Santo negrinho
Pouco rezava. Quando dava escapava da missa. À noite, da cama, gritava – benção pai benção mãe. Mas acreditava. Acreditava em tudo. Santo Antônio, São João. Nas Nossas Senhoras. Nas lendas e crendices. Acreditava em visagem. Mas, piamente, acreditava no Negrinho do Pastoreio. Milagreiro cheio de comprovações, e parceiro. Certa vez. Para citar um caso. Teria 10 ou 11 anos. Ganhou da mãe uma bola nova. Bola de futebol. Bola número 1 – os tamanhos das bolas de futebol variavam de 1 a 5. Aquela era pequena. Mas de couro. Coisa rara. Jogo na quadra do presídio. Outros tempos, outra história. Enfim, única quadra de futebol oficial da vila – marcada e plana, o que era o melhor, num relevo de coxilhas. Feitos os times. Estrear a bolinha de couro. Ensebada e calibrada. Bola leve. Levinha. Logo no começo do embate, um balão. Lá se foi a bola por cima do muro. Caiu na horta. Na horta do presídio. Horta enorme. Criança tudo engrandece. Incontáveis canteiros. Legumes. Verduras. Temperos. Frutas. Ervas. Cadê a bola. Todo mundo à procura. Ninguém acha. Busca sistemática. Canteiro por canteiro. Da esquerda para a direita. E tal. Nada. Nada da bolinha. A bolinha zero pau. Passado um tempo. Todos exauridos. A luz! O negrinho do pastoreio! É claro! A maioria aprova a ideia. Comissão formada. Comitiva até o mercado do seu Araujinho. Comprar um naco de fumo em rolo. Do amarelinho, o que ele gosta, dizem. Pagamento para o negrinho. Para o negrinho fazer o serviço. Achar a bola. Feita a oferta. A oração e o pedido. Hora de voltar à procura. Aí vem a diferença do milagreiro. Sempre de prontidão. Eficiência eficácia efetividade. Nem bem recomeçaram as buscas. A bola. A bolinha. Ali. Evidente. À vista de todos. Entre os canteiros de manjerona e salsinha. Quase num corredor. Santo negrinho. Negrinho do pastoreio. Achador de coisas. Parceiro. Achou a bolinha num instante. A bolinha zero pau. O fuminho bastou. Um toco de fumo de nada. Milagre baratinho. Santo negrinho. Não deixava ninguém na mão. Ficava fácil se fiar.