preço.

- Tudo bem, vai dar tudo certo.

- Querem me matar, ouviu o que ele disse?

- Sim ouvi.

- Tenho que contar para a delegada Bárbara sobre isso. Precisamos investigar a fundo.

- Você vai. Quando a Samu confirmar o óbito lembra?

- Sim, desculpa estou nervosa.

Após ligar para a Emergência a Samu chegou, já chegou com a polícia, pois havia lhes passado que teria sido um ferimento a tiro. Tão logo chegaram constataram a morte do homem, confirmaram a identidade e a detetive ligou para a delegada Bárbara, responsável pela central de polícia civil de Novo Hamburgo, informando o ocorrido. Ela ligou para um inspetor, que pediu um reforço e depois nos disse para ficarmos ali, pois estava a caminho.

Eu estava calmo, meu eu sombrio satisfeito porque queríamos matar um dos culpados dos desvios do caso Max. Missão cumprida, agora resta saber o que irá acontecer comigo e a detetive.

Depois de meia hora, enfim, chegou à delegada da polícia civil.

- Vocês estão bem? – Perguntou ela

- Sim – Respondeu a detetive Tamara

- E o que houve aqui? Que bagunça hein? – Falou a delegada.

- Deixa que eu lido com eles, vá ver o corpo com a perícia. – Disse a delgada ao inspetor.

- Bom agora só entre nós, o que houve Tamara.

- Nós estávamos conversando e organizando os papeis para separar os casos criminais dos de colarinho branco quando ele ligou. Pediu para nós o recebermos, pois estava desesperado. Foi o que fizemos, quando ele chegou fui abrir a porta, seria a nossa primeira análise junta.

- Sei esse é o tal do Benjamin, seu novo parceiro.

- Sim, e então quando abri ele me golpeou na cabeça e senti o sangue correr na hora, eu gritei para o Bem por socorro e corri lá para o quarto. Ele subiu atrás e Bem também. Eu tentei pegar a arma, mas ele me golpeava e me puxava, não me deixava chegar na arma, então disse para o Bem pegar o revólver, ele pegou a arma e pediu para ele parar, ele não parou, então consegui empurrar ele, quando ele ficou de pé o Bem atirou duas vezes no peito dele. O Bem ligou o gravador porque queria tentar entender o motivo pelo qual esse homem veio até aqui em casa para me matar, então ele disse quem era e que eu sabia demais e tinha que morrer.

- Você o conhece?

- Não, mas o nome que ele deu e que a Samu confirmou seria do guarda cumplice no caso que resolvemos hoje à tarde do Dr. Max.

- Sim você me passou o caso. Bom me parece óbvio o que aconteceu aqui, a perícia vai periciar a sua casa, mas já tinha me confirmado a situação e ela bate com o que você me falou. Agora preciso que você deixe a chave de sua casa comigo, pegue seu carro e vai para a casa do Benjamin. Amanhã vocês dois reúnem-se comigo na delegacia, para prestar queixa, certo?

- Tudo bem.

A perícia levou a noite toda e a detetive Tamara ligou para saber do andamento e se sua casa havia sido limpa. A resposta que recebeu foi que pela perícia, todas as informações batem, e mais a prova do gravador não íamos ser indiciados.

No outro dia fomos a delegacia prestar queixa e depois de uma manhã sendo ouvidos, a delegada se apresentou a mim.

- Benjamin!

- Sim?

- Quero que cuide bem dela está bem? Ela foi minha colega na escola e trabalha a um tempo comigo, ela escolheu este lado. Ela parece confiar em você, não a traia e você terá o meu respeito. Quanto aos casos atrasados dela, deixa eles em dia para mim. Eu quero que você crie uma gordura boa na área criminal, porque são poucos os voluntários de consultoria que querem atuar conosco.

- Claro, vou dar meu melhor.

- Você é bom, ela escolheu bem, não me decepcione.

Depois de sermos liberados a detetive Tamara não quis ir para casa. Fomos almoçar fora e só a noite decidiu voltar ao seu lar. Me pediu para ficar com ela naquela noite, pois a casa havia três quartos e tinha espaço sobrando. Concordei contando que não houvesse atendimento após as onze da noite. Ela concordou e foi se deitar. Eu comecei a organizar a planilha de acordo com a ordem dos casos.

Com o facínora Jurandir minhas mortes chegam a quinze e meu viajante das trevas não pensa em parar.

Quando não existir mais o amanhã

Quando a esperança tiver partido

Guarda no peito o coração amoroso

Antes que também seja perdido

E enquanto resistir sua lembrança

Guarda meu calor em sua mente

Guarda os meus tempos de crianças

Que envelheceu um dia de repente

E se houver uma noite fria

Lembra do sol que ainda brilha

Do céu cinzento que ainda vejo

A chuva fria que caía

Não lamente a perda de uma morte

Pois é na morte que se vive a vida

Adeus a canção mais bonita

A Deus aos carinhos teus

Adeus silenciosa melodia

A Deus a canção do adeus.

Ubiratã Hanauer
Enviado por Ubiratã Hanauer em 13/03/2022
Reeditado em 12/04/2024
Código do texto: T7471752
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