O homem da face sombria - O CASTIGO DE UM PECADOR. SANGUE, MORTE E CRUZES AO CHÃO

O CASTIGO DE UM PECADOR . SANGUE, MORTE E CRUZES AO CHÃO.

Ainda lembro muito bem daqueles cinco dias de tortura.

Era quarta-feira e fazia frio, a manhã estava fria e a neblina tomava conta da cidade. Estava calmo e as ruas desertas. Saí por volta das seis e trinta da manhã, aproveitava para andar sem direção alguma de um lado ao outro da cidade, sem me importar com o desconhecido.

Sabe aqueles dias em que o tempo parece parar e tudo ao seu redor continua a seguir em frente, pois é, era esse o dia em que eu estava. As árvores tão verdes ofuscadas de cerração densa, me deixavam enervado e a alegria dos sorrisos estampados nos rostos das pessoas me causava nostalgia e um simples adeus para mim parecia que era o fim.

Estava tudo em constante movimento e girando em minha mente com o mais repugnante ódio da vida chamado amor.

Estava passado das nove horas da manhã e fui ao chalé do café comer algo. La estavam sentadas duas senhoras, um casal de pessoas bem jovens com sua filhinha, uma moça que parecia descontente com a vida lendo jornal e um homem gordo, alto e despreocupado com tudo a sua volta, que observava a todos com a mesma calma do que eu. Ele as observava como presas, mas quais as suas reais intenções?

Foi aí que me dei conta de que eu também era observado.

Uma jovem loira, de olhos azuis claros, estava fitando dentro de meus olhos, enquanto minha perna trêmula pelo nervosismo me mantinha sentado, olhando o seu rosto angelical.

Percebi não um ar de revolta e nem de algo ruim dentro dela e sim um sentimento de ternura. Era talvez este sentimento que eu nunca senti e que estava importunando-me. Baixei a cabeça e continuei tomando o café por mais alguns momentos e quando ergui minha cabeça novamente, meus olhos foram de novo na direção do olhar dela, que continuava a me olhar com aquele maldito jeito, meigo e doce.

O que eu faria, nunca passou pela minha vida uma situação assim. Então ela se levanta, paga seu café da manhã e fala algo ao atendente do chalé café. O atendente vem em minha direção e sem eu entender o que acontecia, apenas observava ansioso o que viria adiante.

-Olá amigo!

- Olá!

- Aquela moça quer pagar seu café!

- Jura? E por quê? Ela disse?

- Disse que simpatizou com você e queria fazer-lhe esta gentileza.

- Então tudo bem.

- Pediu-me para dizer a você que se não estiver com pressa para encontrá-la perto do meio-dia, que gostaria de lhe pagar um almoço e conversar. Acho que ela está interessada e convenhamos, ela é linda.

- É realmente linda, mas estranho o fato de querer me comprar pela comida. E se oferecer assim tão fácil tem algo de errado.

- Ela disse que diria isso e me pediu para dizer que se achar inoportuna sua abordagem, lhe desculpasse e que apenas quer conversar com o senhor a respeito da avó dela. Diz morar perto de sua casa e que os avós dela morreram em um incêndio enquanto dormiam com as crianças adotadas em uma noite da semana passada.

- E onde ela quer se encontrar?

- Num local perto do calçadão. Disse que estará em frente da multison ao meio-dia.

Naquele momento tudo fez sentido para mim, era óbvio que ela havia me visto passando em algum momento na rua enquanto a casa pegava fogo. Começo a suspeitar do assunto que ela tanto quer conversar, será que devo ir nessa conversa com a loira misteriosa?

Ela parece triste e sem muita direção na vida, uma presa fácil se eu quiser, vou falar com ela, parece estar apenas confusa e quer conforto, se ela sabe de algo daquela noite por que iria querer conversar.

Era por volta do meio-dia, nos encontramos em frente à multison, uma loja que nos dias de hoje já não existe mais, como ela havia dito que esperaria.

- Oi! – Disse a ela com um sorriso largo, pois o rosto delicado dela exigia uma boa recepção.

- Oi! – Ela me respondeu.

- Como você se chama?

- Meu nome é Caroline Messina Denaro.

- Bom meu nome é.

- Sei o seu nome.

- Como?

- Vi você trabalhando e li seu crachá.

- Certo - Fiquei preocupado naquele momento.

