O ENTERRO DE GUSTAVO

Gustavo acordou muito cedo. Foi ao banheiro, tomou banho, fez a barba e tomou café. Ligou o rádio para ouvir o noticiário da manhã, mas o rádio estava fora do ar. Então o rapaz se pôs a ler a bíblia o que ele gostava muito de fazer nas horas vagas apesar de não ser um homem religioso. O relógio da parede da sala dizia que eram oito horas. Gustavo, então, sai para o trabalho que ficava próximo de sua casa na Rua Itabaianinha. No pequeno percurso até o salão Gustavo não viu uma alma se quer. A rua estava completamente vazia. Ninguém varria as calçadas, ninguém vendia leite. A Rua Itabaianinha estava absolutamente deserta. O rapaz, barbeiro como seu pai, abriu o salão e se pôs a esperar os clientes. Hora ou outra, ele ia até a porta ver a rua. Nenhuma alma, nenhum cachorro ou animal caminhava pela velha Rua Itabaianinha. As horas foram passando, o meio dia chegou e Gustavo fecha o salão para ir almoçar. No retorno, a mesma coisa – ninguém no mundo. O rapaz, então, pensou: “Onde estão as pessoas?”

Gustavo esquentou a comida no micro-ondas e sentou-se à mesa da sala de jantar para comer. Gustavo achou estranho não haver pessoas em uma das ruas mais movimentadas de Campos. Gustavo almoçou e ligou o rádio para ouvir o programa “Hora da Verdade”, mas, o rádio continuava fora do ar. O rapaz, caboclo, de estatura média, olhos castanhos e cabelo preto liso decide voltar ao trabalho por outro trajeto. Para sua surpresa e espanto não havia ninguém na rua. A única coisa que se movia era o vento que soprava forte e arrastava o lixo para dentro das casas. “Mas, o que é isso?” Perguntou Gustavo a si mesmo. A resposta ele não sabia. Por isso continuou a caminhar até o centro da cidade. Na rodoviária, os ônibus estavam estacionados, mas, não havia ninguém. Os taxis também estavam lá, contudo, os seus motoristas haviam sumido.

Gustavo caminha até a Avenida Sete de junho, a avenida mais movimentada da cidade. A mesma estava vazia. A Praça do Cruzeiro não tinha um pé de gente. As lojas, e bares fechados e o vento forte soprando os papeis soltos pelo chão. Gustavo para a caminhada ao pé do monumento a Tobias Barreto, o poeta de Campos. Senta, e começa a meditar: “Onde está o povo da cidade?” “Deve ter acontecido alguma coisa muito séria”. “Mas, se tivesse acontecido alguma coisa assim ou pai ou mãe teriam me falado ontem”. Gustavo vai até a casa de seus pais que ficava atrás do fórum da cidade. A casa estava fechada. Não havia ninguém. “Mas onde estão eles?” Decididamente Gustavo não tinha respostas. O rapaz, então, volta para casa com o intuito de aguardar alguém aparecer.

De tarde o sol fica atrás da casa do moço Gustavo por isso na frente da casa há sombra. Gustavo põe uma cadeira na calçada e se senta para passar um tempo e ver se aparece alguém na rua. O rapaz lia a bíblia e de vez em quando dava uma olhada para direita e para a esquerda para ver se via alguém. Mas, infelizmente, o mundo estava sem gente. Parecia que somente ele existia no mundo. Sua mente se dividia entre a leitura do livro sagrado e os pensamentos sobre o ocorrido: “Deve haver alguma explicação”. “Não pode ser. As pessoas não desaparecem assim desse jeito”. “Até dona Maria sumiu. Uma hora dessa ela estava em grande prosa com as amigas na frente de sua casa”. O rapaz se levanta e caminha em direção a casa de dona Maria. Do portão ele grita “Dona Maria!” Nada. Nenhum som sai da casa. Estava tudo deserto. A cidade era só prédios e casa e nada de gente. Ele ficou na calçada até escurecer depois entrou para comer alguma coisa. Ele estava preparando um sanduiche para comer com suco de maracujá quando escuta uma pessoa batendo no portão. O rapaz dá graças a Deus e corre até a porta para atender. Era um homem vestido em terno preto com camisa branca e gravata vermelha. O homem pergunta se pode entrar para falar um pouco. Gustavo o põe para dentro e os dois começam uma prosa:

- Graças a Deus que apareceu alguém. A cidade está totalmente deserta. O que está acontecendo o senhor pode me dizer?

