O homem da face sombria - VICTOR! VOCÊ NÃO ESTÁ TÃO LONGE DE CASA

VICTOR! VOCÊ NÃO ESTÁ TÃO LONGE DE CASA.

As minhas lembranças queimam em minha mente, alimentadas pelo meu ódio e minhas memórias se alegram em saber que o mundo em que vivemos não é perfeito.

Já houve tempos em que o próprio inferno foi um local maravilhoso, o diabo sorria, mas até mesmo lá onde o mal habita com toda sua força, existem seres que andam contra o sistema, pessoas que se entregam definitivamente à maquiavélica e sórdida maldade que há no interior de cada ser.

Depois de muito tempo vi que meu passageiro sombrio sorria para mim diante do espelho, sussurrando ao pé de meu ouvido palavras de satisfação pessoal. Queria sair para brincar mais uma vez, mas suas brincadeiras nunca vinham acompanhadas de alegria e diversão e sim de uma sensação de ódio e prazer. Pessoalmente não posso deixá-lo sair para brincar, porém sua força é muito grande, suga minha alma que ainda insiste em habitar o meu ser, fere com suas garras meu coração e me arremete em um caminho sem volta, onde a única satisfação é a morte. Não há em toda a vida uma sensação igual. Ficamos perdidos e friamente nos encontramos abraçados em um emaranhado enredo de terror. Precisamos ser fortes e mesmo que o fim se aproxime, nunca enterrarão meu coração numa esquina de algum lugar comum. A mente fica quente e o calor de repente saí e se torna uma violenta e súbita ameaça contra todos aqueles que já ousaram cruzar o meu caminho. Em meio ao caos que vivemos existem pessoas como eu, que eliminam o mal que habita nas ruas escuras e podres de Novo Hamburgo.

Matar pessoas não me agrada, mas é necessário para o equilíbrio social e alguém como eu precisa fazer o serviço sujo.

Tudo ia bem naquela pacata e simples tarde de terça-feira, os passarinhos cantavam e a música que saía dos carros que transitavam era alta. As meninas se alvorotavam e floresciam e no floreio de cada uma nascia uma nova vagabunda, seus pais ficavam em casa enquanto elas matavam aula para ficar com homens mais velhos em troca de um punhado de drogas. Cheguei ao centro por volta das cinco e trinta, próximo do horário em que se encerra à maioria das aulas e fui atrás de um alvo em potencial.

Seu nome era Victor e isso era tudo o que eu sabia a seu respeito, não tinha muitas informações porque a pessoa que me falou sobre ele, era também sua ex-namorada e minha amiga íntima por assim dizer.

Deixei tudo que eu tinha para fazer e fui até a escola vinte e cinco de julho averiguar se haveria um motoqueiro de estatura média de cor branca rondando as redondezas, não foi difícil achá-lo, pois ele não era nenhum pouco cuidadoso em suas atitudes. Parei em uma parada de ônibus que há nos fundos da escola e fiquei atentamente observando aquele ser nojento, ridículo chamado Victor que oferecia a cada cinco minutos gentilmente carona em sua moto para alguma menina inocente.

Suas vítimas eram em geral meninas de doze a quinze anos e tenho que admitir, parecia por vezes ter uma idade bem acima disso devido aos seus físicos de mulheres, mas, entretanto, assim mesmo, elas eram meninas com seus pais ansiosos esperando para o jantar em suas casas humildes. Todos os ensinamentos de vida não servem de nada quando tem pessoas como Victor, que surrupia para si a inocência dessas meninas e usurpa suas virgindades. E se fosse algum anjinho mais novo, que naquela esquina mesma se divertem em uma escola maternal de nome pequenos anjinhos, onde as crianças brincam próximas as grades, que separavam a escolinha da calçada? Talvez Victor não se interessasse por aquele tipo de meninas, mas se houvesse rejeição por parte de suas vítimas seria fácil alimentar-se de uma menina de três ou quatro anos. Como um lobo ele espreitava um rebanho inteiro de jovens cordeiros e eu como um leão faminto e querendo defender os meus filhotes o monitorava de perto.

Morriam em seus braços as meninas e nasciam as mulheres carentes e assustadas de uma civilização maltratada pela desordem em que vive nosso governo, que não traz a nós jovens nenhuma segurança.

Tenho a consciência de que sou um monstro e me pergunto há anos, quantos de mim há por esse mundo neste exato momento, querendo cortar a garganta de muitas autoridades que não aprovam leis mais rigorosas para esse tipo de doente mental, sexualmente incapaz de ter uma relação com alguém que entenda o significado de prazer.