- Como você está? E por que queria falar comigo?

- Não ando bem, meus avós morreram próximo a sua casa, você ouviu falar o que aconteceu?

- Sim um casal que morreu queimado com duas crianças, eu fui até lá, conhecia os dois apenas de vista da igreja.

- Os dois frequentavam muito a igreja, até parece obra do demônio. Imagina? Morrer queimado enquanto dormiam.

- E a perícia o que disse?

- Disse que foi um mau contato na rede elétrica.

- Nossa que coisa.

- Mas eles mereceram.

- Jura? Por quê?

- Sabe, eles nunca me contaram, mas acho muito estranho eles terem frequentado por tanto tempo aquela igreja, o padre morreu assassinado, meus avós acidentalmente pegam fogo e a casa inteira acaba queimada e ninguém consegue correr, disseram que todos estavam dormindo. Eu achei estranho, a polícia disse que foi coincidência, pois a perícia havia sido feita e constatou este mau contato.

- Mas será mesmo que foi coincidência. Aquele padre não me parecia muito honesto.

- Verdade mais as duas crianças que meus avós cuidavam eram adotadas e foi aquele padre que ajudou na adoção.

- Disseram-me uma vez que ele explorava e vendia crianças, não sei se era verdade.

- Agora nunca saberemos.

- Deixa isso para a polícia resolver, é melhor não se envolver com essa gente.

- É você tem razão, mas se foi isso mesmo eles mereceram.

- Você parece não gostar de seus avós.

- Eu os tolerava.

- Por quê?

- Eles pareciam sempre desconfiados e se esquivavam toda hora quando surgia o assunto adoção, eu sempre questionei como eles adotaram tão fácil e rápido os dois, já que é tão difícil a adoção no Brasil.

- E eles o que respondiam.

- Que o padre os ajudou na adoção, o que me deixava estranhamente desconfiada da verdade e se isso poderia ser possível.

Pensei então comigo, ela desconfiava que seus avós estivessem fazendo algo errado e tudo indicava que já havia ligado esta atividade ao padre. Era um fato que ela parecia à vontade comigo, embora tivesse a mesma idade que ela, parecia que ela me reconhecia de algum lugar ela falou de meu trabalho e que viu meu nome no crachá de funcionário. Eu sabia que a conhecia de algum lugar e que não era da rua, então me lembrei dela passando em frente à minha casa, diversas vezes. Era claro para mim que ela morava por perto e que também me conhecia do bairro.

- Carol, posso te chamar assim? Me recordo de você passando em minha rua, você mora por perto, não é?

- Sim, eu o conheço de vista. Costumo fazer caminhadas pelas ruas do bairro.

- Sabia que lhe conhecia, mas não de onde.

- Na verdade nunca morei por aqui, sempre vinha de longe visitar meus avós.

Pensei que as coisas se complicariam, mas estava enganado, pelo que parece ela se mostrou bem interessada na conversa e em mim, a dúvida era saber se ela poderia estar blefando comigo, tudo indicava que não.

Voltei para casa e fui escutar música, algumas canções sempre me fazem refletir sobre a vida e seus acontecimentos.

Trocamos números de telefones e dias depois ela me ligou, para nos encontrarmos em um local mais afastado do centro. Fomos então a um parque no bairro Vila Nova. Conversamos e ficamos juntos, logo nossos beijos se transformaram em fogo, uma chama incapaz de se apagar, fomos a um motel e ficamos toda a tarde juntos, depois a convidei para jantar em minha casa, ela aceitou e passamos a noite juntos, estava começando talvez em meu coração quebrado, uma nova chance, uma nova vida. Deus queria que fosse assim e passamos muito tempo juntos. Sobre o assunto da família dela, ela nunca mais tocou nele, foi como se nunca existisse avo, avó crianças adotadas, tamanha a raiva e desapego dela pela família.

Perguntei de seus pais e ela desconversou dizendo que eles viviam na Europa na Sicília, uma região da Itália de grande importância história. Então percebi um leve sotaque italiano na voz doce dela.

Passou um mês de namoro e logo como ela morava de aluguel, começamos a morar juntos em sua casa. Não queria ninguém estranho bisbilhotando em minhas coisas.

