O homem da face sombria - TUDO DESDE O PRINCÍPIO E ATÉ O FIM SEM GLÓRIA

TUDO DESDE O PRINCÍPIO E ATÉ O FIM SEM GLÓRIA.

Somos maus, arrogantemente insuportáveis e não importa o quanto vocês tentem mudar esta imagem, vocês serão sempre ruins e sabem por quê? Porque nascemos maus e temos o coração altamente destrutivo capaz de arruinar a vida do próximo.

Lembro-me de quando ainda era jovem, tentando alimentar meu vício investigativo. Era uma sexta-feira e fazia sol, a tarde estava propícia para uma caminhada e os vagabundos andavam soltos pelas ruas da cidade, cada qual no seu seleto grupo de indigentes delinquentes. As mães nem choravam mais a perda de seus filhos, porque já sabiam o destino que os esperavam.

A tarde se iniciava no auge do verão, com seus trinta e quatro graus e cansado de suar parei em um pequeno bar do centro da cidade para me refrescar com uma deliciosa e sódica coca cola. Foi aí que eu a vi, linda com suas madeixas loiras levemente encaracoladas. Seu sorriso doce era cativado pela beleza estonteante de seus olhos azuis porcelana que me deixou paralisado. Meu coração acelerou, como nunca havia acelerado e eu não podia parar de olhá-la, estava eu atônito e sem reações, queria poder dizer algo para aquela linda mulher a minha frente, mas foi ela que veio até mim:

- Posso ajudá-lo?

- Desculpe-me observava você, pois me encantei com seu sorriso.

- Achei que era por causa de minhas pernas.

- Isso foi à terceira coisa que me cativou.

- E a segunda. – Perguntou-me ela com ar malicioso.

- Foram seus olhos.

- Meus olhos? E por quê?

- Porque quando me olhou vi que havia me apaixonado antes mesmo de escutar sua voz, antes de entrar por aquela porta e até talvez antes de nascer.

- Essa foi sua melhor cantada?

Tomei meu último gole de refrigerante e disse:

- Foi o melhor que pude inventar no momento. – Depois disso, nós dois demos boas risadas e trocamos números de telefone para nos conhecermos melhor.

Fomos cada um para sua casa e depois de alguns dias eu liguei para ela e a convidei para sair, ela disse sim e desde aquele dia passamos a nos dar muito bem.

Éramos muito unidos e logo estávamos engatados em um namoro firme como rocha e estávamos muito felizes juntos. Nada impedia nosso amor, nada nos causava ciúmes um ao outro, nada nos deixava triste e nada sobre hipótese alguma podia nos separar, exceto, seu pai e sua mãe que depois de termos completado dois meses de namoro, mudaram-se para Belo Horizonte para casa de seus avós paternos.

Vi minha vida acabar naquele instante e sabia que precisava fazer algo, isso não podia ficar assim, já estava com dezoito anos e nunca me abandonaram, hoje percebo que isso é normal, mas naquela época para mim era o fim. Os pais dela eram pessoas muito más, arrogantes e contra nosso namoro. O ódio era recíproco, ao passo da maldade que emanava deles.

Foram noites de desespero e muitas lágrimas derramadas, os dias passavam devagar e tudo lembrava ela. Eu ainda podia ligar para ela, mas seus pais logo a proibiram de atender, ligar ou retornar meus telefonemas.

Disseram a ela em nossa última conversa, que eu era um louco, que eu nunca a veria outra vez, porque eu não a amava de verdade. Ela era a luz e eu a escuridão e em trevas eu penetrei em busca de solução.

Eu nunca desisto de nada, e pessoas como os pais dela não deveriam viver, mas como me aproximar de Juliana novamente se ela está tão longe de meu alcance quanto às estrelas? Talvez eu pudesse ir até onde ela mora. A arrancaria de casa, me casaria e sumiria para um estado onde ninguém nos achássemos.

Pensei em algo que resolveria meu problema, eu teria que reencontrá-la, mas para isso ela deveria retornar para Novo Hamburgo e aí estava o problema, como faria isso já que ela foi obrigada a mudar de telefone e não podia usar internet.

O destino é um grande gozador e zomba a toda hora de nossa vida, colocando obstáculos e tirando pedras de nossos caminhos. Achava que estava vivendo meu castigo eterno, queria esquecer tudo, até que alguns meses depois eu recebo uma notícia animadora de uma de suas antigas amigas.

O seu irmão que havia ficado em Novo Hamburgo, havia se acidentado e estava entre a vida e a morte no hospital geral e ela e seus pais viriam visitá-lo.

