O GRANDE JULGAMENTO
Parecia mais um dia daqueles. Era o segundo julgamento do dia e tudo que eu queria era uma mineral com gás. Como escrivão, era necessário ficar atento a tudo. Foi o que me fez notar a aparência tranquila do réu e a impaciência de seu advogado. Naquele dia, o juiz que presidia a 18º Vara Criminal de Jerusalém era o meritíssimo Pilatos. E ele deu início:
-Declaro aberta a sessão. O “Estado” versus “Jesus de Nazaré”. Quais as acusações ?
O Promotor chamava-se Caifás. Um sujeitinho meio asqueroso que, ao que tudo indica, estava envolvido no escândalo da venda irregular de cotonetes a soldados romanos. Levantou-se calmamente e leu as acusações:
-O réu aqui presente está sendo acusado de formação de quadrilha, exercício ilegal da medicina, sonegação fiscal e distribuição de alimentos sem procedência nem visto da Secretaria de Saúde Pública.
Parece que a coisa tava feia para o cara. Pedro, o advogado de defesa, sabia que não iria ser fácil inocentar o barbudo. Na audiência anterior um sujeito chamado Barrabás tinha sido absolvido por pura sorte, mas agora as coisas eram diferentes.
O primeiro a depor foi o próprio réu.
-Vou lhe fazer algumas perguntas e o senhor diga apenas sim ou não: é verdade que andava com doze homens fazendo discursos inflamados por aí a fora ?
-Sim.
-É verdade que curou um paraplégico, fez ver um cego e até ressuscitou um morto sem ter licença para clinicar nem nunca ter estudado medicina?
-Sim.
-É verdade que em uma festa de casamento você foi o responsável pela maior parte do vinho que foi distribuído, e que este mesmo vinho não pagou qualquer tipo de imposto de circulação ?
-Sim.
-E por fim, é verdade que distribuiu pães e peixes para um bando de gente sem ter qualquer tipo de alvará, seja para restaurante, bar ou até mesmo botequim ? E que estes alimentos distribuídos não possuem procedência conhecida ?
-Sim.
-Não tenho mais perguntas meritíssimo.
O Promotor havia conduzido muito bem a acusação. Pedro sabia que agora só restava tentar impedir o pior. Com um pouco de sorte conseguiria uma perpétua com trabalhos forçados.
A próxima testemunha era um sujeito chamado Judas. Um típico delator que se vendia por quaisquer trinta dinheiros e que topou testemunhar se aliviassem a sua barra. Por razões de segurança, ele estava no programa de proteção de testemunhas.
Como era de se esperar, confirmou toda a acusação: disse que havia trabalhado infiltrado no grupo e que chegou a ter acesso ao mais alto escalão. Informou que mulheres também estavam envolvidas e que os códigos secretos eram passados através de parábolas criptografadas.
No final, quando o advogado de defesa tomou a palavra, pouco pode fazer perante os fatos. Em primeiro lugar negou três vezes que estivesse envolvido emocionalmente com o caso, e que ali estava apenas em defesa da verdade. Falou ainda alguma coisa a respeito de fé, amor e compaixão e de como estava fazendo calor dentro da sua toga.
Logo o júri recolheu-se para deliberação enquanto o juiz Pilatos aproveitou para refrescar-se em uma bacia. Quando terminou de lavar as mãos o júri já estava de volta com a sentença.
Todos ficaram de pé para ouvir Jesus de Nazaré ser considerado culpado das acusações e sentenciado a morte. A comoção foi geral e vozes a favor e contra foram ouvidos na plateia. Ele saiu conduzido pela porta lateral visivelmente afetado e não parava de gritar que iria voltar um dia.
O caso parecia ter sido encerrado, porém três dias depois os jornais noticiaram sua fuga. Não havia deixado nenhuma pista, porém tudo indicava que ele havia escapado com a ajuda do pai, que como todos sabiam era o principal “mandachuva” da região.