FIM DE HISTÓRIA

Passei a metade da noite digitando no computador e tentando finalizar uma das minhas histórias... Que de fato era um capítulo da minha vida que eu tentava pôr um ponto final, mas enfim, eu continuava me sentindo só mais um otário com um texto incompleto... Um otário triste e cansado, como vinha me sentindo já há alguns anos. Resolvi desistir do que estava fazendo e tentar dormir. E realmente eu até tentei, mas me parecia uma missão impossível com o barulho vindo do apartamento ao lado. Perdi a paciência enfim, fui até a janela e gritei pra o vizinho pra ele enfiar a furadeira naquele lugar onde o sol jamais toca, e que ninguém ali precisava dormir mais do que eu. O cara apareceu na janela e disse que viria até o meu apartamento me encher de bala se eu estivesse achando ruim.

O filho da puta era policial e se achava o rei da cocada preta.

Fechei minhas janelas e ele continuou no serviço. Dessa vez fazendo ainda mais barulho.

Resolvi tomar um banho e me vesti para sair de casa. Andei até o bar mais perto e bebi até que o garçom me avisar que o bar já estava fechando. Voltei para casa cambaleando e quando virei a esquina, percebi que o meu vizinho tinha acabado de arrancar com o seu carro, acelerando no meio da madrugada. A mulher dele estava chorando no portão, e correu para dentro assim que me viu. Tive pena. Ou qualquer outra sensação que não sei a palavra certa pra descrever. Mas subi para o meu apartamento sem dizer nada e me joguei na cama ainda de sapatos. Acordei com o toque da campainha, no começo da tarde. Fui até a porta e abri. Dei de cara com a esposa do meu vizinho. Ela estava usando um vestido amarelo, tinha as unhas e os lábios pintados de vermelho. Estava realmente bonita, apesar da aparência de cansada.

- Bom dia. – Ela disse, com um sorriso amarelo.

- Bom dia. – Respondi, esfregando os olhos.

- Desculpe lhe incomodar. Mas eu poderia entrar?

- Tudo bem. – Falei, deixando que ela entrasse. – Não ligue para a bagunça.

- Tá tudo certo. Casa de homem solteiro é assim mesmo, não é?

- Deve ser. – Sorri.

Ela se sentou no sofá e colocou as mãos entre as pernas, como se não soubesse muito bem o que fazer, e tentasse escondê-las.

- Bem moça, o que eu posso fazer por você?

- É... Eu vim aqui pra pedir desculpas pelo comportamento do meu marido.

- Ele sabe que a senhora veio aqui?

- Não. E por favor, não me chame de senhora... Meu nome é Daisy.

- Tudo bem, Daisy... Você não acha que ele talvez ache ruim você ter vindo aqui?

- Bem. Estou pouco me lixando para o que ele acha ou deixa de achar.

- Entendo.

- Ele vai passar a semana fora. Só deve voltar segunda feira que vem, não precisa se preocupar.

- Não estou preocupado com isso.

Ficamos em silêncio nos olhando, mas enfim, ela desabafou.

- Meu marido tem uma amante.

- Sinto muito, Daisy.

- Não sinta. Eu sempre soube, mas ultimamente estou cansada da vida que levo.

- Eu realmente sinto muito, mas não sei exatamente o que lhe dizer – Continuei.

Ela enxugou as lágrimas nos olhos e se levantou do sofá.

- Tudo bem. Me desculpe por ter falado sobre isso. E por favor, me desculpe pelo meu marido. Você parece ser uma boa pessoa.

- Está tudo certo, Daisy. Não se preocupe.

Ela foi andando até a porta e eu abri para que saísse.

Daisy virou o corredor e foi até o seu apartamento sem olhar para trás.

Fechei a porta atrás de mim e voltei para a cama.

Dessa vez, tirei os sapatos e liguei o ventilador diretamente em cima de mim.

2

- Você é um porco! – Deu pra ouvir Daisy gritando do apartamento dela.

Depois eu ouvi barulhos de vidro quebrando e portas batendo.

- Se você continuar falando assim comigo eu parto sua cara em duas - Respondeu o marido com a voz engrolada de quem havia bebido.

Fechei as janelas para não ouvir e me tranquei no quarto. Liguei o som do computador e peguei um livro pra ler. Fui passando as páginas, sem que nada entrasse na minha cabeça até o ponto que adormeci. Acordei uma hora depois, por causa do calor e saí do quarto pra tomar um banho. Abri as janelas e percebi que estava tudo silencioso na vizinhança.

Eu esperei sinceramente que Daisy estivesse bem.

Fui até o banheiro e tirei a roupa. Assim que liguei o chuveiro, a campainha tocou. Me enrolei na toalha e fui até a porta. Abri e dei de cara com Daisy. Ela não falou nada e entrou. Fechei a porta atrás dela e ela sentou-se novamente no sofá.

