O poder do imprevisto

Já fazia um tempo que Sérgio procurava emprego, mas o mercado de trabalho não está fácil. A fila tem sido quilométrica e os candidatos se esbarram um no outro tentando a famigerada vaga. Até que certo dia ele é chamado para uma entrevista a ocorrer no dia seguinte às dez horas da manhã.

Dentro do ônibus, o candidato a vaga contava as paradas para chegar ao destino. Não faltava muito para descer no ponto, até que de repente o ônibus parou subitamente. Que ocorreu? O cobrador informou que houve uma pane no motor e já chamaram um novo ônibus. Sérgio ficou aflito. Procurou no celular o telefone da agência para entrar em contato e dizer do atraso. Coincidentemente o entrevistador estava no mesmo ônibus que Sérgio e tão logo entrou em contato na agência, a qual informou que ia contatar outro funcionário para fazer a entrevista.

O tempo passava e nada do outro ônibus chegar. Sérgio decidiu ir a pé. Durante a caminhada o celular toca. Era da agência de emprego perguntando se ele estava para chegar, respondeu que estava na Rua Estreita. Desligou o telefone e continuou a caminhar. Estando próximo do destino percebeu que estava sendo perseguido, apertou os passos e o perseguidor também. Até que foi abordado.

_ Sérgio Hautagaia?

_ Sim, sou eu – respondeu virando-se.

_ Eu sou da agência de emprego, me chamo Valter Tecoa.

Sérgio olhou estranho e ligou para a agência para confirmar o que está acontecendo. A atendente confirmou que o tal Valter é o entrevistador, o qual estava a caminho da agência. Tinha se atrasado e resolveu buscar pelo candidato. A entrevista ocorreria num café que estava ali próximo.

Depois de se acomodarem na mesa, Valter iniciou a conversa se apresentando novamente e desculpando-se pela abordagem inicial.

_ Sr. Sérgio, o senhor foi selecionado para concorrer a vaga de presidente da República.

Ao ouvir isto Sérgio levantou-se para ir embora.

_ Espera, espera, eu explico. De fato, desta forma que falei não dá para levar a sério. Sérgio voltou e decidiu ouvir mais.

_ O senhor tem vários cursos, gestão pública entre outros.

_ É a necessidade de se colocar no mercado. Preciso estar o mais qualificado possível.

_ Certo, certo. Bom, há um Grupo que está selecionando pessoas para serem potenciais candidatos a presidência da República, mas não para essa eleição e sim a próxima. Enquanto não chega o candidato aprovado nesta etapa vai aprender ajudando outros gestores já eleitos. Entendeu?

_ Entendi.

Valter ia começar a falar quando seu telefone tocou. Ele atendeu, conversou rapidamente e já desligou.

_ Sérgio, houve um imprevisto e vou ter que me retirar, a sua entrevista vai continuar com outro colega que estava num ônibus que quebrou, mas já conseguiu resolver. Ele me mandou mensagem e vai te encontrar no Cartório da rua do Paço.

O candidato a candidato da República estranhou tudo aquilo, mas seguiu a orientação do tal Valter. Virou a primeira esquina a esquerda depois virou à direita e seguiu reto por quatro ruas. O cartório de imóveis estava a sua direita. Entrou e voltou a ligar para a agência afim de saber quem é o próximo entrevistador. A moça informou onde ele estava.

_ Sr. Rui? – perguntou para o senhor que correspondia com a descrição dada pela moça da agência.

_ Sim, sou eu – virou-se o senhor que lembrava bem o célebre Ruy Barbosa, barba, cabelo branco e óculos pequeno.

_ Sou o Sérgio Hautagaia, candidato da vaga. Ligaram-me ontem da agência marcando a entrevista para às dez. Já aconteceu tanta coisa. O senhor vai continuar me entrevistando?

_ Ah sim. De fato, aconteceram muitas coisas nesta manhã. Onde o Valter parou?

_ Ele falou da candidatura a presidência da república, mas que antes vai auxiliar nos políticos eleitos.

_ Isso mesmo. Eu sou o fundador do Grupo que pretende escolher bons candidatos a presidência. Políticos bem preparados e com competência para governar.

_ Mas eu não tenho experiência com gestão pública, apenas fiz um curso caso eu conseguisse um cargo público.

