Ilustração: Genildo Ronchi

 

 

_________________DIAS DE ENGENHO

 

 

Em dias de moagem, a lida no engenho começava era cedo. Ainda na madrugada, o vozeirão do pai já travessava o vão entre as paredes e as telhas:

— Vamo levantá, gente! Levanta, levanta todo mundo, vamo garrá no sirviço!

A cana já aos montes, à porta do engenho. Joaquim, o ajudante, ia tocando os bois, que ruminavam sonolentos. Todo mundo se aviava. Maria, minha mãe, ia junto. Era ainda uma menina, mas já valia para ajudar. O dia era cheio. Cana na moenda, os bois  andando de roda. O caldo doce e escuro escorria nas tachas de cobre e ao calor das fornalhas levantava fervura. Nas mãos fortes de Tavico, o irmão acima de Maria, a escumadeira ia aparando a espuma que boiava por cima. O ar cortado pelos gritos do tocador de bois, ecoava na matinha abaixo da bica d'água: Cigano! Sereno! Manhoso! — o dia também era manhoso aos olhos infantes de Maria.

Aos poucos, o melado ia engrossando, tomando corpo. Pedrinho, o irmão do meio, gritava o recado da fazenda das Grotas: — Sô Jeromo pede encomenda de caramelo temperado com limão —. O pai mandava Dina, a filha mais velha, anotar: não podia desfeitear o cumpade com algum esquecimento. Nas tachas de cobre, o doce  apurava no puxa-puxa. O dourado borbulhante avisava do ponto e o cheiro cítrico-adocicado enchia os sentidos.

Tavico batia a massa no gamelão, e Maria acudia em alguma precisão. Eita, labuta danada! Diligente, praqui, prali, o pai pedia tino. Tomassem cuidado. Fossem com zelo. Quebrasse uma beiradinha na rapadura, a mercadoria era condenada. A noite chegava com as barras vermelhas, cheirosas e macias secando nas formas de madeira.

O dia no fim, pedia o colchão afofado com palhas novas. O corpo cansado entrava em vigília e Maria já escutava a voz do pai retumbando na casa:

— Vamo levantá, gente! Levanta, levanta todo mundo, vamo garrá no sirviço!

 

 

Tema da semana: A infância da mãe. (conto)