De nascença
Ela tinha um coração de ouro e as mãos de fada. Morávamos em um sítio, assim se dizia de uma área rural pequena , maior que uma chácara, menor que uma fazenda. Vinte e poucos alqueires. Propriedade de meus avós paternos. Meu pai era apenas meeiro. A mãe cuidava dos cinco filhos, do marido, das galinhas, dos porcos, das vacas, do leite, da horta, do jardim, da casa, e ainda ajudava na colheita do arroz, do feijao, do café. Nas horas vagas? Fazia arte. Da mais requintada. Cantava . Era uma diva. Voz de cristal. Poderia cantar Puccini,Verdi, Bizet. Poderia brilhar nos palcos , nas arenas pelo mundo. Mas sua voz, de rouxinol, ecoava ali, no campo, em dueto com os azulões, canarinhos e o assovio do vento em noites de temporais. Meu pai era seu maestro, e a acompanhava com os acordes exímios de seu violão. Del Vecchio . De suas cordas surradas, quase que enferrujando, tirava o som mais limpo e belo. Tudo de ouvido. Nunca estudou música. Nem nada. E tinha tempo pra esses luxos ? Minha mãe também nunca entrou em um conservatório. Nunca teve aulas de técnica vocal. Era de nascença, diziam.E das cordas de sua alma ecoava o mais puro canto. Afinadíssimo. De soprano. Mezzo? Ou de contralto? Depende. Cantava qualquer naipe. Era perfeita na música. E lidava com as mãos com o mesmo talento e candura. Delas saíam queijos, requeijões , pamonhas, cural, pães, bolachas, linguiças, doces de todas as frutas, e os mais belos vestidos e roupas para os filhos. Tudo feito à mão. By hand. Dona Chiquita não tinha máquina de costura não... mas isto pede um capítulo à parte... volto depois.