Pode Ser Único e Nunca Mais se Repetir

As chances e oportunidades que a vida nos apresenta podem ser únicas e nunca mais se repetir. Podem ser exclusivas àquele momento, quando éramos quem éramos e vivíamos o tempo que vivíamos, quando a época era outra e o que fazia sentido naquele momento pode não fazer sentido em outro. Daí a importância de nós, enquanto jovens ainda, com tanto a viver, atentarmo-nos ao que nos é oferecido. Porque pode ser único e nunca mais se repetir.

Eu era jovem. Uma moça sonhadora, embora procurasse manter meus sonhos sob uma perspectiva confortável: eu me permitia sonhar, mas me cobrava a ser a mais realista possível em meus sonhos. E também era apaixonada. Hoje as pessoas apaixonadas costumam colocar dizeres na internet, enchem nossos feeds com publicações românticas e lotam a caixa de mensagem de seus amados com frases e mais frases. Mas no tempo da minha juventude as coisas eram diferentes, bastante diferentes, em aspectos que os mais jovens nem podem imaginar. A gente escrevia com lápis e papel o que nosso coração sentia.

As últimas páginas dos meus cadernos de escola eram cheios de declarações de amor. É claro que eu cuidava muito bem deles para que aqueles segredos não acabassem em mãos erradas. Mas era a forma que eu, bem como minhas amigas, encontrávamos para que nossos sentimentos fossem manifestos de algum modo e acalmassem nossos corações ansiosos. Era tão bobo o que fazíamos. Desenhávamos corações tortuosos apenas para colocar dentro deles as iniciais dos nossos nomes e dos nomes de quem estávamos paquerando. Eu sorria fazendo aquilo. Achava divertido, sentia aquele friozinho na barriga que hoje os mais jovens devem sentir quando enfim se encorajam a fazer declarações amorosas que serão vistas por muita gente.

Quando não eram os corações, escrevíamos frases. Uma vez escrevi que o amor era como um rio bloqueado, ele se avoluma tanto ao ponto de estourar as barreiras. Em outras ocasiões eu copiava frases de poetas reconhecidos, como “o amor é fogo que arde sem se ver”. E assim vivíamos as paixonites da adolescência e as inquietações da juventude.

Até que ele apareceu.

Era o meu último ano no que hoje chamam de ensino médio, eu já estava me preparando para o magistério, queria ser professora, ou queria realizar o sonho de quem queria que eu fosse professora, enfim, era o meu último ano. Nos próximos as coisas deveriam mudar. Talvez eu fosse conseguir uma maior independência na minha vida e fazer as coisas que eu realmente gostaria de fazer, sem mais ter que pedir autorizações ou dar satisfações. Mas nem sempre as coisas acontecem como queremos, principalmente quando nos faltam coragem para lutar por elas.

Ele apareceu como aluno novato. Quando o professor exigiu que ele se apresentasse aos colegas, lembro-me do quanto parecia desconfortável com todos aqueles olhares dirigidos a ele. Eu sabia bem como era estar naquela posição. Então, quando percebi que seus olhos confusos pousaram sobre mim, abri um sorriso singelo na tentativa de acalmar suas emoções. Ele retribuiu daquele jeito sensível que poucos rapazes demonstravam. E conseguiu dizer quem era.

Acho que falou bem mais do que deveria.

Seu nome era Augusto, vinha de família humilde na esperança de conseguir algo melhor e ajudar os pais, compartilhou que o que vivia era um verdadeiro desafio tendo que conciliar o último ano escolar com o trabalho, em sua fala deu para perceber o quanto se sentia confuso. Quando ele terminou de falar, o professor permitiu que ele se sentasse, ameaçou retomar a aula, mas, então, tornou a encarar cada um dos alunos, em especial Augusto. Seus olhos pareciam marejados. O professor sempre tão exigente e altivo, parecia emocionado.