Sim! Isso me deixa profundamente enraivecido e porque não dizer consternado e psiquicamente abalado. Meu superego não permitiu que eu deixasse essa situação da forma que estava. Eu estava realmente disposto a dar um fim nessa situação. Pensei em dar a Victor o fim que merecia de forma rápida, mas isso não seria doloroso o suficiente. Ele deve sentir a dor dos pais de suas vítimas e a angústia da juventude perdida de várias meninas que ele violentou.

O primeiro passo será descobrir onde ele mora, sei que mora no bairro Pátria Nova, mas onde eu ainda não sei. Terei que descobrir ainda, no entanto isso não será o meu maior problema. O meu maior obstáculo irá ser sua namorada que dizem que está quase casada com ele e que dificilmente não o visitava em sua residência.

Diariamente no mesmo horário e por longos cinco dias, eu o observei atrás da escola e foi aí que no último dia o vi convencer uma menina a ir de carona para casa. Aquilo foi o que faltava em mim, para que meu viajante das trevas explodisse em desprezo pela vida daquele imundo.

No outro dia encontrei sua ex-namorada tomando café nas bancas. Eu ainda estava vindo para o trabalho, mas não pude deixar de parar e cumprimentar minha amiga. Aquelas alturas meu interesse por ela era simplesmente querer saber onde mora Victor, minha futura vítima.

Falei com ela por alguns minutos, pois estava atrasado e não consegui nenhuma informação válida. Andei até meu serviço bem tranquilo para não alterar a pressão e trabalhei minha jornada com calma. Saí por volta das cinco e fui mais uma vez ver meu amigo Victor, que nesse dia estava um pouco ansioso, pois era dia de visita da sua namorada. Decidi que lhe seguiria e peguei um táxi. Identifiquei-me ao taxista como se fosse da inteligência da polícia civil e que eu estava investigando Victor por pedofilia. É claro que isso era uma meia mentira ou uma mentira por omissão, pois não estava mentindo totalmente.

Seguimos Victor até uma rua estreita na Avenida Bento Gonçalves, e lá pude ver sua casa e sua namorada que já estava lhe esperando. Ela era magra, alta e tinha um cabelo longo e dourado, bonita e elegante vestia-se bem como se fosse uma executiva ou uma atendente bancária. Fiquei esperando que entrassem em casa, paguei o taxista trouxa e desci a rua em direção à casa de Victor.

Pude observar que sua casa era a última de uma rua sem saída em que os fundos davam para um matagal, onde pessoas drogadas e foragidos usavam como ambiente social para alimentar seus vícios.

Faço aqui uma observação a vocês meus amigos leitores, não passem por ali se não forem criminosos, pois tudo indica que nada naquela rua sem saída de apenas dois postes de luz é verdadeiro e honesto.

Fiquei por perto do matagal olhando a casa de Victor por uns dez minutos, tempo suficiente para criar mais repulsa ao lugar e aquela atmosfera hostil e miserável em que viviam aquelas pessoas do beco.

A casa de Victor não tinha vizinhos de imediato ao seu lado, era cercada pelo mato mantido sempre alto como se nunca tivesse sido mexido, havia duas janelas na frente onde uma parecia ser a cozinha e a outra uma espécie de sala. Quando me embrenhei no mato fingindo ser um daqueles viciados pude ver os fundos da propriedade com uma porta e um pequeno pátio gramado com a grama por fazer, é claro que estaria por cortar a grama uma vez que ele quase não estava em casa durante o dia. Observei que havia ainda uma janela nos fundos que indicava ser o quarto dele apenas pela movimentação e os gemidos. Achei aquilo nojento ele fingindo que gostava da namorada e fazendo sexo com ela pensando nas estudantes inocentes que ele seduzia, com o seu caráter sujo como o de um porco gordo pronto para ser abatido.

Saí daquela atmosfera pesada em que existia no beco e cruzei o mato para a outra quadra que dava a uma rua quase deserta de casas, onde eu poderia usar como saída e voltei para o centro com o intuito de pegar o ônibus e retornar para meu humilde lar.

Preciso estar sempre me movendo para não atrair a atenção de pessoas e da polícia. Na ocasião em especial não pude deixar de notar que na rua em que saí, todas as casas estavam fechadas.

Cheguei ao centro e peguei tranquilamente meu ônibus e retornei para minha casa, assisti a um filme na televisão e adormeci. No outro dia quando acordei senti o dia tenso e não sabia, mas aquele dia me reservava um encontro inesperado.

