Ninguém desejou um Feliz Natal para Érica

Não havia tristeza por parte de Érica naquele 24 de Dezembro. No quadro branco que existia em seu quarto, dentre as muitas frases ali escritas, uma que dizia “colhes o que plantas”. Érica plantou o silêncio direcionado a ela.

Não que Érica tivesse construído, ao longo daquele ano, inimizades na escola ou nas redes sociais. Bem da verdade, ela começou o ano falante e agregadora, rodeada de colegas que se alegravam e queriam sua companhia.

Mas ao longo do mês de abril, ao regar as plantas da casa por dias seguidos, pôde constatar algo que até então não tinha observado: o excesso de água estava matando boa parte das plantas. Violetas, samambaias, comigo-ninguém-pode, margaridas, um lindo vaso de babosas gigantes, dinheiro-em-penca... As plantas agonizavam diante de Érica. Nenhum adulto da casa tinha lhe ensinado que as plantas não deveriam ser regadas todos os dias. Os adultos da casa, não se importavam com as plantas desde que o vovô de Érica foi embora. Apenas Érica se importava.

A menina teve uma intuição adulta. Daquelas intuições que arrasam adultos desiludidos com algum acontecimento de desgosto, geralmente, provocado por outra pessoa. Associou o excesso de água nas plantas ao excesso de colegas que tinha ao redor. Assistiu a um vídeo no qual um jardineiro, falava dos perigos de muita água para as plantas.

Na medida em que Érica diminuía a frequência com a qual regava as plantas, diminuía, em igual proporção, o contato com os colegas de sua idade. Com os professores e adultos, não era necessária a diminuição, pois, por si só, eles eram indiferentes a ela.

Érica, portanto, não respondia mensagens. Não estava presente nas festinhas, nos passeios, nas rodas de conversas, nas brincadeiras. Os colegas berravam seu nome para que viesse, mas, calculadamente, ela não interagia. Érica foi confeccionando um imenso tecido ao redor de si, no sentido de se isolar dos demais. Não queria, como as plantas, morrer.

Após a ceia de Natal, os adultos da casa se retiraram para seus quartos. As barrigas inchadas dos alimentos natalinos geraram sono neles. Ao invés de um “Feliz Natal”, os adultos desejaram um “Boa noite” à Érica. O “Boa noite” dos adultos, foi a constatação de que a atitude de não mais regar, com água alguma, a atenção e estima dos colegas, resultaria na primeira noite de Natal sem votos para ela, desde a partida do vovô.

Consciente do que produziu, nenhuma mensagem recebeu. Sozinha, sentada à ampla mesa da sala repleta de pratos sujos de refeição recém-realizada, ninguém desejou um Feliz Natal para Érica.

Florianópolis, 24 de Dezembro de 2021.

Cleber Caetano Maranhão