— Boa sorte, Augusto — disse por fim —. Se chegou até aqui consegue mais um pouco — deu as costas para a sala e encostou o giz na lousa —. Eu consegui — e assim descobrimos que dentro daquela imagem intimidadora, existia alguém com um passado difícil que precisou empreender mais força do que a maioria para que obtivesse o título do qual se orgulhava, não era apenas um professor, mas o melhor daquela escola, o que embora fosse mal-humorado em determinadas circunstâncias, não deixava de conquistar a admiração e o respeito dos alunos por ser um verdadeiro mestre.

Quando a aula terminou e enquanto eu guardava meus materiais e a sala se esvaziava, percebi que alguém se colocou à minha frente. Era ele. O novato. O rapaz humilde que viera em busca de algo melhor.

— Obrigado — disse cheio de timidez.

— Não entendi... — tentei ser simpática, mas não sei se a minha própria timidez me permitiu parecer tão gentil quanto eu gostaria.

— Você percebeu meu nervosismo. E sorriu com tranquilidade. Aquilo me acalmou.

— Ah! Não foi nada demais. Eu só sei o quanto é difícil ficar na frente de um monte de desconhecidos que o encaram ininterruptamente como se você estivesse chegando de outro universo — ele deu uma risada sonora —. Fui muito inadequada? — perguntei receosa.

— Não, claro que não — ele pigarreou cessando o riso e retomando a postura formal —. De qualquer modo eu agradeço.

— E fico feliz por ter ajudado.

Ele assentiu com o maxilar em tensão.

Parecia que iria dizer algo mais.

Porém partiu.

Pelas próximas horas daquele dia eu fiquei pensando no jovem Augusto que conseguiu fazer com que o professor exigente, que nunca misturava sua intimidade com a vida profissional, enfim nos permitisse conhecer uma fração de quem ele era na verdade. Fiquei pensando no seu jeito envergonhado de sorrir, na sua forma educada de conversar e no seu jeito nada convincente de mostrar que a conversa havia acabado. O que será que ele queria dizer? Mas não era essa a pergunta cuja resposta eu realmente ansiava encontrar. O que estava me incomodando era por que eu pensava nele daquela maneira constante. O que estava acontecendo comigo? Eu já não estava grandinha demais para abrir meu caderno na última página e escrever um A amarrado a um S? Ou não deveria estar focando em meus estudos ao invés de perder tempo com devaneios sentimentais? Só que aqueles sentimentos brotavam do coração. E perguntas lógicas não fazem sentido para as experiências que são experimentadas por ele. Acho que nunca saberemos com certeza desvendar os segredos do coração.

Os dias se passaram.

E Augusto apenas se aproximou mais.

Permitiu-me que eu o conhecesse melhor, mais de perto, soubesse quais eram as suas inclinações e perspectivas na vida. Vinha mesmo de uma família bastante humilde que dedicava seus esforços na fazenda de um antigo senhor. Mas seus pais não queriam que, como seus avós, Augusto continuasse com aquele legado, o de servos da família Albuquerque. Seus pais o incentivaram a estudar e se esforçavam por mantê-lo na escola do povoado. Mas infelizmente a instituição fechou as portas quando o fazendeiro deu uma oferta tentadora pelo terreno. Então, os humildes serventes reuniram o máximo que puderam economizar pelos últimos anos. Foi o bastante para que o rapaz conseguisse comprar um casebre na cidade grande nos arredores da escola. Seu sustento teria que ser por sua própria conta. Então ele se dedicava ao último ano escolar na parte da manhã e durante a tarde batia de lugar em lugar na esperança de ter algo a fazer pelos comerciantes da região.

— E você? Como consegue estudar? — quando me fez aquela pergunta eu me senti envergonhada. Para mim as coisas eram muito mais fáceis. Estavam praticamente prontas, apenas para que eu as desfrutasse. Meu pai era banqueiro e dono de alguns hotéis espalhados pela região. Eu não precisava me preocupar com o sustento de cada dia. Tudo estava garantido. Minha única preocupação era agradar aqueles que diziam fazer tudo por mim.

— Você aceitaria minha ajuda? — perguntei depois de contar a minha história e perceber certo desânimo em seus olhos.

— Claro que não — o jovem gentil e cortês dera lugar a alguém arisco e orgulhoso —. Não quero que pense que me aproximei por algum interesse. Eu nem mesmo sabia a sua origem. Então não quero sua ajuda.