Tomei meu café e me vesti e fui a pé para o trabalho, gosto de andar, assim posso observar o movimento das pessoas, olhar no fundo dos seus olhos e tentar imaginar seus pensamentos e sentimentos. Podia assim admirar suas preocupações, sentir suas magoas e rir com suas angústias apenas através desse olhar. Sabe existe alguém dentro de nós que nos diz o que sentir, por onde andar e que nos acalma em toda a manhã e nos atira em apenas um segundo num precipício de ilusões onde vive nossos sentidos e nossa razão. Por mais irracional que sejamos, em alguma parte de nossa vida, lá está ela a qual muitos chamam de consciência, eu apenas a chamo de remorso.

As pessoas não fazem aquilo o que pensam, fazem o que tem vontade de fazer e então elas se arrependem, isso é o mais puro remorso, se não elas seriam como eu, um ser imaculado por um viajante das trevas submerso em uma escuridão sem fim.

Uma acidental colisão de pensamentos estava em minha mente agora enquanto eu andava, sentia um frio na espinha dorsal como se todas as almas dos meus assassinados estivessem ao meu lado. Sentia que todo o peso do mundo estava em minhas costas e eu apenas podia andar pelas ruas estreitas e cheias de buracos que logo daria lugar a um belo aéreo metrô, sem saber ao certo se o que fazia para eu ser uma pessoa melhor estava funcionando.

Juliana me ligou exatamente às nove da manhã como ela sempre ligava para saber se tudo estava bem, sabe ela é muito preocupada comigo, ela é sensível e se tem uma pessoa nesse mundo que pode acalmar meu lado sombrio era ela. Se todos os psicopatas são frios, calculistas inescrupulosos, transgressores de regras sociais e absolutamente livres de constrangimentos ou julgamentos morais internos eu não me sinto um predador social. Eu sou apenas uma vítima de um sistema ultrapassado em que vive um povo sofrido com um olhar distante tão longínquo que parece não perceber que, cada dia se torna mais dependente desse sistema falho e traiçoeiro em que habitamos chamado vergonhosamente de sociedade.

Infelizmente para eu adquirir a paz interior devo matar Juliana. Era ela e apenas ela que me deixava em dúvidas sobre minha existência.

Era manhã de quinta-feira e ela havia dormido comigo aquela noite. Decidi matá-la naquele dia. Devia ser uma morte rápida e sem dor. Conhecia a fórmula e daria veneno a ela. O veneno entraria em sua corrente sanguínea e pararia seus órgãos. Tomamos café normalmente e enquanto ela ia ao banheiro, coloquei rapidamente o veneno de rato em seu café. Ela sentiu um leve desconforto em seu estomago. Já era o veneno agindo, ela saiu com pressa para trabalhar. Nunca mais a vi. Sei que morreu e que disseram ter sido morte súbita. Não fui ao seu velório. Não conhecia sua família que restou, nunca vi seus tios que dizem ter levado o corpo para ser velado em Minas. Nunca fizeram um exame detalhado. Nunca souberam do veneno.

Não sou um psicopata como Suzana Von Richthofen que matou os pais e foi para um motel com o namorado e o irmão dele ou como Guilherme de Pádua Thomaz que matou Daniella Perez apenas por uma ambição egocêntrica e uma megalomaníaca sede de poder e sucesso no qual vivia. Eu sou uma pessoa normal querendo ver o lugar onde vivo seguro de pessoas que fazem o mal, quando o mal acabar eu descansarei ao lado de Juliana, enquanto isso não acontece, cheguei a meu trabalho e fui surpreendido por Victor querendo comprar vários CDs virgens. Era obvio que ele queria os CDs para aumentar sua coleção de artigos pedófilos e aquilo aumentou mais ainda minha vontade de matá-lo.

Saí por volta das cinco e dez da tarde e fui pegar meu ônibus na parada da escola estadual vinte e cinco de julho a fim de surpreendê-lo novamente comprovando de vez que ele merecia morrer dolorosamente.

Droga! Pensei, acho que o perdi, algo havia dado errado, pois eu havia chegado à mesma hora de sempre e Victor era fiel, pegava meninas diferentes, mas sempre no mesmo horário, decidi esperar pelo anoitecer e ir até a sua casa.

Fui para casa e saí por volta das nove. Fui direto para a Rua Corte Real onde vivia Victor. Cheguei por volta das dez e me embrenhei no mato aos fundos de sua casa escondido dos vagabundos.

