Banho quente e vitaminas
Dia 1
Talvez fosse minha própria roupa, o fato é que um leve perfume teu ainda insistia em penetrar em minha narina. Olhei sobre a pia do banheiro e não vi teus tantos frascos; não entendi como é que o dia podia continuar como se nada tivesse acontecido. Os deuses da distância não têm mesmo nenhum tipo de compaixão.
Tentei desta vez não cair na armadilha da tristeza inútil e busquei uma atividade que me ocupasse mãos e mente ao menos o tempo suficiente para que pudesse me conformar com a nova realidade, ou melhor, com a realidade de sempre - o que havia acontecido é que tinha sido algo extraordinário, pequenas férias na saudade constante que são meus dias. Mas senti o tamanho da dificuldade: prestar atenção numa tarefa absolutamente inútil para esvaziar a mente, sendo que a mente está locupletada pela tua presença insistente e maciça, teu metro e oitenta, tua voz possante - hóspede tranqüilo apesar de indiscreto, impossível de não ser notado.
E previ uma tarde morna, morta, modorrenta, com os minutos a se arrastarem irritantemente para um futuro que não imagino qual seja. A graça da vida, dizem. Mas depois de uma estadia contigo a graça da vida se mostra outra, e um futuro com meu corpo a se aquecer aninhado nos teus braços, brindando o calor com uma taça de vinho bebido devagar a dois seria uma imagem que gostaria de ver perpetuada da memória para fora, sem as amarras do tempo em que me consumo dia a dia na esperança absolutamente incerta de poder ter-te a meu lado, meu assim, como tão raro foste e talvez nunca mais sejas.
Dia 2
A chuva que caía insistente e vagarosa me trouxe para um dia cinzento já bem tarde na manhã; dormir sem hora para acordar foi um presente que me dei sem motivo, apenas porque precisava fornecer ao meu corpo uma pausa merecida. E apesar da pachorra do clima minha mente estava aberta, receptiva e já inquieta; queria sim uma atividade, queria ser produtiva, imaginando mil coisas importantes que fazer e projetando em seqüência atos variados.
Mas o dia foi se escoando, o fim dele se aproximou, e uma angústia fina foi preenchendo devagar as lacunas da minha alma assim amarfanhada por tantas sensações intensas e profundas. Vi que bastava um olhar diferente para o lado, e a incerteza tomava conta de todo meu interior. Pressenti a minha tristeza, a solidão ficou maior e eu me perdi novamente conforme o dia escurecia. No final, já queria a noite, para poder dormir e desistir de qualquer tentativa de ação: queria a inatividade novamente, talvez ler um bom livro e esquecer das tarefas, esquecer do mundo, viajar para fora de mim para não ter que tomar decisões ou agir agora para que o futuro se delineie de uma forma ou de outra. Beber um vinho na tua taça ou engolir uma vitamina, aquecer meu corpo em teus braços ou tomar um banho quente...
Dia 3
Tenho o dia lotado, tenho milhões de coisas para fazer, não tenho ânimo ou coragem, mas nada que uma vitamina e um bom banho quente não resolvam. Porque o vinho acabou e o calor dos teus braços está distante demais.
Dia 4
Hoje o dia amanheceu ensolarado. Estou me acostumando aos banhos e às vitaminas.