AQUELA TARDE

Tudo começou numa tarde chuvosa; uma tarde chuvosa como qualquer outra. Estava em casa respirando solidão olhando para minhas únicas companhias, a minha velha e leal televisão e os meus amados livros que, na verdade, pareciam estar dormindo, e eu não tinha condição e nem vontade de acordá-los.

Resolvi sair, ver pessoas. Ansiava por algo novo que me despertasse para a vida, arrumei-me toda, coloquei minha capa de chuva e saí. Na virada da esquina, olhei para trás e pensei em voltar, era loucura sair debaixo daquele temporal. No entanto lembrei que o monstro da solidão devorar-me-ia se voltasse e prossegui a passos lentos.

Escutei alguém chamando por mim, dobrei e vi um rapaz, não o reconheci de imediato, porém tinha certeza de conhecê-lo, o moço sorriu e disse:

- não acredito que te vi novamente

Ele falava olhando para os meus olhos, seu olhar demonstrava tanta felicidade em me ver, que me sentia envergonhada em não reconhece-lo.

Retribui o sorriso e resolvi perguntar o seu nome:

- tenho uma péssima memória. Desculpe-me, qual o seu nome mesmo?

- pôxa! Não lembras mais deste velho amigo?

Ao dizer essas palavras, fez um gesto que me ajudou reconhece-lo, fiquei tão contente que só consegui murmurar:

- é você Leandro?

- até que enfim – falou ao me abraçar.

Naquele momento a solidão que ainda insistia em fazer morada dentro de mim, desapareceu. Leandro era meu melhor amigo de adolescência, porém não tinha contato com ele desde que mudara da cidade onde morávamos. Passados alguns anos mudei também, mas nunca havíamos nos reencontrado.

A chuva começava a parar, Leandro estava de carro, havia parado em uma loja quando me viu. Perguntou se eu queria dar uma volta, aceitei. Enquanto o carro corria, contávamos as novidades, contei que me mudara há seis anos, falei do meu emprego, da saudade dos meus pais, das visitas que fazia a eles. Leandro falou da doença da mãe, da filha que tinha com uma antiga namorada. Enfim conversamos vários assuntos.

Paramos em frente a um cinema. Concordamos em entrar para ver “um filme” não importava qual. O filme era romântico e nos envolveu, acabamos nos beijando no final como o casal da trama. Ficamos embaraçados, o beijo foi um ato de impulso, contudo não podíamos negar a enorme atração que ele nos provocou.

Voltamos para o carro, agora não falávamos como antes, o beijo nos calou. Resolvi quebrar o silêncio, respirei fundo, tomei coragem e perguntei:

- aonde vamos?

- pra balada!

- quê?

Ele sorriu e tocou minhas mãos, estava iniciando a noite e agora parecia que tudo voltava o normal entre nós. Leandro colocou uma música agitada e perguntou se eu gostava, respondi que sim; a verdade era que as minhas sempre foram as românticas, porém não quis contrariá-lo, aquela noite procurava fugir da monotonia da minha vida.

Fomos a uma danceteria, nunca antes tinha dançado. Leandro, por outro lado, parecia um dançarino nato e teve a paciência de me ensinar alguns passos. Dançamos muito, acabamos a noite olhando as estrelas na sacada do apartamento dele.

A partir daquela noite começamos a namorar. Casamos seis meses depois.

Continuamos juntos até hoje. Mudei de emprego, agora faço o que realmente gosto: escrever livros. Leandro é jornalista, o trabalho exige que ele viaje algumas vezes, essas pequenas separações nos deixam mais apaixonados em cada reencontro.

Gostamos de saí para nos divertir. Às vezes vamos visitar os meus pais que, aliás, ganharam um bom prêmio na loteria (treze milhões) e investiram em criação de gado. Viajamos em família; sim, família, a filha dele mora conosco e além dela já temos três filhos: dois meninos e uma menina que é a caçula e é com ela e por ela que acabo este relato, pois terminou de acordar e está exigindo o colo materno.