Eu vestia roupas pretas, estava com uma faca gourmet de cabo branco, uma touca, usava luvas descartáveis nas mãos e uma máscara facial preta para esconder meu rosto.

Havia algo estranho que eu não havia percebido ou que não estava realmente no lugar onde deveria. A porta dos fundos nunca ficava aberta e lá estava ela arregaçada, escancarada para quem quisesse entrar. Fiquei na espreita por mais alguns minutos e como não vi nenhuma movimentação resolvi entrar.

Entrei numa espécie de cozinha e calmamente puxei a faca que eu usaria para aterrorizá-lo e acabar de vez com sua miserável vida, mas estava tudo muito quieto. Entrei então num corredor que dava para uma sala de jantar e escutei a voz de alguém chorando, era a namorada de Victor, eu entrei repentinamente a mandando que me deitasse no chão. Aquilo podia estragar todos os meus planos, mas afinal onde estava Victor, com todo aquele barulho e a choradeira de sua namorada deveria fazê-lo aparecer. Peguei-a pelos cabelos e com a faca em sua garganta, perguntei onde estava Victor, aos prantos e quase sem fala me disse que ele estava no quarto, então puxei ela junto comigo e entrei no quarto. Realmente Victor estava lá, desacordado, mas estava lá, jogado no chão em frente ao computador. Aquela vadia desgraçada havia flagrado ele olhando os CDs de pedofilia dele e deu uma pancada com um vaso de flores nele, ela quase o matou. Victor estava se mexendo, tentando se levantar. Fui até ele rapidamente, subi em suas costas, peguei ele em seu queixo e levantei sua cabeça o degolado de orelha a orelha. Seu sangue jorrou e ele se afogou em sua própria possa de sangue.

Meu maior problema agora era ela, eu pela primeira vez estava sem saída e precisava pensar depressa, era obvio que eu a mataria, mas como? Comecei a apertar seu pescoço com um mata leão falando para ela o quanto sentia nojo do namorado morto dela por causa daquelas atrocidades que ele fazia com todas aquelas meninas inocentes.

Ela não podia falar por causa do sufocamento e agonizou até desmaiar. Amarrei-a na mesa da sala de jantar de modo que suas mãos e pernas ficassem abertas como uma estrela. Depois fui até a garagem e peguei a gasolina da moto de Victor. O que fazemos no mundo não importa o importante é aquilo que podemos induzir as pessoas a acreditar que realizamos e àquela altura meu plano era matá-la amarrada na cama e atear fogo na casa, mas eu ainda teria que causar certo terror nela pela afronta de atrapalhar meus planos com Victor.

Voltei para a sala de jantar e acordei-a jogando gasolina na cara dela.

- Acorda vagabunda, gringa desgraçada, me fala porque você estava aqui?

- Por favor, moço não me mata.

- Cala a sua boca, você estragou os meus planos. E vê se não grita, detesto mulheres escandalosas.

- Moço me deixe ir eu juro que não vou falar nada sobre você, leva o que quiser daqui não é nada meu mesmo, depois eu sumo e cada um vai para um lado.

Pequei a gasolina e atirei na cara dela de novo falando:

- Qual a parte de calar a boca que você não entendeu? Hein? Como é o seu nome?

- Sara.

- Muito bem Sara, é o seguinte, eu não sou ladrão, não sou policial, nem ao menos um viciado, eu sequer dei uma tragada num cigarro, eu sou uma pessoa que clama por justiça, sabe, você atrapalhou-me no meu plano de matar Victor.

- Mas por que você queria matá-lo? Eu não entendo. E eu o que fiz para você, por favor, moço não me mata.

- Se você não tivesse aparecido aqui hoje talvez não morresse, talvez nunca tivesse me conhecido. Sabe Sara, realmente é uma pena, o modo como você o flagrou diante do computador com a pedofilia e como você o acertou com violência na cabeça, foi impressionante, você deveria estar com muita raiva não? E aí o que deu de errado, você descobriu que ele era um pedófilo maldito? Acho que já sei, descobriu que ele a traía com as meninas que ele filmava e depois de pegá-lo em flagrante assistindo os filmes no computador brigou com ele e no meio da discussão acertou ele pelas costas.

- Como você soube?

- Hora minha cara! Parece-me óbvio que ele não esperava pelo golpe, e a forma como foi feito. Posso deduzir que você depois de discutir com ele, viu que ele tentava apagar os vídeos do computador, foi até a cozinha e retornou para o quarto com mais raiva empunhada do vaso de flores e desferiu um golpe com muita força na nuca dele, o que fez com que Victor desmaiasse

Mas não chore, logo o encontrará no inferno que é para onde você deve ir.