- Não. É impressão sua. A cidade não está vazia. Olha eu aqui.

- Mas eu andei até a avenida sete e nada de gente. O homem se ajeitou na cadeira, coçou a garganta e continuou:

- Seu Gustavo, na verdade eu estou aqui para fazer uma pesquisa.

- Que pesquisa? Perguntou o rapaz curioso.

- A prefeitura quer saber do bem-estar das pessoas. Eu posso te fazer algumas perguntas? Gustavo concorda em fazer a pesquisa, mas, continuava curioso sobre o sumiço das pessoas.

- Seu Gustavo quantos anos você tem?

- Eu tenho 37.

- Qual é sua ocupação?

- Eu sou barbeiro há vinte anos.

- Moram quantas pessoas com você?

- Eu moro só. O homem abre uma pasta e tira uma ficha de dentro e diz que segundo o município moram três pessoas na casa.

- Não, isso é um engano. Eu sempre morei só. O homem frangiu a testa e coçou a barba e diz:

- Pois bem. Deve ser um erro no sistema. Mas, qual é a sua renda?

- Eu acredito que faço uns três salários por mês. A entrevista durou uns trinta minutos. Outras perguntas foram feitas e Gustavo respondeu a todas. No final o homem pede para olhar a casa. Gustavo mostra a casa de dois quartos e um banheiro com sala e cozinha e em seguida eles se despedem, mas, no portão homem de terno preto faz uma observação: “Seu Gustavo o senhor gosta de cama de casal, pois eu vi uma no seu quarto.” Gustavo balança a cabeça em sinal de concordância e diz: “É mais espaçosa eu acho”.

O barbeiro de Campos fica a pensar no ocorrido: “Graças a Deus que está tudo bem amanhã cedo eu vou para feira e depois vou para o salão”. Gustavo liga a TV, mas, a mesma estava fora do ar. O rapaz se desliga um pouco no sofá a espera que o sinal volte. Em alguns minutos corridos a televisão começa a emitir sons. Eram vozes. Gustavo se anima e percebe que o sinal estava voltando. Atento a TV ele se esquece um pouco do tempo. As horas passam e as vozes aumentam. Era a voz de uma mulher que repetia aflita a sentença: “Saia daí!” Gustavo pensou ser um filme, mas, como o sinal estava ruim não dava para assistir. O rapaz pega no sono no sofá finalmente.

Por volta das três da manhã ele acorda de súbito com o barulho de passos dentro de casa. Os passos saiam de seu quarto, passavam pela sala e iam até o quintal. Ele se levanta para ver o que é. Não era nada pensou ele. Tornou a dormir e desta feita sonha com uma mulher toda ensanguentada a lhe dizer que ele devia ir para a Igreja Matriz: “Vá para a igreja lá você vai entender o que está acontecendo”. Apesar de ler a bíblia, Gustavo não era um homem de religião. Ele não frequentava nenhuma igreja e expulsava a todos que iam lhe visitar com o intuito de lhe convencer sobre estas coisas.