Se fosse outra pessoa eu teria respondido na mesma rispidez. Mas não era outra pessoa. Era Augusto. O doce e esforçado Augusto.

— Minha origem não pode ser um critério de amizade — falei em meio ao som do dançar das árvores que nos rondavam na praça onde conversávamos —. Eu conheço alguém que admira pessoas como você. Só preciso que me permita ajudá-lo.

— Não — levantou-se como alguém que se prepara para partir.

Então, pela primeira vez, nós sentimos um ao outro.

Peguei em sua mão.

Seu olhar agora era de espanto.

— Pode se sentar? — pedi.

Ele apenas obedeceu.

— Não é hora de agir por orgulho. Não precisa provar nada para mim. Eu sei qual é a sua índole, sei que não se aproximaria de ninguém para tirar vantagem. Mas se não for por você, faça isso pelos seus pais. Eles se dedicaram tanto, depositaram tanta confiança, talvez essa seja uma oportunidade única para enchê-los de orgulho.

Seus olhos se avermelharam.

— Isso não é justo... — disse por fim.

— Não aceitar minha ajuda é que é injusto.

Eu consegui convencê-lo. No mesmo dia falei com meu pai. No dia seguinte Augusto estava empregado em um de nossos hotéis. Agora não precisaria mais correr de lugar em lugar. Agora não precisaria mais lutar contra a incerteza todos os dias. Agora tinha um emprego fixo e um motivo a mais para exibir aquele sorriso galanteador.

Lembro-me que nossa amizade apenas se intensificou. Fiquei receosa por ser um senso de obrigação da parte dele, mas conforme os dias se passavam para mim ficava mais claro que aquele era o seu jeito, era a sua lealdade falando mais alto, a sua gratidão e o seu carinho. Um carinho que também existia em mim. Um carinho que chamei de amor no meu diário.

Era aquilo. Eu não o via apenas como um amigo querido. Um colega de escola. Eu o via como um rapaz a quem me disporia a entregar o meu coração. Eu estava realmente apaixonada. Mas dessa vez não era aquela coisa infantil que me fazia desenhar corações e colocar iniciais. Era algo mais intenso que me inspirava a me sentar e escrever por horas tudo o que sentia e gostaria de viver. Será que ele sentia o mesmo?

Aquele distanciamento emocional dos homens sempre me irritou. Eles dizem que nós mulheres somos confusas, mas na verdade são eles as verdadeiras incógnitas. Por que não falar do que sentem? Por que não falar sobre as emoções que o estão infligindo? Por que não dizer quando estão amando? Eu queria que Augusto desse algum sinal. Eu já havia dado vários. Desde ajudá-lo a conseguir um emprego melhor até falar abertamente sobre meu desejo de ter uma família com alguém especial. Esse tipo de coisas não falamos com qualquer um. Falamos com quem queremos atingir. Eu queria atingi-lo. Demorei para acertá-lo.

Mas quando aconteceu foi especial.

— Hoje eu escrevi uma carta para os meus pais e junto dela coloquei uma quantia de dinheiro. Não era muito em comparação com o tanto que eles fizeram por mim, mas tenho certeza de que irá ajudar para que eles possam ter um almoço melhor. E isso é graças a você — enquanto caminhávamos pela trilha do bosque que visitávamos, estando cercados por uma variedade de flores que perfumavam a natureza ao nosso redor, Augusto compartilhou aquela conquista que para ele representava algo grandioso.

— Não é graças a mim, Augusto. É a você e à sua dedicação. Em breve estará fazendo o curso de medicina e então alçará voos que nem imaginava. E tudo isso por sua própria dedicação e humildade.

