O homem alegre e a mulher infeliz

A saída da sala de estar em direção à rua foi apoteótica. A alegria brilhava em seu peito estufado para fora. Tinha sol. Céu de um azul como nunca. Cantarolava uma canção bem sincopada de um uruguaio muito brasileiro e que sucesso naquela época fazia.

A música dava a ele um balanço no caminhar. E onde olhava lançava luz. Estava infestado deste poder alegrador digno de um Cristo: a flor meio caída se avivava, a criança birrenta se convertia em puro sorriso, o trabalhador sob o sol escaldante adquiria confiança. A música que apenas ele ouvia, tinha este poder sobre seu olhar no mundo.

"O mundo é um complexo de muitas formas e estados possíveis. A única perspectiva - aquela que não leva em consideração as possíveis - acredita que tudo se adequará àquilo que ela própria considera". Isto estava escrito em um livro que ela lia enquanto aguardava o ônibus. Sentia-se feia, fedida e traída pelo mundo inteiro. As abordagens a ela sempre eram as mesmas. Não havia nada de novo sob aquele sol: as mesmas frustrações, misturadas com os ódios de sempre, imperavam.

O homem que caminhava e que alegrava o mundo inteiro, considerou a mulher que esperava a condução a mais bela de todos os tempos. Sob o efeito do sol, da música, da alegria que projetava seu peito para frente no mundo e da vida sem nenhum problema relevante, verificou tudo nela belo: o contorno dos lábios, a textura da pele, o cacheado do cabelo, o aspecto do corpo inteiro dela.

Olhou os olhos da moça que olhavam para frente. Os olhos dela estavam em uma instância interna da mente que ele não teria acesso. "Se acaso pudesse saber mais... Dizer o quanto é linda! 'Devassar sua vida', como cantou o cancioneiro maior".

Na alegria extrema, o corpo se projeta para frente e está pronto a concretizar tudo aquilo que se relaciona ao prazer. O prazer deste corpo alegre, destes sentidos excitados, é entendido pelo portador como verdade universal de momento que todos sentem. Que todos devem sentir.

Partiu em direção à mulher e, com a confiança plena, e o coração cheio de planos futuros pautados no carinho e no amor, disse a ela:

- Oi! Tudo bem?

- Só se for para você!

A mulher se levanta e redireciona seu olhar para suas aflições, para seu mundo muito complexo que nenhum carinho ou sensibilidade descomplicaria.

Brusque, 05 de outubro de 2021.

Cleber Caetano Maranhão