- Você tem uma cerveja? – perguntou.

Concordei com a cabeça e fui até a geladeira pra pegar uma lata para ela.

Quando voltei, ela estava encostada na janela, batendo o pé direito freneticamente no chão.

- Obrigada. – Ela falou, quando lhe entreguei a lata.

Ela deu um gole e me olhou com um sorriso envergonhado no rosto.

- Está tudo bem, Daisy? – Perguntei.

- Não está. Mas agora estou pouco me fudendo.

- Bem. Se você esperar eu tomar um banho podemos conversar.

- Me desculpa. Eu invadi sua casa... não queria incomodar.

- Você não está incomodando. Espera ai que eu já venho.

Ela concordou com a cabeça e perguntou.

- Você se incomoda se eu fumar?

- De forma alguma.

Entrei no banheiro e tomei um banho rápido. Quando saí, ela estava sentada na beirada da janela com um cigarro nos dedos e com o vestido puxado até as coxas, exibindo metade das pernas. Enxuguei meu cabelo e larguei a toalha numa cadeira e me sentei na ponta do sofá.

- Então... O que aconteceu? – Perguntei.

Daisy saltou da janela e sentou-se perto de mim, no sofá.

- Eu não tinha dito a você que meu marido tinha uma amante?

- Disse.

- Pois é. Além da amante que falei, ele tem outra...

- Isso piora muito as coisas?

- O diabo está nos detalhes, meu bem.

- Então me fala desse diabo.

- Meu marido andava saindo com um travesti... ou transexual... sei lá... não sei nem como chamar.

- Complicado.

- Encontrei alguns vídeos no celular dele. Foi quando vi o ato.

- Muitos homens fazem isso escondido. Você não é a primeira mulher a passar por essa situação. Não que isso torne as coisas mais fáceis.

- EU SEI. Mas é foda ver o seu marido sendo enrabado por um travesti. E ele é totalmente homofóbico. Diz que odeia gay. Se pudesse botaria todos num campo de concentração.

- Bem. Geralmente os maiores homofóbicos são homossexuais reprimidos.

- Pois pra mim isso foi a gota d’agua.

- Você quer minha opinião na real, Daisy?

- Quero! – Ela falou, esvaziando a lata de cerveja e a deixando de lado.

- Porque é mais aceitável pra você que seu marido a tenha traído com uma mulher, do que com um travesti ou transexual?

- Não sei! Só parece ser pior... não sei explicar.

- Bem. Quem sou eu pra te julgar. Mas com travesti ou sem travesti, seu marido não parece ser uma boa pessoa para se estar casada.

- Você tem razão. Mas não é fácil botar um ponto final em vinte anos de casamento. Pelo menos até hoje parecia impossível. Mas para mim já deu.

- Que bom então. Você merece algo melhor.

- E o que seria algo melhor? – Ela me perguntou

- Alguém que te respeitasse.

Daisy se levantou e andou pela sala. Fez menção de acender um cigarro e depois se virou para mim.

- Você me faria um favor?

- Se tiver ao meu alcance.

Ela afastou as alças do vestido e deixou que ele caísse no chão.

Daisy era muito bonita. Deveria ter perto de quarenta anos, mas estava muito bem de corpo. Antes que ela tirasse o sutiã eu a interrompi.

- Daisy. Não acho que seja um bom momento.

- Você não quer? – ela perguntou envergonhada...

- Não é que eu não queira.

- Então o que é?

- Acho que não é o melhor momento pra você.

Ela recolheu o vestido do chão, envergonhada, e se recompôs.

- Me desculpe. Me desculpe. Não sei o que deu na minha cabeça.

- Está tudo bem, Daisy.

- Não, não está. – Ela respondeu e saiu do apartamento sem dizer nada. Quando fui fechar a porta que ela tinha deixado aberta, Daisy já havia desaparecido no corredor.

Me sentei no meio da sala e fiquei com os olhos presos no chão, pensando na dor daquela mulher. Minutos depois eu ouvi um estampido de tiro vindo do apartamento dela.

Corri até lá e percebi que a porta estava aberta. O meu vizinho estava estirado no meio da sala, coberto de sangue coagulado, e com uma faca enfiada na barriga... Parecia que ele já estava ali há algum tempo. Daisy estava sentada no sofá, com um revólver na mão.

Sangue escorria de um buraco em seu peito. Ela olhou uma última vez para mim antes de dar um suspiro e fechar os olhos. Nunca eu tinha visto um olhar tão triste quanto o dela naquele momento. Fechei a porta atrás de mim, em respeito à dor dela e me perguntei se Daisy tinha achado alguma paz enfim, naquele fim de história.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 13/01/2022
Código do texto: T7428662
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