Eu, Um Autista
Desde pequeno tinha a sensação de que era diferente das outras crianças que brincavam com seus pais e viviam suas vidas da forma ideal de uma sociedade.
Em outras palavras, uma vida normal.
Sempre gostei muito de ler tudo o que via pela frente e não falava uma só palavra até chegar aquele jornal que meu pai assinava a anos.
Zero Hora.
Parecia que aquelas palavras seriam o caminho para a aprendizagem e ficava feliz ao ler as notícias de forma perfeita decorando cada palavra, cada frase e cada história que era contada naquele jornal.
Meu mundo então passou a ser de palavras e letras e ali eu era o rei.
Muitas pessoas me achavam (e ainda acham) fora dos padrões devido a minhas manias, meu comportamento estranho e minha tendência ao isolamento, além de deixar os livros bem ordenadas no meu quarto ficando muito nervoso toda vez que alguém os tocava ou colocava em um lugar diferente.
Amava muito meus pais, embora não conseguia entender direito meus sentimentos.
Tentava conversar com as pessoas, mas não conseguia falar mais do que poucas palavras e ficava triste quando riam de mim ou faziam piadas devido a minha situação psicológica.
Mas quando entro em meu quarto e me foco de corpo e alma no mundo de letras e palavras, sinto-me em paz e com uma sensação de alegria jamais vista.
Um dia, meus pais me levaram ao médico para descobrir o porquê de não conviver com as pessoas e de ter estas esquisitices.
Foi então que acabei descobrindo o que realmente tenho. O médico explicou a meus pais que o que eu tinha era autismo, ou seja, uma espécie de mundo próprio.
E o único lugar que era reservado pra mim seria o hospício por não ser capaz de conviver com as outras pessoas.
Claro que minha mãe não aceitou isso e fez tudo o que podia para que eu tivesse uma vida normal mesmo sendo diferente de todos os outros.
Foram anos de psiquiatria, de terapias e de muita luta pra encaixar numa sociedade que não aceita de jeito nenhum todos que não obedecem a sua “cartilha de conduta”.
Contudo, as palavras e as histórias sempre me protegeram de tudo incentivando-me a continuar lutando bem como o apoio de meus pais e irmãos que nunca desistiram de mim.
E também dos amigos que encontrei pelo caminho nestes meus quase 46 anos de vida.
Os anos se passaram e me formei na Faculdade de História pela UFPEL mesmo com todas as dificuldades que o autismo traz.
As histórias sempre estiveram do meu lado mesmo quando parei de escrever por um tempo e se não fosse pela literatura, talvez não estivesse escrevendo este conto como estou agora.
No entanto, não esqueço dos apupos, dos gritinhos e das risadas de algumas pessoas que me machucaram muito.
Mesmo assim, a resposta para elas é minha própria vitória.
Porque a maioria delas não quer entender que sou sim qualificado pra ter uma vida normal mesmo com minhas limitações?
Mesmo tendo meu próprio mundo e minha própria rotina?
Até hoje sigo minha vida de palavras e histórias sem machucar ninguém e agradecendo sempre pela minha família ter acreditado em mim.
Pra terminar, só peço uma coisa as pessoas que ainda insistem em atormentar-me por causa de meu autismo.
Deixem-me viver em paz.