CINZAS E CASTIGO (memórias)
Em 1951 eu contava com sete anos. Naquela época, o carnaval não era bem como o de hoje, embora houvesse sempre um ou outro que aproveitasse o período momesco para extravasar suas repressões interiores, principalmente quando se escondia atrás de uma máscara.
Carnaval era a festa da carne e consequentemente do pecado, como pregava a Igreja Católica Romana, os hoje denominados Evangélicos, chamados na época de “crentes” ou “nova seita”, nem pensar, viravam o rosto para os que participavam da festa.
Os Católicos brincando ou não, na quarta feira de cinzas, se redimiam dos pecados cometidos com a missa, com a cerimônia de aposição de uma cruz de cinzas na testa, enquanto o sacerdote lembrava em latim: “Memento homo quia pulvis et in pulveren reverteris” (lembra-te homem que és pó e ao pó retornarás).
Seguia-se então o período da Quaresma ou Páscoa com uma série de recomendações de orações, jejuns e abstinência de carne em determinados dias.
Atualmente mudou muito, o carnaval não se resume a três dias, tem semana pré-carnavalesca e concurso para quem estica a festa além da meia noite da terça feira. Até Católicos e Evangélicos apresentam seu trios elétricos para “evangelizar” os pecadores durante o carnaval, com marchinhas e música gospel em ritmo quente falando de Cristo, justificando com isto perante os incautos seu desejo de remexer o corpo, com os tais “carnavais de Jesus” (incoerente!!!) e outros neologismos evangélicos e católicos.
Lembro-me que naquele ano de 1951, a marchinha “Tomara que chova”, foi um sucesso na voz da saudosa Emilinha Borba com os Vocalistas (vim saber disso depois, escrevendo estas memórias, com sete anos não sabia quem compunha o que, nem quem cantava). Gostava mesmo era de brincar de mela-mela. Contudo, ainda hoje não esqueço a letra daquela marchinha:
Tomara que chova,
Três dias sem parar,
Tomara que chova,
Três dias sem parar.
A minha grande mágoa,
É lá em casa
Não ter água,
Eu preciso me lavar.
De promessa eu ando cheio,
Quando eu conto,
A minha vida,
Ninguém quer acreditar,
Trabalho não me cansa,
O que cansa é pensar,
Que lá em casa não tem água,
Nem pra cozinhar.
Os mais velhos diziam: este povo ta zombando de Deus. Com Deus não se brinca! Principalmente nesse tipo de festa.
Na manhã do sábado de Zé Pereira meu pai nos levara para o centro da cidade do Recife par olhar o movimento, que não era tanto, um mascarado ali, outro aqui, blocos de sujo. E a marchinha Tomara que chova sempre cantada nos alto falantes espalhados pela cidade.
O certo é que por volta das 11 horas da manhã o céu fechou e começou a cair aquela chuva fina e constante. Voltamos pra casa e choveu sem parar durante os três dias de carnaval.
E os mais velhos de casa repetiam: - ta vendo o castigo, vai dar é uma cheia pra acabar com o fogo desse povo. Com Deus não se brinca, Isso é castigo.
Na quarta feira de cinzas quando me acordei a água estava chegando perto de casa, o rio Capibaribe havia transbordado, derrubara as paredes de uma sede de um time de futebol do arrabalde onde festa rolara os três dias. E o sol aparecia brilhante como nunca, sem uma nuvem no céu.
Eu no meu mundinho, que se resumia ao bairro da Iputinga, perguntava a mim mesmo em meus pensamentos: Será que foi mesmo um castigo? À noite todos foram para a missa para receber as cinzas, eu, para redimir os pecados que não cometera.
Extrato do meu Livro de memórias “Minhas doces lembranças” (no prelo).