Bermuda (Existem flores nestas três...)
Vitor tinha muitas bermudas em seu armário. Grandes bermudas que em seu corpo vestidas assemelhavam-se a imensos balaios. Não quereria Vitor desfilar pelas ruas, como se estivesse envolto, naquele verão, na parte inferior de seu corpo, por imensos sacos de lixos.
Perdera muito peso. Foi uma saga de sete anos. Nada premeditado. Os kilogramas foram diminuindo, sua silhueta modificando-se. Saiu da casa dos cem quilos no terceiro ano daquele ciclo de sete. No sexto ano, já estava com oitenta e cinco.
O ventre, as coxas, a bunda, o rosto, o braço, o pescoço, tudo no seu corpo afinou. O guarda-roupa estava repleto de vestes de um ser-humano do passado: aquele Vitor, centenário no peso, não existia mais.
Deu muitas de suas roupas antigas que não mais cabiam-lhe. Algumas outras muitas, jogou fora porque ninguém as quis. Com as bermudas, tinha uma relação afetiva. Algumas eram floridas, quadriculadas, azuis, pretas e verdes. Um total de aproximadamente quarenta bermudas. Quarenta gigantescas - agora - bermudas.
Havia uma costureira aposentada. Ela preferia a venda de fármacos à costura, porque naquela segunda década do século XXI, ela achava anacronica, indigna a sua antiga profissão. Ainda que gozasse de fama. Ainda que de tempos em tempos requisitada. Porque uma fama construída há vinte anos atrás ainda permanecia nas redondezas. Mas ela negava. Sentia-se ofendida.
Vitor tem a ideia de ajustar suas quarenta bermudas. O verão estava a pino. O seu corpo esbelto. Acreditava que as bermudas ajustadas à sua nova configuração corpórea, renderia-lhe um sucesso que até então nunca tivera. Seria possível, pela primeira vez em anos, caminhar pelas ruas apenas de bermuda e com todo o tronco nu.
Indicado-lhe foi a costureira em questão. Ela teria condições de realizar os ajustes. Foi advertido do provável não que receberia.
Vitor bate à porta. Ela atende e presencia a cena que presenciara inúmeras vezes quando fila era costumeira anos atrás em busca de seus serviços em panos, em tecidos: alguém portando uma sacola de supermecado com algumas roupas dentro.
- Não. Eu não mais costuro.
- Pelo menos estas três. Preciso.
- São bonitas... têm flores estampadas... ficam grandes em você...
- Abres uma concessão para mim?
A costureira, relembrando algum fato de antes, com o olhar perdido nas bermudas propostas por Vitor, emite baixo, porém audível a Vitor:
- Existem flores nestas três...
SJ, 30/09/2021
CCM