— Se você não tivesse insistido eu ainda estaria correndo de um lado para outro na esperança de ter algum trabalho que rendesse alguns trocados. Mas você insistiu — ele parou de caminhar e eu o acompanhei —. Você insistiu e se manteve perto o bastante para celebrar comigo todas as minhas conquistas, mesmo as mais insignificantes para alguém como você — antes que eu pudesse protestar ele interrompeu minha fala encostando em meus lábios —. Sei o que vai dizer. Que sente orgulho por mim e que valoriza o que tenho conquistado. E eu agradeço por isso. Agradeço por me fazer sentir que sou especial. Agradeço por validar as minhas alegrias, mesmo as pequenas, porque para alguém como eu um dia vencido é quase uma vida conquistada. E eu gosto de me sentir assim. Importante. Digno. Eu gosto de como você me faz me sentir — sem que eu esperasse, ele se aproximou o suficiente para que nossos lábios se encostassem e se permitissem a um beijo que parecia há muito desejado —. E eu gostei de beijá-la — mantendo sua testa colada à minha e nossos dedos entrelaçados, ele exibiu aquele sorriso que estonteava.

Eu não sabia o que dizer. Apenas sorria com uma boba enquanto ensaiava alguma palavra. Mas ela não surgia. Então o trouxe de volta para outro beijo. O que dizia por mim que eu também era grata por ter alguém como ele na minha vida.

Era amor. Finalmente eu conseguia entender aqueles poemas românticos, aqueles contos melosos e aqueles romances dramáticos. Finalmente eu experimentava a ambiguidade do amor, esse sentimento que nos faz sorrir de paixão ao mesmo tempo em que nos faz chorar de ansiedade. Finalmente eu tinha alguém para chamar de meu amado. Alguém que estava disposto a vir até minha casa, lutar por mim e pelo que sentíamos ao pedir minha mão em namoro. Eu pensava que tudo daria certo. Eu pensava que aquele homem generoso, que ajudou Augusto quando pedi, agiria como o pai que sempre pensei que fosse e não se oporia ao que eu sentia. Mas a vida nos testa de diferentes maneiras.

Quando Augusto, muito bem arrumado, fez seu pedido, meu pai apenas suspirou. Olhou para minha mãe. Olhou para mim. Olhou para o chão. Movimentou os lábios discretamente. Suspirou profundamente. E então respondeu que queria apenas um dia para pensar, apenas um dia. Só que em um dia podem acontecer inúmeras coisas.

Antes de partir, Augusto me disse que se a resposta fosse não ele não ficaria chateado, mas que também não desistiria, mesmo que tivesse que se formar como médico para voltar em minha casa e falar com o meu pai, era o que faria. Ele me amava de verdade. Porém não sei se o meu amor era tão genuíno quanto eu pensava.

— O garoto é corajoso — depois de acompanhar o rapaz que eu amava até a saída, voltei para a sala e fui abordada pelo banqueiro de sucesso.

— Muito esforçado — respondi.

— Bastante valente

— E humilde.

— Ousado.

— Perseverante.

— Talvez ingênuo.

— Todos esses elogios são apenas para dizer que sim? — arrisquei.

— São apenas para alertá-la, minha querida. Ele é um jovem promissor. Sei disso. É honesto, uma virtude que não encontramos em todas as pessoas. Mas em seu sangue está a pobreza e a miséria. E eu sei bem que essas coisas impregnam ao ponto de nunca mais deixar você — era inacreditável —. Ele tem sonhos. Disse que quer ser médico. E está esperançoso. É grato pelo trabalho que tem no hotel, mas não sabe que esse trabalho não pode pagar nem os livros de que vai precisar. Quanto mais os equipamentos que terá de comprar mesmo se conseguir vaga em alguma das universidades públicas. Quer ajudar a família, os pais que se sacrificaram durante toda uma vida. Os pais que na verdade se acomodaram na mediocridade. E eu não quero o sangue dessa gente misturado ao sangue dos meus netos. Se insistir nessa loucura eu o mando embora do hotel e posso garantir que ninguém irá contratá-lo por aqui. Mas se desistir, eu me ofereço para pagar os estudos desse rapaz e ajudá-lo a se tornar o que quer ser. Você pode escolher, Sara. O garoto pobre que ficará ainda mais miserável, ou, como gosta de falar, por amor deixar que ele seja feliz. Você tem até o jantar.

Olhei para minha mãe, mas seu silêncio já dizia que ela concordava com aquele absurdo.

Recorri ao meu quarto. Onde as lágrimas puderam rolar.

