Um ensaio sobre olhos
Tenho olhado mais o céu do que o chão e quando se faz assim, se perde a direção dos caminhos, se perde a percepção de todo um chão, o medo que tenho é de cair e achar que estou voando. Voa quem tem asas para voar, eu não tenho asas, esse sinônimo de liberdade que a humanidade tenta conquistar há anos, eu tenho apenas os olhos, olhos que enquanto presos ao meu rosto, se constroem na liberdade de encarar o mundo, de percebê-lo como parte de mim e isso só se faz com quem deixa de procurar o sublime. Quem se entende como parte do mundo se encontra sublime.
Com os olhos, tenho observado lagos, o movimento das árvores, os mares, as poentes e nascentes do sol em São Paulo e sua chuva inconveniente, e o que vem de forma avassaladora em minha mente é que, isso nada tem para me dizer. Que que será que pensam os artistas ao verem essas coisas? Para os poetas que dizem que o mar os trazem poesias? Para os pintores que dizem que o céu é uma paleta de cor infinita? Para os músicos que dizem que cada gota de chuva é, na verdade, uma melodia? Isso nada tem á dizer, certo? Quando meus olhos tentam se comunicar com todas essas camadas, são retribuídos com nada mais que um silêncio, um silêncio mudo, sem nenhum pensamento artístico ou devaneios de filosofia profunda, não há sequer um eco que me diga uma palavra. Mas hoje, ao olhar o céu, entendi. Entendi que essa é a linguagem do mundo, que graça teria se o sol nascendo ou morrendo, nos dissesse alguma coisa profunda? Que graça teria se a chuva cantasse uma canção que nos fizesse entender a existência divina da humanidade? Que graça teria se o céu viesse ao chão e nos mostrasse o destino de cada acaso? Eu lhe respondo: graça nenhuma! Hoje ao tentar escrever mais uma carta de amor, percebi que tanto eu quanto o mundo insiste em tentar comunicar o incomunicável, o desconhecido.
Na carta, descrevia meu amor com um despudor sujo, humano e cru. Meu amor aos olhos de minha amada, é quase como uma ofensa, pode ser visto até como uma forma de má criação. O mundo aos olhos de quem não se vê e também não vê nada, pode ser entendido da mesma forma. Afinal, não é preciso saber sequer uma palavra para o entendimento do mundo, bastam os olhos. Bastam os olhos? Não. Os olhos da alma somada ao espírito e a carne, esse sim bastam, são esses que leem as palavras com seu peso e significado real e não esses desenhos criados para designar as coisas que não criamos e não entendemos, também para as coisas que criamos e também não entendemos.
Olhe o mundo e entenda de maneira profunda que as estrelas nada mais são do que a ânsia da contemplação, que o céu nos diz muito e nos permite já não mais ver a vida como um fato trágico, que o mar é um sentimento e para quem realmente sente, cada sentimento é um oceano e quando posto á beira do peito é só se permitir transbordar.
Olhe os olhos e veja, veja os sentimentos tatuados nas cores e no brilho, as fotografias do mundo presas nas linhas, as dores e amores pulsando como um coração em um ponto negro, a humanidade desenhando a moldura de toda essa beleza, olhe os olhos e os pinte á óleo em cada corredor da sua mente. Descubra uma nova forma, uma nova cor, um novo som e pergunte aos olhos o que essa tal forma sem sentido quer dizer. Afinal, covardes são aqueles que por pleno medo assumido e pintado no ser, não se permite ver, entender e compreender a forma, o corpo, o mundo e sobretudo, os olhos.