Era segunda-feira, o dia mal nascia à lua vermelha estava rebeldemente insistindo em permanecer no céu quando fui trabalhar por volta das cinco e meia da manhã. Carol ficou em casa dormindo como sempre. Saí de casa na mesma hora como de costume e logo avistei uma pessoa que me chamou a atenção. Era um homem negro com mais de um metro e oitenta de altura. Ostentava roupas de marca e correntes de ouro ao lado de um carro cinza. Era um rosto conhecido para mim de um passado distante. Seu nome era Jamil.

Nos cumprimentamos contentes, pois havia muitos anos sem nos vermos, ele estava bem mudado e me convidou para uma carona até meu trabalho, como poderia recusar? Entrei então em seu carro, um Eco – Sport cinza, ele me contou que estava trabalhando em um ramo que eu não aprovaria, respondi a ele então que não ligava e que meu maior objetivo era viver em paz com meus fantasmas. Ele riu e não entendia, quis saber se eu ainda trabalhava no mesmo ramo e respondi que sim, foi nesta hora que ao dobrar a esquina da Rua Mônaco, um veículo com placas de Curitiba nos fechou, quatro homens saíram do veículo e passaram a atirar. Jamil saiu do carro atirando e eu me escondi atrás do veículo, com muita raiva daquele incomodo matinal.

Jamil me deu uma arma, não sei usar então apenas atirei de qualquer jeito, pensei que na pior das hipóteses mataria algum inocente, mas era cedo da manhã, ninguém estava na rua apenas os seis em um tiroteio estilo velho oeste. Os homens entraram no carro, pois viram sua tocaia frustrada. Um dos homens estava ferido e não conseguiu embarcar. Eu estava com raiva e Jamil queria sair logo, eu pedi que esperasse. Fui até o homem ferido e sem munições em sua arma. Ele agonizava com um tiro no peito, alguns na perna e abdome. Olhei em seus olhos e sua aparente coragem se transformou em medo ao me ver com olho entusiasmado. Jamil me puxou, então pedi que me deixasse fazer o que eu queria fazer, disse a Jamil que se não quisesse ficar que poderia ir embora, ele não foi e ficou ao meu lado observando.

- Você. Qual o seu nome?

- Chamam-me Pablo, sou o braço direito do Ferrinho.

- Você é um marginal sem pena, sabe que vai morrer não sabe?

- Se você tiver piedade pode me salvar.

- O que são estas cinco lágrimas tatuadas em seu rosto?

- Representam as cinco pessoas que eu já matei, por favor, me salve, não quero morrer.

- E quem foi que disse que quero te salvar.

- Por favor, eu não posso morrer assim no meio da rua, minha família não sabe o que faço.

Aquilo me arrepiou e me fez pensar, mas meu pensamento logo passou, ao me lembrar que eu poderia estar morto agora.

- Devia ter pensado nisso antes de atirar na gente, antes de mirar em mim.

- Por favor, não me deixa aqui morrendo.

- Não deixarei.

- Então me ajuda.

- Sim vou te ajudar Pablo. Você sabe rezar? Já falou com Deus hoje?

- Me ajuda pelo amor de Deus.

- Sim Pablo é isso que estou fazendo, vou te ajudar a não sentir mais dor, prometo que serei mais certeiro do que você com sua arma.

Ele chorou enquanto se engasgava com o sangue, via seus olhos de pânico. Ninguém havia passado ainda na rua, apesar de sentir a presença de pessoas com medo dentro de suas casas. Jamil me perguntou o que eu pretendia fazer, não respondi, estava cego de ódio, de mágoa, rancor do mundo bandido e daquele homem que tentou me matar, não sentia mais nada além de raiva, não via mais nada além do homem agonizando em minha frente e do brilho da camisa bege empossada com vermelho de seu sangue.

