Delírio de fim de tarde
Adentro o aposento à meia luz, o cheiro de incenso misturado a tabaco barato, a fumaça rodopiando em torno da luz das velas lembrando um nevoeiro de uma manhã fria. Encontro-a sentada na varanda, as pernas delgadas estiradas sobre o parapeito da grande janela de vidro semiaberta. O roupão azul turquesa de seda, tecido delicado caindo-lhe sobre a pele alva, deslizando sensualmente sobre suas coxas no ritmo da brisa do fim de tarde. A luz do entardecer amendoa seu olhar castanho e distante enquanto ela traga distraidamente seu cigarro, a ponta acesa quase tocando o filtro antes d'ela jogá-lo sobre o cinzeiro acima da mesa ao seu lado. Seu corpo relaxa sobre a cadeira artesanal de bambu, o pescoço tombando sobre o encosto, os longos cabelos negros formando uma cortina atrás de si. Seu olhar finalmente percebe minha presenta, ela sorri com o canto dos lábios e pisca devagar, como se a qualquer momento pudesse cair no sono ou, relaxada demais para se preocupar com qualquer outra coisa. Vejo sua mão descer entre suas pernas e sinto meu cenho franzir ao vê-la retirar um pequeno objeto dali e colocá-lo sobre a mesa. Ela se levanta preguiçosamente, espreguiça-se e vem em minha direção, noto seu andar cambaleante e me questiono se ela passara o dia bebendo. Ela me encara e sorri novamente, dessa vez consigo ver seus dentes brancos por trás dos lábios rosados e entreabertos. Sinto seus braços em torno de meu pescoço, seu hálito é um misto inebriante de vinho, cigarro e... dela. Aquele cheiro e gosto único que exala por seus poros, que enfeitiça a mente, atormenta os sonhos e faz de qualquer imaginação, refém. A doçura de sua insanidade e a frieza de sua petulância. Seu nariz empinado de quem é audaciosa e capaz de qualquer coisa. Sua postura mansa e possessiva, seu abraço de braços e pernas, mortal até para um ser imortal. O calor que emana de seu corpo me faz ceder em um suspiro, seus cílios longos são como cortinas me convidando a explorar seu paraíso. Jogo-a sobre o sofá sem que meu corpo se distancie, preso entre suas pernas e à mercê de sua vontade, finjo controle apenas para não admitir que sou completamente controlado, um brinquedo à seus pés. Deslizo sobre sua pele, tato, paladar, olfato, um escravo. Ouço seu gemido quando a invado, sinfonia, seu timbre de sereia me puxando pros cantos mais profundos de seu desejo exigente. Sou punido e agraciado com seus tremores, e sou saciado por seu suor sobre sua pele macia, veludo digno da realeza, tesouro escondido em uma espelunca barata de um bairro largado a própria sorte. Inebriado, me despeço do seu gosto e do seu cheiro, sentindo-a entranhada dentro de mim. Olho uma última vez antes de fechar a porta e vejo-a devorando-me com os olhos felinos na mesma posição em que a deixei, ainda mais relaxada do que a encontrei, o sorriso de menina e o olhar feroz em contraste, sua escuridão noturna e seu alvorecer confundindo minha cabeça, exito, meus pés implorando por fazer o caminho de volta, respiro fundo e controlo, com muito custo, toda essa onda arrebatadora que me faz querer fincar meu ser pra sempre dentro dela. Fecho a porta, e por todo caminho de volta, sinto sua névoa entorpecente preenchendo minha alma.