Uma vida de mágoa
Desceu as escadas apressadamente. Era a última oportunidade para Josélia pedir perdão à sua mãe, a mulher que entregou-a recém nascida aos avós maternos para criá-la. Passaram-se 28 anos desde então e a mágoa de Josélia foi crescendo assustadoramente com o tempo. Nunca perdoou a mãe por tê-la entregue, muito embora nunca tenha sido abandonada totalmente por ela. A mãe residia em cidade próxima e, sempre que podia, passava os finais de semana na casa dos pais com ela. Os anos fizeram com que o amor se esvaziasse e uma convivência medíocre, sem qualquer diálogo, tomou o lugar de tudo. Nada era novo, nada era agradável, sempre o “nada”, levando a vida de todos à uma situação insuportável.
Os paramédicos já tinham colocado a sua mãe na ambulância quando Josélia suplicou um minuto com ela. As portas da ambulância foram abertas e ela, aos gritos, pediu perdão à mãe. Ao olhar para o paramédico que a acompanhava pressentiu que já era tarde. O câncer fora galopante demais e chegara a sua hora.
A ambulância afastou-se aos poucos. Não havia mais pressa. Restou somente a pressa de Josélia, sentada na sarjeta, buscando entender o porquê de tamanha mágoa sem qualquer busca de entendimento.
02/02/2022