Não sentia cheiro algum além do medo e da voz trêmula dele sussurrando para que eu o ajudasse. Puxei minha adaga das costas e Jamil deu um passo para trás me chamando. Eu não conseguia escutá-lo, apenas podia escutar uma voz familiar dentro de mim que dizia para matar aquele homem. Destilei meu ódio na ponta da faca empunhada, perfurando o coração do agonizante Pablo, Jamil sorriu, ainda com cara de medo com a cena sombria que presenciava. Pablo não falou nada, apenas suspirou profundamente uma única e última vez, fechei seus olhos para que não se lembre de mim no inferno, para qual seria tragado pelo mais detestável demônio. Fiquei olhando e Jamil me puxou com força dizendo que precisávamos ir. Olhei em todas as direções para ver se alguém havia visto a cena, como não vi ninguém não seriam necessárias mais mortes. Entrei no carro de Jamil e ele acelerou como nunca. Pedi que me largasse umas duas quadras antes do trabalho, pois queria andar. Ele riu novamente com cara de assombro e disse que eu não podia ir a pé trabalhar, então lhe respondi:

- Sabe quantos já foram para o inferno pela minha faca? Muitos morreram em minhas mãos e nem homem, nem santo me puniu, ninguém me pegou ou suspeita de mim, você vê sangue em minha camiseta, vê punhal em minhas mãos, consegue perceber que eu sou a vida e a morte e que não há ninguém nesse mundo capaz de me deter?

Jamil acenou positivamente com a cabeça, ainda assustado com minha frieza e me deixou na esquina como eu pedi. Fez minha vontade com temor de morrer também. Logo que passou o dia Jamil e dois homens me procuraram no meu trabalho. Perguntei a ele se ele agora precisava de segurança. Um de seus capangas me puxou de lado e disse que era para eu falar com educação, que Jamil era membro de uma família muito poderosa que, atuava em todo o vale dos sinos. Olhei para Jamil que chamou a atenção do seu atirador.

- Você sabe quem ele é? Você deu sorte de ter chegado tão perto dele e não morrer seu burro, eu em toda a minha vida de crime nunca vi ninguém matar com a frieza e destreza com que ele matou Pablo. O punhal que ele carrega é afiado e certeiro. Eu o vi matando e se fosse você o largaria para não morrer.

- Duvido chefe que ele conseguisse.

- Digo-te Digão, que antes mesmo de você sacar sua arma, você estará morto.

O capanga Digão sorriu e pude ver uma gota gélida de suor escorrer em seu rosto medroso.

Após estas palavras, Jamil veio até perto de mim com sorriso largo e disse que eu havia salvado sua vida e que veio me trazer uma recompensa. Disse saber que preciso de dinheiro e que eu poderia comprar um carro com a recompensa dada. Minha necessidade me fez aceitar o dinheiro e sabia que não seria a última vez que eu o viria. Jamil deu seu número de telefone, caso fosse necessário e pegou o meu número para não perder o contato.

Os três viraram e se foram e eu continuei meu trabalho normalmente.

Eu nunca mais fui o mesmo, a obscuridade se tornou minha amiga, fui banhado em sangue e senti que a partir dali eu nunca mais seria o mesmo, sem objetivos, sozinho na escuridão de meu próprio ser. Obscuridade. Prazer em vê-la, velha amiga.

Deixo minha compaixão no pedaço do papel

Para que meu corpo não se arrependa

Deixando minha mente sempre atenta.

Para que minha alma suba ao céu.

Sinto deixá-la partir.

Sinto toda a loucura no corpo.

Sinto que a vida me deixa.

Sinto já estar morto.

Sinto que a mente me queima.

Pois de sorte vive a vida.

E de tempo vive a sorte.

E da vida vive a morte.

Pois, Forjada em sangue a adaga,

corta nervos, corta o corte.

Sei das oportunidades da vida.

Meu Deus, mais que vida é esta

que só me resta à morte!

Assim segui até outros alvoreceres, outros rostos cruzavam meu caminho e meu corpo rejeitava tudo, sentia a desconfiança dentro de mim, sabia que algo estava errado, essa voz adormecida em mim que sempre voltava a me atormentar. Não era eu, aquele homem que matava, não era eu, aquilo que se alimentava de sangue, me sentia como o próprio Nowonmai possuindo a culpa e distorcendo verdades para me blindar de algo maior que habita o meu ser.

Com Pablo, a contagem chegou a treze e eu não sentia meu viajante das trevas adormecer. Esse monstro que estou me tornando, nunca dorme.

Mal saltou em terra, veio-lhe ao

Encontro um homem dessa região,

Possuído de muitos demônios [...]

. Jesus perguntou-lhe:

Qual é o teu nome? Ele respondeu:

Legião!

Ubiratã Hanauer
Enviado por Ubiratã Hanauer em 12/03/2022
Reeditado em 12/04/2024
Código do texto: T7470867
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