ESTRANHO DESEJO QUE NÃO SE CONCRETIZOU

Edilson era brincalhão, Maciel também, ambos eram bons amigos, eu também me dava muito bem com eles, que se destacavam nas brincadeiras em plena sala de aula (quando os professores não estavam, é claro). Cursávamos a quarta série do antigo Ginasial e a nossa classe era praticamente a mais "bagunçada" (essa era a minha opinião e não necessariamente a de todos), a "folia" era grande e até já fomos chamados a atenção pela secretaria do colégio, mas a gente não tinha jeito não, as brincadeiras sempre estavam em evidência e fazíamos tudo para que não chegasse ao conhecimento do diretor.

   Edilson era o mais "saído", falante até demais, gostava de imitar um "Alfredo", termo para qualificar um sujeito quando ele desmunhecava, ou seja, um "frango" (naquele tempo não existia o termo "gay", "veado" talvez) e gostava de sentar no colo dos colegas cruzando as pernas, momento em que todos riam e aplaudiam, levavam na gozação mesmo.

   Passamos anos nesse colégio, mas sempre nos dedicamos aos estudos e passávamos de ano sem preocupações, só teve um ano que me compliquei em Matemática e fiquei para segunda época e passei "me arrastando". Pensei em parar um pouco com as brincadeiras e estudar mais, porém tive que mudar de colégio e estudar a noite, pois tinha conseguido um emprego e precisava mesmo trabalhar, afinal já estava com os meus dezoito anos. Me desliguei completamente da turma, fui estudar em outro bairro e não mais vi ninguém dessa turma de "loucos".

   O tempo passou e eu já estava casado, era pai de dois filhos e já tinha até netos. Certo dia, quando larguei do trabalho, encontrei uma pessoa que me chamou pelo nome em plena avenida movimentada. Olhei na direção dessa pessoa mas não reconheci, ocasião em que me perguntou se eu não estava lhe reconhecendo. Realmente não me lembrava mesmo dessa criatura que usava uma barba e tinha uma vasta cabeleira já embranquiçada pelo tempo, tal qual os meus cabelos, só que no meu caso eram ralos, quase careca. Quando ele se identificou eu fiquei muito alegre por reencontrar um velho colega de classe do tempo do Ginásio. Era o Maciel, que havia mudado muito sua fisionomia, o que não me fez reconhecê-lo. Paramos numa lanchonete e fomos comer alguma coisa, além de pormos os assuntos em dia, ou seja, relembrarmos os tempos daquela "bagunça" na classe. Falamos de família, de trabalho, de filhos, de política, enfim foram muitos os assuntos abordados. Maciel era muito alvoroçado, igual ao Edilson, nome que também tinha fugido da memória, mas o meu amigo Maciel me ajudou a lembrá-lo. Perguntei por ele e o Edilson mudou seu semblante, notei que ficou muito triste, o que me deixou com uma interrogação na cabeça. O que teria acontecido? Teria falecido? Maciel pediu para respirar um pouco e marcou um dia para contar essa história, pois envolvia ele e o Edilson e a hora não era propícia para narrar os fatos.

   Dois dias depois encontrei-me com o Maciel em sua residência, ele me apresentou sua esposa e filhos e conversamos bastante, uma conversa regada a um bom vinho com petiscos. Eu estava mais interessado em saber do paradeiro do Edilson, fiquei preocupado e sem saber detalhes sobre ele, foi nesse momento que Maciel me levou para uma área reservada e contou toda a sua história com ele. Depois que deixamos o colégio ele e Edilson continuaram se encontrando, deixaram também o colégio e foram estudar em outro no mesmo bairro. Maciel notou que a aproximação do amigo com ele fugia um pouco da normalidade, Edilson queria "calor humano" e ele, para não perder o amigo, cedia às suas "investidas" disfarçadas, pois também sentia uma certa atração por ele, mas nunca deixou transparecer esse sentimento, não tinha coragem de assumir uma situação dessa. Muitas vezes queria se declarar, mas faltava coragem, já sabendo o que o amigo queria, então sentiu uma certa pena dele e até pediu para que encontrasse a pessoa certa para ele, coisa que Edilson não concordava, a "outra pessoa" tinha que ser ele ou ninguém. Diante dessa situação Maciel me contou que foi obrigado a sumir, tomar um rumo diferente, para ver se Edilson o esquecia e também queria controlar esse seu estranho desejo, já que não tinha certeza de querer enfrentar essa realidade. Procurou namorar garotas e tentar esquecer o amigo, seu pensamento se concentrou em formar uma família, ter filhos, ser um senhor dono de casa e "jogar no lixo" esse seu estranho desejo. Quando estava namorando sua atual esposa, Maciel encontrou casualmente seu amigo Edilson que queria a todo custo ficar com ele, o que foi recusado. Insatisfeito Edilson disse que se mataria caso não o aceitasse, porém Maciel foi firme em sua decisão e dias depois soube da morte dele por enforcamento, o que o deixou desesperado. O tempo foi passando e ele noivou e casou, mas carrega uma grande culpa por ter perdido o amigo de uma forma tão trágica.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 21/02/2022
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