Só dó
Pela manhã perguntei ao sol como o dia haveria de ser - Respondeu-me um pouco angustiado que a chuva haveria de vir - Pela mesma indaguei aos pássaros o que eles tinham há dizer - Responderam-me animados com assobios bem-apessoados - Entre os bosques e prados verdejantes, as linhas em transe se entrelaçam como cipó. No nó do engasgo semeia parágrafos. Onde tais pintam o delírio. O vento que sopra nos campos de lírios escreve a história; no bailar das horas; no traçar das obras. Dá moça que dança e samba, do vestido que balança - do sorriso manso sem-par - Do paletó. Do teclar, do dó. O pianista ressoa a harmonia. Sejamos amigos. Tais inquilinos indevidos que compartilham o mesmo cívico. Tal qual o sínico sorriso dos amantes às fiéis matriarcas. O último da arca. O caminhante das sete encruzilhadas. Sejamos inimigos! Tais que erguem as espadas enlouquecidos pelo sangue que escorrega, aquático, desagua.
O barranco rui. Pessoas de prancha em suas casas. De baixo, maré que lava. Leva a vala, leva a nada. Dos festeiros das baladas, quando toca as badaladas das noites que tarda, vem aí de farda o major. Só gente correndo, só dó. Forasteiros sem destino. É o toque de recolher. É o que falta para a colheita - na seita que estreita – Vão chorar por ti tuas lágrimas. De teus olhos com cede de água na sede da vó. Vem aí o menino de ouro puro como o cão. Leve como um grão que se assenta nos olhos. Feliz como o crente que se encontra com o milagre. De fácil corrida. Essa qual que se dá o pouco, se leva muito. Essa que já vem vestida. De roupa bem escolhida, de barriga cheia, de pele lisa e casa rica. Já o contrário é puta. Roupa quase não há e dinheiro só as custas. Mas o barrigudo que nasce e vive só é época, logo se vai. É como velejar na tempestade. Com desviar de bala veloz. Como se transformar em mobiliário é como ser alvo, e só.
Nos morros o vento ainda chora. É como as matas da cidade que se perdem dia-a-dia pois quanto mais cresce, mais é vista. Mais é forte, mais é vida. Mais atraí o caçador, e é essa sua sina. Melhor ser visto do que viver. Existir mesmo que só um pouco na mente de outro. Mas as horas adiantadas chutam o dia e comem a vida, tampouco se assusta na caminhada.
Na ameaça da escuridão vem surgindo o peregrino maldito. Perdido, sozinho. Se junta, se aquece - ao meu lado é diabo! - No recanto mais manso. Num silêncio rancoroso, sussurros. Menino bobo. Que se assusta e ofegante se expande. Atraindo os fantasmas famintos - ô ignorância - No café a esperança é que se come fria, logo mais já é de dia; onde a tarde se inicia veloz. Larga a cara feia, menino de ouro sem dinheiro dá agonia. Que só come o que é de melhor. Dá dó, mas é só.
E na rua o padeiro - é como um galo sem freio - Só o berro. E no sol o pedreiro - só suor - logo cedo. É calo que gasta, consome, por pouco, por quase nada. E no escritório o cavaleiro. Doze doses de dinheiro para o ricaço falacioso. Se não fosse teu idoso... morreu cedo, bom é pouco. E a velha senhora vem lenta - é bengala de pau - e por que não sobrevoa? Com as asas da escápula que já desembrulhou da capa. Só o pó, só dó. Tempo sanguessuga. Gente surda, não escuta. A pressa grita, te agarra, gruda e não larga. Eu só queria mesmo era o balanço. O vento manso, nada veloz. As folhas vazias. Poucas palavras - não a ignorância, mas a bondade que falta - Sem saber o valor dos que vão. Entendendo o valor dos que vem. O mundo se assusta. O universo nem aí. Tantos outros hão de vir. ‘’ Em verdade vos digo ’’ - vos direi nada. É passado - O que dirá o futuro ouvindo os prelúdios dos provérbios ancestrais. Incapaz de aceitar, riria. Te afirmo.
E dos entulhos sai a criança. Só a pelanca. Resgate que nada. Para todo lado que tem olho tem morte. Na sorte, quem vê é vivo - ‘’ mas os cegos de nada sabem da maldade ‘’ - Errado. Quem escuta sabe, cheiro de sangue não se confunde. Quem é mudo também fala. Palavra muda não ganha lábia, mas ainda escreve. A maldade treme tudo. Por fim quem nada sente já sabe... esse já é por si só a própria.
Da janela as vezes vejo; as nuvens trocando segredos; as folhas bailando desmanchadas – tudo para mim é obra – Todos correndo atrás da fujona. Alguns alcançam, outros só correm, fúnebres, sem fim. E tem quem nem corre, já para ali. No final ela é corredora profissional, não perde uma. Acho que o céu já foi mais azul. O mundo dia mais está cru. As cores de agora são desempachadas – penso que seja anemia, só dó. É na doença que se encontra a vida, essa tal que nem é sua. E na saúde que se esquece que vive, pois, viver é sofrimento.
No quintal só se planta o que dá. Tudo que vem tem seu preço e o que não tem preço nada é. O fruto que cresce cobra o tempo; o tempo que vai cobra a vida; a vida que tem cobra o fruto. No final é tudo o mesmo mote. A vida é trote de criança que liga só de patuscada, a diferença é que a chamada só caí quando morre. Mas quem é crente de que os sonhos procedem é feliz e nem se esquenta a tal desgraça. Deixa gelar a magoa, nem se aflige pela angustia. Quase imune ao diabo do prazer. É um foco que não se desprende. Mente crente.