A gata que lia a Bíblia
Beatriz, como o nome já sugere, era muito religiosa. Demais. Tanto que colocou em sua gata o inusitado e pretencioso nome de Papisa. Linda e peluda a Papisa, com seu enorme e vistoso rabo cinza de raposa.
A bichana foi crescendo e, lá pelas tantas, escolheu um dos móveis da sala como seu preferido para as suas 19 horas diárias de sonecas felinas. A peculiaridade daquele móvel era que sobre ele ficava, aberta, a Bíblia da família. Nada demais, até que Beatriz começou a reparar num hábito de Papisa: ficava parada, em frente à Bíblia, por longos momentos durante o dia. Estranhou aquilo, achou esquisito a gata ficar olhando para as páginas do Livro Sagrado.
Certa noite, levantou-se da cama para ir ao banheiro fazer o número um e, na penumbra da sala, viu Papisa lá, em frente à Bíblia, como que concentrada. Ao voltar do WC esticou os olhos pra sala e constatou a gata permanecia no mesmo lugar, imóvel. Chamou-a pelo nome e recebeu de volta uma singela virada de cabeça e um longo e intenso fitar daqueles grandes olhos amarelos, mais nada. Teve a impressão de que Papisa a repreendia pela interrupção indevida.
Passadas algumas semanas, Beatriz reparou que as páginas da Bíblia estavam levemente arranhadas. Entretanto, o que mais lhe surpreenderia seria que, a cada manhã, a página aberta estava muito adiante daquela que deixara na noite anterior. Ficou verdadeiramente encafifada com isso. Como podia? “Isto é incrível”, como diria o Sílvio Santos. Claro que tinha de tirar isso a limpo e, como não seria possível perguntar pra Papisa, resolveu ficar à espreita durante a noite, a fim de descobrir o que acontecia.
De tão curiosa, nem reparou que era virada de quinta para sexta. Sexta-feira 13. Estrategicamente acomodada em seu quarto, deixando a porta entreaberta, com boa visão para a sala e o móvel, flagrou no início da madrugada Papisa subir no móvel e parar diante do livro, como de costume. Após uns poucos minutos, estarreceu-se em ver a gata esticar a pata e tocar o livro, roçando até conseguir trocar de página. Novamente ficou parada por alguns minutos e repetiu a ação. Na quinta vez que isso se repetiu, Beatriz ficou perplexa ante ao inacreditável que, com os olhos azuis dados por Deus, via. Foi tamanho o seu espanto que lhe escapou um longo o sonoro OOOHHHHH.
Papisa ouviu, voltou-se para Beatriz e a encarou com aqueles grandes olhos, mais amarelos e brilhantes do que ela jamais vira. Beatriz sentiu medo, pois aquilo era algo verdadeiramente incomum e, quase, sobrenatural. Um longo tempo passaram naquele duelo visual. Retomando o controle, Beatriz abriu a porta e se dirigiu pelo corredor que dava até a sala. Papisa calmamente voltou-se para o livro. “Há de ter uma explicação racional para isso, claro” – pensou Beatriz. Acendeu a luz do abajur e parou atrás da gata, que continuava concentrada.
Viu que Papisa parecia ler uma página do Evangelho de Mateus, mas especificamente do capítulo 16. Então, aconteceu. Uma voz que parecia a de uma criança, muito plácida e delicada, soou, lendo a página:
- “Você é feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que lhe revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. Por isso eu lhe digo: você é Pedro, e sobre essa pedra construirei a minha igreja, e o poder da morte nunca poderá vencê-la”.
Entretanto, o inteiro pavor somente se apossou de Beatriz quando Papisa a fitou e disse:
- Tanto procurei que encontrei o motivo do meu nome neste livro. Pedro, o papa; eu, a papisa.
Foi um choque insuportável. Beatriz desabou no chão, inconsciente.
Pela manhã, acordou em sua cama, molhada de suor, atordoada e dolorida. A lembrança da noite lhe veio como que um tabefe. “Como vim parar aqui?” - perguntou a si mesma. Esticou o olho para o corredor, em direção à sala, e lá estava, como sempre, Papisa, em frente à Bíblia. O animal percebeu o movimento no quarto, desceu do móvel e veio até a dona paralisada de pavor. Papisa começou a miar pedindo comida, como sempre fazia ao ver Beatriz levantar no início do dia.
Aos poucos a respiração de Beatriz foi voltando ao normal, ante ao trivial da situação. “Teria sido tudo um pesadelo?” Papisa continuava a miar, roçando-se em suas pernas.
Beatriz, naquele momento, decidiu que trocaria o nome da bichana para Raposinha.
