A Fábrica de Tortas

“Vamos chamar o vento” … Tia Célia cantava enquanto fazia tortas à mão. Mesmo tendo uma fábrica do tamanho da Rua S. Paulo e com todo tipo de tecnologia (em que funcionários faziam entre dez a doze tortas por hora, enquanto ela fazia apenas uma) continuava fazendo sempre à mão e ao som de Caymmi… num toca discos que tinha – talvez mais – que sua idade avançada. Nada acontecia naquela fábrica que Tia Célia não ficasse sabendo; Desde o mínimo trocado por balas de melaço, até uma Torta Vienense encomendada três dias antes… Seus olhos eram um misto entre águia e leoa. “… A jangada voltou só”. O que jangadas tinham a ver com tantas tortas? A acústica da fábrica fazia com que até quem estivesse no banheiro aprendesse a cantar. (…) Na semana seguinte em que tia Célia morreu… sua filha tomou seu lugar. Com as mesmas vestimentas e a mesma cantoria, num timbre menos rouco e muito menos exausto. Era como se nada tivesse mudado. Os funcionários estranhavam por poucos minutos, e logo sentiam Caymmi ecoando por todos os lados, junto ao cheiro doce, passado de mãe pra filha… atingindo e acalmando espíritos e corações saudosos e tristes de luto. Torta de maçã… feita à mão… feito com toda a tarde e toda a calma, enquanto todos faziam outras; entre dez a doze unidades por hora. A fábrica de tortas da Tia Célia continua lá, funcionando… “Vamos chamar o vento…” … e o que é que esse vento tem a ver com essas tantas tortas?

*conto escrito em 2007.

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 04/01/2022
Reeditado em 04/01/2022
Código do texto: T7421908
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