Banho de cuia
O sertanejo raiz resiste em acreditar na existência da seca e, quando a seca se alastra, apenas se pede a Deus, com muita fé, pelo retorno das chuvas. No entanto, nesta nossa cidade, anualmente, ouvia-se o lamento das famílias, especialmente as mais pobres, pela falta de água e comida. Na roça, a morte das reses por falta de água e alimento fazia parte da cena – entra ano, sai ano, e os problemas com fome e sede persistem. Porém, assim como na atualidade, o que se ouvia era o discurso vazio de políticos, prometendo muito e fazendo pouco ou nada.
Abro parênteses no meu relato político socioambiental e peço desculpas de antemão por relatar um problema menor, mas que ficou gravado na minha memória: o desconforto dos banhos nos períodos de seca. Havia duas opções: banho de cuia ou banho de bacia. Chuveiro, poucos sabiam o que era isso e, se existisse, seria inviável naquelas circunstâncias. No banho de cuia, a água aquecida no fogão a lenha ou de carvão era colocada em um balde, lata ou até mesmo na própria panela utilizada para aquecimento. A quantidade disponível era sempre insuficiente para banhar o corpo, daí a necessidade da cuia como estratégia para economizar o máximo possível – um pouco de água para umedecer, uma película bem fina de sabão e mais um pouco de água para retirar a pouca espuma formada. Após o banho, era comum a sensação pegajosa do sabão não eliminado do corpo.
Já o banho em bacia de alumínio era mais eficiente na economia de água, pois a mesma podia ser reutilizada, permitindo molhar o corpo mais vezes. O problema estava na má qualidade da água de reuso e/ou no tamanho dos usuários. Quando pequenos, a bacia funcionava muito bem; porém, à medida que se crescia, era uma verdadeira arte de contorcionismo sentar sem impedir que a água saísse pelas bordas. Além disso, era vital deixar um espaço vago entre o corpo e a bacia para retirada da água utilizada para se banhar, o que era quase sempre muito complicado. Ficar em pé na bacia era outra alternativa, mas, nesse caso, o reuso seria prejudicado, pois grande parte da água se perderia durante a lavagem. Difícil, muito difícil imaginar situação similar para quem não passou por essa experiência e até para os que passaram, mas se apressaram em esquecer. E a água usada e reutilizada? Se o banhista estava com os pés sujos de terra, o que era muito comum, a mistura de água terrosa se espalhava sobre o corpo, e lá se ia a sensação de banho tomado.
Nos finais de tarde, na hora do banho, o estresse se estabelecia, pois todos se preparavam para garantir a primazia do único banheiro, geralmente localizado nos fundos da casa por ser quase descartável. A discussão rolava solta, e os mais espertos ou inventivos sempre encontravam formas de burlar a regra não explícita, mas aceita, baseada na idade. O grupo dos inconformados, os mais novos, e os não espertos o suficiente sofriam e, ao mesmo tempo, torciam para que a água acabasse logo: afinal de contas, para que serviria mesmo o banho?