Conversa

Dor na garganta: eram palavras presas. Quando insistimos em reprimi-las dentro de nós, criam espinhos que crescem a cada instante, rasgando cada vez mais o espírito. Encarava, do alto, a lua. O movimento era pouco nesse horário, mas via alguns poucos transeuntes: a garota dos remédios, alguns enfermeiros indo se trocar, colegas seus, se recuperando, indo em busca de qualquer-coisa. Parecia uma coruja, ali, despercebido, oculto, mas alumiado de prata. Era bom sumir da existência telúrica e ensimesmar sob a hipnose lunar. Sabia que poderia ser melhor, porém. No fundo aquilo era uma auto-tortura. Se castigava por causa da própria covardia que, nessa confusão, justificava. Quase todos os dias ia pra cima daquele telhado para curar-se e flagelar-se. Tentava buscar a paz no desastre, a bonança na tempestade; o mal da idade. A alma pede socorro a cada expiração e toca uma outra que já é livre dessas preocupações, e ela surge de repente, para ajudar. O que é um pequeno susto comparado ao medo perpétuo de cair num precipício? Não sabes que já caíste faz tempo? O que estás a fazer é subir o mesmo precipício para jogar-se novamente. As bofetadas doem mais quando, refletindo o motivo de tê-las recebido, percebe que são justas; antes de tudo: necessárias. Era a primeira vez que fazia companhia, apesar de há umas noites já tê-lo percebido ali. Tinha sim suas dores pessoais. Mas o destino sabia que ele poderia ajudá-la e vice-versa. Dor por dor, diferenciam-se sim, mas as lágrimas são uma coisa só, formam rios e desaguam no mesmo oceano. Pensamentos levados pela correnteza de lamentos uniram-se nesse mar para serem alcançados pelo sol de cada um e se evaporarem, elevando-se ao céu, se libertando. O mesmo semblante de surpresa ao ouvir o necessário, aquilo que parecia tão simples, mas a visão embaçada apagou. Um limpou a lágrima do outro, agora o horizonte se fazia limpo para ser visto. Cada um sabia o que fazer. Um agradecimento tímido e os rostos se voltaram para a lua, enorme. Amanhã não hão de sofrer mais.

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 13/12/2021
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