Vento-espelho

Quando era criança os carros não tinham ar-condicionado. Crianças não tinham cadeira especial no carro. Carros andavam por aí com vidros abertos. O ar fluía. Vazia ondas, nas roupas, pêlos e cabelos. Nas viagens que eram curtas para os adultos e longas para as crianças, eu fazia brincadeiras com o vento. Contava uma história que só eu e ele sabíamos. Nosso segredo. Segredo que o vento leva.

Hoje, mulher, adulta, a caminho do trabalho me deparei com essa cena. No trânsito, havia um carro em minha frente. Eu ouvia minha música animada, torcendo para que o dia seja leve, apesar de. Olho a frente, me deparo com uma menina, no banco de trás do carro. Cabelos, cacheados enrolados pelo vento enquanto esperávamos no sinal vermelho. O cabelo tomou mais ar, na parte de fora do carro. Estava presa na cena. Logo, ela coloca toda sua cabeça e cabeleira para fora. Sou pega de surpresa, ela me olha, ri e acena. Senti-me olhando para mim, criança. Retribui o aceno. Ela sorriu. Sinal abriu. Carro seguiu. Ela voltou rapidamente para dentro do carro. A mãozinha dela continuou do lado de fora, dançando com vento. Pegando uma onda no ar. Sentindo, experimentando, com a pureza que uma criança tem. Fazendo um Hang loose para a vida. E seguiu com sua mãozinha dançando no embalo do vento. Uma coisa simples, quase banal. Aquela menina me abalou. Trouxe a infância de volta. Mais que isso, ela não faz ideia. Seu sorriso e aceno deram esperança. O dia só começou, mas parece que já lhe ganhei. Me vi novamente contando uma história, não para o vento. Sobre o vento e uma menina. Um vento-espelho. Quando não sabia escrever contava histórias para o vento. Hoje escrevo uma história sobre ele.

Cris Damiani
Enviado por Cris Damiani em 27/09/2021
Reeditado em 27/09/2021
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