Isso foi uma ótima e oportuna chance de revê-la e eu iria ficar de campana ao lado de sua casa, até poder revê-la novamente.

Passou-se dois dias e eis que finalmente em um sábado à tarde, ao passarem frente a sua antiga casa, lá estava ela de volta de onde nunca deveria ter saído. Aquela humilde e pequena casa estava novamente com vida e meu coração sentia que era hora de me aproximar novamente de meu único amor.

Na manhã de domingo saí bem cedo para vê-la e conversar com ela. Pude ver quando de dentro de sua antiga casa ela me olhou, me lançou seu lindo sorriso e fez sinal com a mão para mim espera-la.

Esperei por dez minutos e eis que ela lindamente saiu como se fosse uma princesa, conversamos muito e nos entendemos voltamos a nos amar e inclusive fui com ela no hospital à tarde para ver seu irmão.

Ainda lembro do quarto dez da UTI do hospital geral, ficamos eu e ela abraçados como antigamente ao lado da cama de seu irmão e ela chorou muito em meus ombros. Depois de alguns dias em Novo Hamburgo seus pais decidiram partir e eu queria ir junto com ela. Estava disposto inclusive a abandonar minha própria família para partir em busca da nossa felicidade, mas ela disse que seus pais a matariam e que daria um jeito de me ligar às escondidas, para matar a saudade e que assim que ela fosse maior de vinte e um anos, nada a impediria de retornar para os meus braços.

Sabia que ela me amava e então às escuras me despedi novamente de Juliana, que partiu prometendo voltar, no entanto, infelizmente para nossa infelicidade outra vez seus pais a proibiram de falar comigo, ao ver no telefone dela minhas mensagens de texto com juras de amor eterno.

Foi então que meu instinto floresceu, em todos há um psicopata homicida adormecido, um viajante das trevas pronto para embarcar num trem fantasma, sem rumo para o inferno. No entanto em poucos isso é aflorado. No meu caso isso sempre esteve em meu íntimo mais superficial e eu me sentia especial, pois sabia da frieza que tinha. Em meu impulso pela felicidade resolvi que iria matar o irmão dela. É uma coisa muito lógica de se pensar, se ele se acidentou e vieram de Belo Horizonte enterrá-lo, então viriam para seu velório. E quando eles estivessem aqui, mataria seus pais e sumiria com seus corpos de forma que parecesse um abandono e assim ficaríamos juntos sem ninguém para nos atrapalhar.

Seu irmão ainda estava em coma, e ficou sobre a tutela de sua esposa. Fui até lá com minha fatiota e um crachá falso de médico. Adentrei ao quarto dez por volta das oito da manhã, fui cedo, pois não há muitos médicos neste horário e as enfermeiras estavam mais preocupadas em fazer intrigas do que se importar com quem acessava os quartos.

Usando luvas descartáveis, desliguei os aparelhos que o mantinham vivo até aquele momento, sem ninguém perceber que eu havia entrado e quando constatei sua morte religuei os aparelhos. Saí do hospital como se nada tivesse acontecido e fui para casa. Algumas horas depois, fui conversar com uma de suas antigas amigas que tinha contato com a esposa do irmão de Juliana.

Perguntei como se estivesse curioso e preocupado com o estado de saúde dele, obviamente eu não me surpreendi quando ela me respondeu que ele estava morto. Passei assim a vigiar a velha residência dela até que Juliana novamente chegasse com sua família. Quando ela desceu do táxi e me viu, veio como eu previa, correndo para os meus braços em prantos. Seus pais me fitaram com olhar ameaçador e claro fingi não me importar, até porque antes mesmo deles enterrarem seu filho, estariam falando com ele no outro plano.

Dei todo o apoio a eles naquela noite e me despedi, mas não fui embora, sabia que seu pai iria sair logo para pegar um táxi e ir até o hospital, pois o corpo de Pedro, irmão de Juliana, já estava liberado para ser velado na capela em frente ao hospital.

Ela e sua mãe estavam dentro de casa enquanto seu pai saiu logo após a eu ter saído. Como era minha intenção ata-los levei um fio de náilon e uma pequena faca. Vesti luvas de couro e antes que o táxi dele chegasse usei o fio de náilon para estrangulá-lo atrás de uma árvore na esquina da Rua Miranda ao lado de um centro de tradições gaúchas. Esse centro ficava com os fundos voltados para minha casa. Naquela época eu já morava sozinho, arrastei seu corpo até em casa, o guardei em um saco de lixo preto e voltei para a casa dela, esperei o momento oportuno para pegar a sua mãe, mas a velha não saiu de casa e fui dar jeito no corpo do velho. Enterrar nos fundos da minha casa era óbvio e pouco inteligente, pois deveria ser um desaparecimento e não homicídio.