Beatriz, como o nome já sugere, era muito religiosa. Demais. Tanto que colocou em sua gata o inusitado e pretencioso nome de Papisa. Linda e peluda a Papisa, com seu enorme e vistoso rabo cinza de raposa.
A bichana foi crescendo e, lá pelas tantas, escolheu um dos móveis da sala como seu preferido para as suas 19 horas diárias de sonecas felinas. A peculiaridade daquele móvel era que sobre ele ficava, aberta, a Bíblia da família. Nada demais, até que Beatriz começou a reparar num hábito de Papisa: ficava parada, em frente à Bíblia, por longos momentos durante o dia. Estranhou aquilo, achou esquisito a gata ficar olhando para as páginas do Livro Sagrado.
Certa noite, levantou-se da cama para ir ao banheiro fazer o número um e, na penumbra da sala, viu Papisa lá, em frente à Bíblia, como que concentrada. Ao voltar do WC esticou os olhos pra sala e constatou a gata permanecia no mesmo lugar, imóvel. Chamou-a pelo nome e recebeu de volta uma singela virada de cabeça e um longo e intenso fitar daqueles grandes olhos amarelos, mais nada. Teve a impressão de que Papisa a repreendia pela interrupção indevida.
Passadas algumas semanas, Beatriz reparou que as páginas da Bíblia estavam levemente arranhadas. Entretanto, o que mais lhe surpreenderia seria que, a cada manhã, a página aberta estava muito adiante daquela que deixara na noite anterior. Ficou verdadeiramente encafifada com isso. Como podia? “Isto é incrível”, como diria o Sílvio Santos. Claro que tinha de tirar isso a limpo e, como não seria possível perguntar pra Papisa, resolveu ficar à espreita durante a noite, a fim de descobrir o que acontecia.
De tão curiosa, nem reparou que era virada de quinta para sexta. Sexta-feira 13. Estrategicamente acomodada em seu quarto, deixando a porta entreaberta, com boa visão para a sala e o móvel, flagrou no início da madrugada Papisa subir no móvel e parar diante do livro, como de costume. Após uns poucos minutos, estarreceu-se em ver a gata esticar a pata e tocar o livro, roçando até conseguir trocar de página. Novamente ficou parada por alguns minutos e repetiu a ação. Na quinta vez que isso se repetiu, Beatriz ficou perplexa ante ao inacreditável que, com os olhos azuis dados por Deus, via. Foi tamanho o seu espanto que lhe escapou um longo o sonoro OOOHHHHH.
Papisa ouviu, voltou-se para Beatriz e a encarou com aqueles grandes olhos, mais amarelos e brilhantes do que ela jamais vira. Beatriz sentiu medo, pois aquilo era algo verdadeiramente incomum e, quase, sobrenatural. Um longo tempo passaram naquele duelo visual. Retomando o controle, Beatriz abriu a porta e se dirigiu pelo corredor que dava até a sala. Papisa calmamente voltou-se para o livro. “Há de ter uma explicação racional para isso, claro” – pensou Beatriz. Acendeu a luz do abajur e parou atrás da gata, que continuava concentrada.
Viu que Papisa parecia ler uma página do Evangelho de Mateus, mas especificamente do capítulo 16. Então, aconteceu. Uma voz que parecia a de uma criança, muito plácida e delicada, soou, lendo a página:
- “Você é feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que lhe revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. Por isso eu lhe digo: você é Pedro, e sobre essa pedra construirei a minha igreja, e o poder da morte nunca poderá vencê-la”.
Entretanto, o inteiro pavor somente se apossou de Beatriz quando Papisa a fitou e disse:
- Tanto procurei que encontrei o motivo do meu nome neste livro. Pedro, o papa; eu, a papisa.
Foi um choque insuportável. Beatriz desabou no chão, inconsciente.
Pela manhã, acordou em sua cama, molhada de suor, atordoada e dolorida. A lembrança da noite lhe veio como que um tabefe. “Como vim parar aqui?” - perguntou a si mesma. Esticou o olho para o corredor, em direção à sala, e lá estava, como sempre, Papisa, em frente à Bíblia. O animal percebeu o movimento no quarto, desceu do móvel e veio até a dona paralisada de pavor. Papisa começou a miar pedindo comida, como sempre fazia ao ver Beatriz levantar no início do dia.
Aos poucos a respiração de Beatriz foi voltando ao normal, ante ao trivial da situação. “Teria sido tudo um pesadelo?” Papisa continuava a miar, roçando-se em suas pernas.
Beatriz, naquele momento, decidiu que trocaria o nome da bichana para Raposinha.