Saudades do cachorro Piau
O cachorro Piau foi um companheiro de vida daqueles que a gente não se esquece nunca. Um amigo que guardo no peito com tanta saudade, que, tenho certeza que o deixaria bastante orgulhoso só de ouvir minhas homenagens pra ele. Um vira-lata magrelo, de pelo branco e meio barrento, e com focinho preto. Pense num bicho que chegou bem aluado da cabeça, querendo morder todo mundo lá em casa. Mas, que com o passar do tempo foi se acostumando com a gente, com nossa rotina e é claro, com a comida de panela que recebia todo dia pelas mãos de meu pai. Às vezes, ganhava até uma ou outra pelanca de galinha fervida e embolada na farinha pelas mãos de minha mãe também. Aí que dava pra ver a alegria nos olhos do danado.
Pouco a pouco me acostumei a também colocar comida e água pra Piau, e nesse meio tempo ia dando carinho de um jeito manso pra que ele não ficasse bravo comigo. No começo eu tinha medo porque ele sempre esbravejava sem motivo, querendo arrancar um pedaço do meu dedo, imagine que coisa. Mas foi indo, foi indo, foi indo, até que ele gostou de mim também. Ficou num grude danado. Se eu pensasse em sair de casa pra algum compromisso? Lá ia Piau escondido querendo me acompanhar, que nem ele costumava fazer com meu pai ou minha mãe. E eu gostava de ver ele vindo na minha direção, porque sabia que aquilo era sinal de amor, e bicho quando ama faz loucura pela gente. Só que eu precisava mandar ele de volta pra casa toda vez, então sempre gritava "Pra casa, Piau! Bora, anda!", ao mesmo tempo em que atirava alguma pedra solta da ladeira na direção dele. Dava um remorso grande de fazer isso, mas eu tinha que fazer.
Tudo mudou quando em um certo dia, Piau apareceu todo murcho no canto do quintal de casa. Nesse dia diferente, ele não quis saber de comida de panela nenhuma, nem mesmo das pelancas que minha mãe botava pra ele. Ficou arriado no mesmo canto o dia inteiro, não reagiu com o remédio embolado na comida que meu pai empurrou na goela dele. Não fez nada, nadinha. Quando eu cheguei perto dele, percebi o olhar cheio d'água, parecendo que queria chorar e dizer alguma coisa pra gente, mesmo eu sabendo que bicho não sabia falar, senti tristeza nos olhos dele e fiquei mais triste ainda...
Se passaram um ou dois dias, e no final de tudo, Piau não reagiu a tentativa nenhuma de cura. Aquele foi um dos piores dias pra mim, porque eu não conseguia parar de chorar e pensar no meu cachorro. Cada vez mais me vinha na cabeça a lembrança do pelo branco barrento dele, do olho que me pedia comida quando tava com fome, dele fugindo pra me encontrar na ladeira, de tanta coisa...