- Não. – Ela gritou.

Coloquei uma amordaça para que ela não gritasse mais e voltei ao diálogo.

- Não dificulte as coisas Sara. Tudo está acabando. Era para ser ele ao invés de você, no entanto tinha que estragar tudo, eu tinha tantos planos para Victor. Eu me embrenhei no mato, estudei a rotina da casa, me preocupei com você, esperei um dia em que você nunca vem e o que aconteceu? Você veio sua vaca estúpida. Então você merece morrer, eu sou a morte e a ressurreição, Sara! Eu mato e ressuscito, firo e eu mesmo curo, e não há Deus nenhum ao meu lado. Eu estive entre os mortos e as valas do vale dos suicidas, o inferno esfria e o diabo temerá a minha presença quando eu morrer.

Retirei a sua mordaça para ouvi-la gritar pela última vez, mas ela não o fez, ela apenas sussurrou algumas palavras.

- Não! Por favor, não, eu não quero morrer.

Depois de me implorar pela vida eu fui enfiando vagarosamente a lâmina afiada em seu coração, seus gritos me encheram de prazer e eu podia sentir as artérias sendo cortadas e o sangue quente escorria manchando sua camisa branca de vermelho.

Preocupei-me em não me sujar com o sangue dela. Desamarrei-a e a arrastei segurando-a pelos pés levando-a até a cama. Coloquei Victor ao lado dela e pus gasolina no abajur e encharquei a cama do casal. Ateei fogo no quarto e antes de sair liguei o gás que vazaria até que o calor chegasse à cozinha e explodisse tudo. Com sorte algum bombeiro morreria.

Saí por onde entrei e sem vizinhos os corpos estariam carbonizados antes mesmo de alguém perceber o fogo. Atravessei o mato e quando cheguei à rua a casa explodiu e com ela toda a história que ali ocorreu.

Atravessei a rua escondido dos mendigos que devoravam pedras de craque e fui até a Avenida 1° de março, onde liguei e esperei por um táxi que me levou para casa.

O legal dessa história foi no outro dia em que tudo estava nas manchetes dos jornais e noticiários locais, diziam que os bombeiros levaram uma hora para controlar o fogo e as possíveis causas do fogo seriam um curto-circuito no abajur. Achei muita graça.

Victor era um covarde e os covardes morrem todos os dias mesmo estando vivos enquanto os corajosos como eu e a Sara morrem apenas uma vez e se apagam em sua própria história e para isso elas devem ser lembradas, nada nesta vida tem sentido, o crime é um fato tão antigo quanto o ser humano, e sempre impressionou a humanidade. Dos crimes contra a pessoa, o homicídio é um dos que se apresenta de maneira mais preocupante perante os indivíduos.

Dentre todos os milhões de casos de crimes horrendos cometidos através dos séculos, existem aqueles que parecem ter vida própria. Apesar da passagem dos anos, eles continuam a manter seu fascínio sobre a imaginação coletiva e a despertar o medo de todos.

Por alguma razão, cada um desses casos toca em algo nas profundezas da condição humana, talvez devido às personalidades envolvidas, à insensatez da corrupção criminal, ao persistente incômodo da dúvida sobre uma justiça que não se fez ou ao desapontamento de se saber que ninguém foi considerado culpado.

De qualquer forma, os casos permanecem como mistério e deixam todos perplexos, ferindo no fundo os indivíduos em suas considerações sobre eles próprios como seres humanos e sobre suas relações sociais.

No centro do mundo misterioso e instigante do homicida serial, é encontrada a agressividade hostil, destrutiva e sádica, que se alimenta de profundos sentimentos ambivalentes, mórbidos, obsessivos, cujo alvo, no final das contas, é o próprio e absoluto ser.

Desde esse dia fiz uma única promessa, a de me tornar uma pessoa melhor inconscientemente não afetada e a decair em possas de sangue, nunca mais me veriam pela noite a caçar. Nunca mais.

Na contagem perigosa da purificação social já contabilizava seis mortes. Meu viajante das trevas estava satisfeito e eu confuso com os sentimentos que afloraram em meu mais profundo íntimo. Seriam eles a caça e eu o caçador? Ou seria eu apenas um instrumento do puro mal. Um monstro emergindo na mácula do meu próprio ser.

Ubiratã Hanauer
Enviado por Ubiratã Hanauer em 10/03/2022
Reeditado em 12/04/2024
Código do texto: T7469613
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