_ Interessante. Você tem interesse em entrar nesse grupo?

_ Tenho! Qual é o salário?

_ Amanhã a gente vê isso! Chegou a minha vez de ser atendido, preciso registrar a matrícula do imóvel onde estará sediado o Grupo. Compareça a agência amanhã.

Sérgio voltou para seu apartamento bem desconfiado. Terminou o dia e foi deitar-se. Ao se levantar decidiu ir à agência. Desta vez não atrasou. Chegou à porta do local, mas percebeu que o mesmo estava fechado. Olhou bem a porta e viu um recadinho escrito: Sr. Sérgio, compareça a prefeitura municipal. O candidato olhou para os lados, não viu ninguém, então decidiu ir até o paço municipal. Chegando lá o porteiro perguntou por quem ele procurava. Deu o nome do Sr. Rui. Tão logo foi liberado, ele foi encaminhado para o gabinete do prefeito. Chegando lá reconheceu o Sr. Rui e outro homem que parecia ser o prefeito.

_ Prefeito Denis, quero te apresentar o futuro prefeito da cidade, Sr. Sérgio Hautagaia.

_ Ora, não era para ser presidente? – perguntou Sérgio em tom de brincadeira.

_ Calma lá garoto, vamos começar pelo cargo de Gestor júnior.

_ Gestor júnior?

_ Sim, no Grupo prefeito é Gestor Junior, governador é Gestor pleno e presidente é Gestor Sênior.

_ Entendi. Faz sentido. Por que estou aqui?

_ Para começar a trabalhar. Ajudando o prefeito aqui na missão de governar a cidade.

_ E quanto vou ganhar por isso?

_ Por enquanto é voluntário. Comece a trabalhar e a gente vê isso depois. Só quero te advertir que um gestor público não tem que ficar pensando só no salário. Amanhã você volta aqui para começar. Sérgio assentiu com a cabeça. Agora tem um emprego, um tanto quanto diferente ao seu ver.

No dia seguinte Sérgio compareceu ao paço municipal com terno e gravata. Deparou-se com o mesmo porteiro que liberou o acesso dia anterior.

_ Vim para começar meu trabalho com o prefeito.

_ Qual o seu nome?

_ Sérgio Hautagaia.

O homem verificou a sua lista de liberação. Depois fez um telefonema e respondeu a Sérgio.

_ Seu nome não está aqui e nem foi liberado por telefone.

_ Está havendo um equívoco. Eu fui selecionado ontem pelo Sr. Rui e o prefeito viu tudo.

_ Eu sei senhor, mas não tenho permissão para te liberar.

Imediatamente Sérgio ligou para a agência e informaram que houve um mal-entendido. Tinham escolhido o candidato errado. Sérgio ficou sem chão.

No sábado pela manhã Sérgio acordou ainda atordoado pelos fatos ocorridos no dia anterior. De repente alguém bateu em sua porta. Pelo olho mágico viu alguém parecido com aquele Valter da entrevista no café. Abriu a porta.

_ Como tudo pode ter sido um mal entendido? – perguntou Sérgio.

_ Não foi um mal-entendido e sim uma conspiração.

_ Que conspiração?

_ A monarquia quer voltar! E eu fui escolhido para encontrar um rei em potencial e você tem o potencial. Aceita?

_ Não vai dar! Eu tenho um imprevisto marcado para ocorrer daqui cinco minutos e eu preciso estar lá.

_ Lembre-se que a rainha Elizabeth só está no trono porque o tio dela abdicou, não fosse por esse imprevisto ela não estaria lá. Pense nisso. Ah falando em rainha, a atendente da agência foi escolhida para ser sua esposa e rainha.

_ Está bem, eu aceito – disse Sérgio com voz impaciente.

Valter retirou uma coroa da bolsa e antes de colocar seu celular tocou:

_ Sr. Rui? Sim... Como assim não é para coroar? O quê? Sair daqui?

_ Que aconteceu?

_ Mais uma vez houve um imprevisto. Não é para te coroar! Na verdade, você foi escolhido pela oposição para ser o líder do grupo que vai derrubar o futuro rei. Traição! Traição!

09/02/2022

Miguel Rodrigues
Enviado por Miguel Rodrigues em 09/02/2022
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