Amar nunca foi fácil, pelo menos não o amar de verdade. Se alguém disser que sua história de amor é fácil e tranquila, desconfie, talvez não seja amor realmente. Porque o amor exige sacrifícios. E, às vezes, por amor, você deixa ir quem o faria mais feliz nessa vida, apenas para que ele alcance uma felicidade que ao seu lado poderia ser impossível de conquistar. Augusto era o meu amado. Nós éramos jovens ainda, mas naquele tempo, quando a época era diferente, havia mais certeza em nossas escolhas mais precoces. Eu tinha certeza do meu amor. Mas não tinha certeza se conseguiria me perdoar por significar dor na vida de alguém.

Então fiz minha escolha.

No jantar pedi para que me deixassem terminar o ensino médio na Europa, onde já começaria meus estudos para ser professora. Fiz apenas uma exigência, eu queria que me provassem que Augusto ficaria bem.

Meu pai, agora se mostrando um alguém desprezível e avarento, elogiou minha decisão sem imaginar que meu coração ardia em dor e sofrimento. Eu estava desistindo da única pessoa que amei e que para sempre amaria.

Os anos se passaram.

Eu voltei ao Brasil e exerci minha profissão com bastante afinco.

Casei-me com um advogado promissor, alguém que mais parecia interessado em meu pai e nos seus privilégios do que em mim. A única coisa boa daquela relação praticamente arranjada foram os filhos que me ajudaram a suportar o arrependimento e a solidão.

E envelheci.

E com o envelhecimento tenho experimentado as limitações da vida, como apertos repentinos no peito que fizeram minha filha desesperada marcar uma consulta ao cardiologista. Talvez meu problema não fosse físico, talvez fosse apenas a dor da tristeza por viver com a incerteza de como poderia ter sido a minha vida se eu tivesse feito uma escolha diferente quando tudo o que eu precisava fazer era escolher o caminho certo.

— Dona Sara, aparentemente está tudo bem — o homem de cabelos brancos e sorriso inconfundível tentou me acalmar depois de me examinar —. Mas por precaução irei pedir alguns exames. A idade chega para todos nós, não é mesmo? — falou com diversão. Em sua mesa haviam alguns retratos que exibiam crianças pequenas brincando em um parque, adolescentes grandinhos cercando um casal e um homem e uma mulher sentados na beira da praia observando a paisagem.

— Sim, a idade chega — aquilo me machucava, ele não me reconhecia.

— Lembro de quando meus filhos ainda eram bebês, acredita? — enquanto preenchia a papelada, ele compartilhava a sua história —. Eu acho que para os pais eles nunca crescem.

— Não, não crescem.

— Aqui está, dona Sara — estendeu os papéis a mim —. Faça-os o quanto antes e volte aqui para avaliarmos. Não precisa se preocupar com nada. Se for necessário algum tratamento tenho certeza de que será simples e corriqueiro — esticou a mão.

— Ah! Sim! — aceitei seu gesto de despedida tocando nas mãos que há anos acreditava nunca mais poder tocar —. Fico agradecida pela atenção.

— Eu a acompanho até a porta.

Era ele. Depois de décadas de vida eu o reencontrava, eu o reconhecia, embora ele não soubesse quem eu era.

Antes de sair, fiz uma tentativa.

— Perdoe-me por tudo.

Ele me olhou confuso.

— Acho que fiz o senhor perder tempo.

— Esse é o meu trabalho, dona Sara. E preocupar-se com a saúde nunca é perda de tempo.

Assenti e parti com o coração quebrantado.

É por isso que algumas chances e oportunidades que a vida oferece são únicas e nunca mais se repetem, porque mesmo que as circunstâncias aconteçam novamente talvez não façam mais sentido porque somos outras pessoas, estamos em outro momento, em uma outra época. Por mais que doa, essa é verdade sobre a vida. Resta-nos saber escolher quando apenas isso for exigido de nós. O futuro, com alguém que importa, é sempre melhor que o futuro sem ninguém, porque com alguém podemos unir forças a construir o que queremos, mas e sozinhos, o que faremos? Eu não sei...

(Conto por @Amilton.Jnior)