Gustavo fez o ritual de sempre: Banho, barba e café. Depois foi para a feira. No caminho ele não viu uma alma no mundo. A cidade continuava deserta. As ruas vazias davam uma triste impressão. Na feira as barracas estavam postas, mas, não havia um pé de gente. O rapaz novamente se admira com o ocorrido e continua sem respostas. Ele anda por toda a feira. Próximo ao mercado da carne ele avista uma mulher negra vestida de preto com um lenço vermelho na cabeça. A mulher vendia ferragens e facas. Ela gritava alto com toda a força de seus pulmões: “Oia a faca de primeira. Essa corta até pensamento”. Gustavo se admirou de vê-la ali e se aproxima dela, e na medida em que ele chega perto da criatura ela grita como se estivesse furiosa com ele: “Onde está a criança seu bandido, marginal da peste?” Gustavo não entende as palavras da mulher. Pensou ele que ela o estava confundindo com outra pessoa. A mulher se levanta do tamborete, arregala os olhos avermelhados e abre a boca cujo maxilar inferior se desloca e de dentro de sua boca sai sua língua cuja extremidade é a cabeça de uma cobra, e esta se enrola no pescoço do moço Gustavo. A língua cobra sufocava o pobre homem e se não fosse um garoto vestido de vermelho que apareceu de repente ele tinha morrido. O menino dizia: “Solte o homem Dolores. Deixe-o em paz!”

Gustavo volta para sua residência atônito. Sua mente agora estava mais confusa. Ele liga o rádio para ver se consegue alguma notícia, mas, o rádio era só vozes de pedido de socorro. Hora uma mulher gritava “socorro”, hora uma criança dizia “ajude-me por favor”. O rádio estava enlouquecendo o pobre barbeiro por esta razão ele o joga no chão com o intuito de quebra-lo, contudo, mesmo em pedaços as vozes continuavam a falar e a pedir socorro. Gustavo sai de casa e vai para o salão. Lá ele encontra uma faca manchada de sangue. “Mas, quem pôs isso aqui?” “Meu Deus isso não está acontecendo”. Pensou ele.

Meio dia o sino da Igreja Matriz toca. O badalar do sino era pausado. Isto significava que era um enterro. Gustavo decide ir ver o que estava acontecendo. Ele caminha pelas ruas desertas até a matriz. A praça da igreja estava lotada de pessoas. Ele pensa consigo: “Ah, agora entendi. Alguma coisa muito séria ocorreu em Campos para o povo todo estar aqui”. Com dificuldade ele se aproxima da entrada da igreja. Os comentários em voz baixa diziam: “Oh, meu Deus tão novos. Como aconteceu uma coisa dessa”. O padre dava os últimos ritos aos três caixões dispostos próximos ao altar. Gustavo entra na fila para se aproximar dos caixões. Nesse momento, em sua mente surgem lembranças de quando ele era rapazinho. Os tempos em que ele brincava com seus amigos na Lagoa da Porta. “Gustavo vamos atravessar para o outro lado. Vamos ver quem chega primeiro!” Gustavo também gostava de jogar bola com os amigos no bregerão: “O meu time é Gustavo, Zé, Raimundo e Aparecido”. Gustavo vê seus pais ao lado dos caixões e se pergunta o que é isso afinal, e porquê que as pessoas não falavam nada com ele. Os caixões estavam abertos. Gustavo se aproxima e vê seu corpo deitado coberto de flores. Ao lado uma senhora deitada em outro caixão. O terceiro caixão era menor. Nele estava uma criança de oito anos mais ou menos. Ao ver a cena sua mente entra novamente em pânico e novas lembranças surgem na sua mente cansada. Aqueles eram mulher e filho que morreram na última quinta-feira esfaqueados por Gustavo. Houve uma discussão entre ele e Natilene sua esposa por causa de ciúmes. Gustavo achava que sua fiel esposa estava a traí-lo. A revolta do moço foi grande. Natilene dizia que ele tomasse o remédio para se acalmar, mas Gustavo não atendeu aos clamores de sua amada. Então quando a noite caiu, eles voltaram a discutir. Gustavo pegou a faca nova que havia comprado e matou a todos e depois se matou.

O espírito Gustavo acompanha o enterro até o cemitério da Rua do Amparo. O serviço é feito. Ele espera todos irem embora. Quando tudo se silencia ele se senta sobre seu túmulo e fica a pensar...

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 21/12/2021
Código do texto: T7412031
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