Coloquei por volta das duas da manhã o corpo no porta-malas de um carro antigo na esquina de casa. Era fácil roubá-lo. Era um Chevette de cor preta ano 68 com os vidros de filme negro.

Levei o corpo até o cemitério do bairro Rondônia. Usei a cova onde o Pedro seria enterrado que estava aberta e cavei mais um pouco. Enterrei o corpo do velho e abandonei o carro em frente a um beco próximo ao Supermercado Rissul. Voltei para casa de taxi. Chegando a minha casa tomei um banho e coloquei meu DVD do Bob Dylan para relaxar e fui dormir.

Pela manhã fui até o velório ficar com a Juliana e dar os pêsames a família, o porco imundo do pai não apareceu e todos estavam aflitos pelo não comparecimento. A mãe de Juliana dizia a toda hora que perdeu o filho e que se perdesse o marido se mataria, pois não teria mais sentido a sua vida. Naquele momento o caixão foi fechado e as lágrimas tomaram conta da capela, Pedro havia sido sepultado em uma cova de concreto e cimentado, logo seria posto uma lápide de mármore onde descansa também o pai de Juliana.

Agora só faltava consumir com a dona Fernanda, mãe de Juliana que já havia caído em depressão pela morte do irmão e pelo sumiço de seu pai.

Na manhã do dia seguinte ouvi Fernanda, aquela velha bruxa do mal, dizendo que iria voltar com Juliana para Belo Horizonte, bem na minha frente. Era nítida a maldade dela com Juliana e isso fez com que eu me adiantasse nos meus planos de liquidar com a velha.

Naquela noite, marquei de sair para mais uma despedida com Juliana, no entanto antes daria uma passadinha na casa dela quando só estivesse sua mãe, é claro.

Novamente vesti minhas luvas negras e entrei na casa de Juliana por volta das dez da noite, meia hora antes de nosso encontro no centro da cidade. Ardilosamente me movimentei às escuras, da garagem da casa eu fui até a cozinha, com uma corda que existia no corredor entre as duas peças. Calmamente acessei o quarto de Fernanda que estava recém indo para cama, quando ela me viu me perguntou o que eu estava fazendo e eu a respondi simplesmente, tentando ficar feliz, enrolei a corda no pescoço da velha, que se engasgou até a morte sem tirar o olhar de meus lábios sorridentes.

Usei a própria corda que a matei para pendurá-la na árvore dos fundos de seu pátio.

Saí a passos largos pelo pátio e me certifiquei que não havia ninguém pela rua e então saí apressadamente pela viela escura até a Avenida Miranda.

Peguei um moto táxi e fui me encontrar com Juliana, nós nos divertimos e ficamos juntos por longas horas, de madrugada quando ela chegou a sua casa se deparou com a cena da mãe dependurada na árvore. A perícia foi chamada e coletou amostras de sangue, fez exame subungueal, mas como a vítima não apresentava nenhum sinal de luta e tendo em vista que Juliana falara aos policiais de que ela queria cometer suicídio devido à morte de Pedro, constataram que sua morte foi por suicídio.

Agora, depois de algum tempo, eu e Juliana estamos juntos e felizes e pensamos em filhos, mas será que é seguro ter um filho onde no futuro adquira a mesma tendência que a minha, será que ele conseguirá sobreviver no inferno ou se tornará o próprio demônio, será que nós seres humanos, somos todos iguais? Será que ele assim como eu se tornará uma aberração? Um monstro sem escrúpulos e sem piedade, indigno de compaixão, onde os únicos sentimentos que consegue expressar é a raiva, a arrogância e a melancólica e solitária culpa de carregar em silêncio, aquilo que ele sempre foi e sempre será, um médico dividindo com seu monstro interior a essência e o poder de dizer quem deve ou não morrer. Ser apenas ele mesmo e não ter vergonha assim como eu de não esconder a aberração que sou? Com as palavras sucumbirá ao abismo sem glória e verá diante de si o verdadeiro sentimento de culpa e repulsa, ao lado do diabo sentará e sorrirá por cada ato indigno de seu filho corrupto e cruel assassino. Bom isso será assunto para o futuro e esta história assim como as vidas deixadas para trás, acaba aqui.

Ubiratã Hanauer
Enviado por Ubiratã Hanauer em 10/03/2022
Reeditado em 12/04/2024
Código do texto: T7469473
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