A MORTE DO SACI

Hoje o dia é de grande consternação, pois, mais que um grande amigo, perdemos um verdadeiro irmão. Com certeza todos nós, para sempre, iremos lembrar do alegre e travesso menino que um dia veio nos alegrar. Mas prometo a todos que aqui estão que esse bárbaro crime não ficará sem punição, e que não descansarei até colocar o criminoso no fundo de uma prisão.

Depois desse discurso, o Lobisomem, emocionado, passou a palavra à Cuca, que estava ao seu lado.

_ Caro espíritos da floresta, todos têm que estar unidos, pois, como disse o Lobisomem, o culpado deve ser punido.

Assim seguiram-se os discursos de cada um que desejava se expressar publicamente sobre o amigo que admirara. Ao fim da cerimônia cada um tomou seu rumo, deixando ali uma flor e um pacote de fumo. O túmulo estava vazio, pois não encontraram o corpo, mas todos tinham certeza de que ele estava morto. Na lápide, uma breve citação, dita por ele mesmo em certa ocasião: “ Vou fumando cachimbo e pulando em uma perna só, às vezes isso é ruim, mas podia ser pior”. Talvez nessa frase, dita com sabedoria, já imaginara o Saci o que lhe aconteceria, de seu infortúnio certo, que o levou naquele dia.

Consta no arquivo dos espíritos, em relatos dados ao Lobisomem, que na última vez que fora visto caminhava tranquilo pela floresta, trançando as crinas dos cavalos e em festa assoviando. Porém de um instante para outro, ouviu-se um triste lamento, um grito, um gemido, demonstrando um terrível tormento, e logo se seguiu um profundo silêncio. Assim foram registradas as palavras da Mula sem Cabeça, última a estar com ele quando tudo acontecera.

De início, sobre ela pesou a terrível acusação de haver dado cabo da vida dele, sem compaixão, mas logo isso fora esquecido, pois ali muitos amigos sabiam do seu coração. A situação se tornara insuportável e o medo passou a tomar conta de todo o lugar, depois que o Boto, a Iara e o Curupira também sumiram sem pistas deixar.

As assombrações clamavam por explicações, colocando contra a parede o Lobisomem, que lhes apresentou a seguinte questão:

_ Sei que todos estão com medo, e por isso vou procurar o oráculo de Pã, para as respostas nos dar. Quem achar essa uma boa ideia, peço o favor de me apoiar, quem contrário for, então a esse peço o favor de alternativa melhor apresentar. Mais uma vez todos ouviram atentos, e nenhuma voz ouviu-se sobre qualquer questionamento.

Decidido então sobre o rumo que deveria tomar, seguiu o Lobisomem para terras distantes, mostrando coragem em ir sozinho, sem companhia levar.

Depois de dias enfrentando perigos inevitáveis pelo caminho, chegou ele ao tão esperado no destino. Em reverência solicitou audiência a Pã, o deus de tudo que há.

_ Meu filho Lobisomem, não precisa nada dizer, pois eu bem sei de tudo que aconteceu; das assombrações que clamam explicações para tudo que se deu. Digo então que se acalme, pois, seu amigo Saci, tão logo saia daqui, com você irá se encontrar. Surpreso pela resposta, pergunta-lhe o Lobisomem:

_ Mas como, mestre Pã? Se ele hoje jaz?

_ Ora, meu filho Lobisomem, isso é obra dos homens, mas deixe-me explicar. Quando são crianças, neles a esperança vive mais que em qualquer lugar, então suas fantasias revelam toda a alegria do que chamamos brincar; mas depois, quando adultos, acham-se tão astutos que não nos deixam lugar. Porém todos nós renascemos, quando do ventre um pequeno a luz vem enxergar, abrem-se então os olhos da vida, aos sonhos que dia a dia, de novo um dia, irão acabar.

livro: Conto como Conto

Editora: ESCORTECCI, 2016

Autor: Néscius Lourenço

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