A Receita
No beco, do Umarizal, morava Rosa e Carmita, que com as suas idades avançada ainda estavam solteiras, porém na esperança de arrumar um noivo. Bastava tomarem conhecimento de algum, que se pelavam, de inveja. Desejo, que desde a adolescência formigava na alma dessas moças. Aliás, Rosa na verdade, ainda nova já era viúva, após um ano de casamento o seu marido acidentou-se e veio a óbito. Já Carmita namorou um tempão com um rapaz de outro bairro e veio descobrir, que ele já era casado.
As duas amigas viviam o seu dia a dia, com lavagens de roupa e de diárias nas casas das pessoas e ao anoitecer, como não tinha televisão, se punham a prosear na casa de dona Clarice. Assim passavam a maior parte de suas vidas.
Acontece, que acabou o sossego, quando foi morar no beco, Ploteu, um rapaz que pouco se sabia dele, apenas que era solteiro e que tinha duas filhas moças, de outros casamentos. Mas que começou a encantar aquelas moças sem fazer muito esforço. Visto que o estado de carência, as vezes, é o principal propulsor. Bem entrosado, Ploteu começou a protagonizar o sentimento das duas moças, onde Rosa fazia as vezes da raposa e das uvas, já Carmita com menos suporte, pra sofrer nas esquinas do seu quarto, deixou de lado o social e partiu pra vanguarda e se declarou ao rapaz, que observando o trato acabou aceitando.
Conversa vai e conversa vem, os dois ficaram noivos e Rosa ficou a parte com muita raiva da amiga e de Ploteu. Acredita-se, segundo os estudiosos da situação, que era paixão recolhida.
Ai veio a ideia de dona Clarice, em fazer uma festa em sua casa e convidou meia vila, onde o beco quase todo estava lá.
Uma noite enluarada, com a música do tempo e muitos se divertindo abessa, dançando, jogando conversa fora e comendo. Lá pelas vinte e três horas, não bastando a festa, alguém resolveu chamar pra si a atenção de todos. Carmita foi chamar o noivo pra irem embora, se sentindo a senhora, porém ele que estava em uma mesa bebendo e conversando com Rosa, Darci e Orlando, não assimilou bem o recado e de súbito olhou-a de lado, e disse: - Por que bem já queres ir embora?
Ela inocentemente enciumada respondeu: A mamãe e o papai já estão cansados e acho que já chega também, pois amanhã cedo tenho a casa da dona Tetê pra arrumar.
Sem nó na língua, característico dele respondeu: Filha, não vou casar com o teu pai ou tua mãe. Vá se você está cansada, eu vou ficar um pouco mais.
Sem muito tato também, ela não se fez de rogada, tirou das mãos a aliança e jogou no chão dizendo:
- Acontece, que quando a gente escolhe a mulher, casa com a família e nós já vamos embora.
Esse fato foi o comentário do resto da noite, que incomodou o rapaz a ponto dele, logo em seguida ir-se também.
Casamento desfeito e o comentário afinado no ar. A mãe de Carmita deu a sua declaração, dizendo aos quatro cantos:
- Graças a deus, que eles se deixaram. Eu rezava todas as noites pra não ir a frente, porque o meu coração dizia que ela iria sofrer muito, nas mãos dele. Afinal, desde que conheço esse homem não o vejo trabalhar.
Sob essas declarações no beco, começaram a surgir outras de que a última esposa dele, passou o maior perrengue, pois ele teria colocado a cabeça dela dentro da latrina e puxado a descarga. E que por fim, com a primeira mulher era uma surra a cada parte do dia. No entanto, em meio a todas essas falácia, Rosa, sem qualquer restrição, anuncia o seu noivado, justamente com o dito cujo.
Quando chega à casa da dona Clarice três primas Maria, Jandira e Juliana, atrás da receita para casamento, pois ambas estavam passando também da hora de casar. E vieram atrás de seus pretendentes, visto que Isabel, filha de dona Clarice, quando esteve em Ponta de Pedras teria afirmado, que lá no beco tinha muitos homens solteiros. Então Maria, mesmo passando dos quarenta, se desinibiu e só queria um homem que tivesse carro; Jandira, que pelo menos trabalhasse e Juliana, que pelo menos tivesse a idade dela.
Em meio a todo esses ingredientes, a comunidade resolveu fazer um baile da saudade, que de cara marcou as três irmãs, por suas declarações exigentes e por sua cultura interiorana, os rapazes começaram a chama-las de damas do apocalipse… a fome, a peste e a guerra.
Mesmo com toda essa zoeira, Ploteu se apaixonou pela Juliana e deixou de lado Rosa, que muito chateada fez um tremendo barraco por ele na frente da casa da dona Clarice.
Fato que acabou por fazer ambos, saírem dali as escondidas no meio da madrugada e irem morar juntos no interior.
Sob esses ares e tantos disse, me disse, ao amanhecer, o beco voltou a ter a paz e a receita exata pra quem estava solteiro, permanecer solteiro.