A ÁRVORE DOS AGUARDAMENTOS
Havia há muito a mulher o deixara. Jamais se soube os motivos de sua repentina partida, pois de sua boca nenhuma palavra dita sequer a respeito. Remoía em mudez a calada esperança daqueles que não suportam saudades. A cada “o que aconteceu?”, “o que houve?”, “o que se passou?”, fechava-se ainda mais como uma ostra a resguardar sua pérola. E como é peculiar à natureza humana a insustentabilidade das interrogações, de logo se trocou pelas levezas das exclamações. Por dias e dias e semanas a fio, inúmeras foram as histórias geradas de tamanho assunto; tantos boatos, tantos rumores, tantos mexericos e versões, tudo servia e se moldava à curiosidade da vizinhança e dos adjacentes. As mentiras, de pronto, ocupam o vácuo das verdades desconhecidas.
O tempo e o silêncio são erosivos às bisbilhotices alheias. Esvaem-se as histórias, resta o mito, depois… o esquecimento. Contudo ele, negado de transitoriedade e de lutos, deixado às lembranças, edificara seu despovoado contorno com certezas quase insanas. Dizia a si só e somente a si que ela voltaria, um dia, com a mesma face meiga rubra de sol e olhos constantes, e aquele sorriso farto com o qual o envolvia que nem o mar ao afogar o rio.
Em sua longa espera cotidiana a descrevia para si diariamente, detalhadamente, como se para se assegurar que os anos podem ser apenas alguns dias. Feito uma Penélope invertida tecendo invisíveis tapetes, soterrou-se em seus escombros de memórias, perdendo os parentes, os amigos, os conhecidos… até que mais ninguém soubesse ou falasse de seu triste abandono.
Porém, conquanto se nutrisse de inúteis aguardos, houve momentos em que chegou a relutar das intermináveis esperas. Receoso, então, da demora e do cansaço, evitava pensar na morte dela, visitando aos sábados os cemitérios da cidade. Peregrinando de túmulo em túmulo, de jazigo em jazigo, vendo e revendo lápides, buscava não buscar encontrar o nome dela. Havia nele um ar de contentamento, embora o fingisse bem, todas as vezes que de lá se retirava, enquanto os outros chegavam levados de culpas e lágrimas. Felicitava-se assim pelos cadáveres que não tinham seu sobrenome. Foi dessa época, inclusive, seus derradeiros e restantes amigos, entre coveiros e mulheres rezadeiras.
Quando já decorado conhecia todos os mortos, seus apelidos e suas datas, enraizou-se no apartamento habitado de si, isolando-se dos entardeceres e das chuvas, sabendo agora, com uma certeza cada vez mais certa e inquebrável, que a morte a ela não chegaria. Eterna a mulher em sua ineternidade, existia ele somente de recordações, alheio ao falecimento das presenças e ao envelhecimento do sofá e das poltronas da sala onde permanecia em inalterável aguardo, nunca se permitindo ao sono – hábito costumeiro dos que não precisam das portas e das chegadas. Misturando-se aos segundos, solidificou o tempo a tal ponto que se um dia ela retornasse (o que era por demais improvável), seria como se estivesse ido apenas à esquina tomar sorvetes ou comprar um maço de cigarros.
Quem pudesse vê-lo em tão comovida espera o pensaria dormindo de olhos abertos frente à porta, cercado de desertos e poeiras. Mas ninguém mais o viu desde então, até que um dia, muitos e muitos dias após o dia em que ela o deixou, arrombaram a porta dos seus devaneios, e não era ela.
Surpresos, jamais entenderam a inconcebível visão de encontrar plantada no centro da sala aquela árvore gasta de seivas e sem frutos, cheia de musgos, com seus ramos crescidos por sobre os braços da poltrona, como alguém que quisesse abraçar o vento
Joaquim Cesário de Mello