O menino, o telescópio e Perseu
O dia não era capaz de lhe instigar o olhar tal como a noite fazia. Os de sua idade corriam para lá e para cá. Era constantemente chamado à brincadeira. A bola, o esconde-esconde se desenrolava em um estratégico xadrez juvenil, o pega-pega, a amarelinha. Não interagia. O menino queria a noite.
O pai fez um árduo esforço para comprar um telescópio astronômico. Não poderia ser um qualquer. Tinha de ser aquele de setecentos e poucos reais. Foram três meses realizando uma engenharia financeira para satisfazer o desejo de seu filho. Contudo, neste meio tempo, o pai tentava dizer-lhe que no celular, com alguns aplicativos, ele teria o céu à sua disposição, sem a necessidade de um objeto que, muito provavelmente, ficaria esquecido no canto do quarto. Os pais são peritos nessas vaticinações: geralmente, não falham.
Mas queria o telescópio argumentando: "É preciso o telescópio pai, para que eu toque nas estrelas!"
Entretido madrugada adentro. Ver as constelações da janela de casa, tinha uma outra conotação do que pelo Google Sky. Não associava à observação um conhecimento científico prévio da composição e dinâmica dos corpos celestes. Observava, maravilhando-se a partir de uma ingenuidade que desconsiderava o fato dos Homens, ao longo dos séculos, terem mapeado praticamente todo o céu. O menino ainda era menino e, talvez, se acaso alguém lhe dissesse as tramóias históricas as quais foram envolvidas inclusive as estrelas, seu encanto se quebraria.
Que ignoremos as causas do fantástico ocorrido, bem como as impossibilidades físicas em uma dessas madrugadas na qual seu pai dormia. Ao menino, a oportunidade de vagar no espaço sideral por entre as constelações. Ao inclinar levemente o corpo para a direção que desejasse, norte, sul, leste, oeste, bem como para as outras direções, as colaterais e subcolaterais da Rosa dos Ventos, vagava o menino universo adentro como uma cometa, um asteroide, uma nave espacial.
Chega a Perseu. Lembra de um jogo de seu videogame no qual o personagem era justamente aquele que carrega o nome desta constelação. O menino fica um pouco apreensivo, porque sabe que Perseu carrega consigo a cabeça da Medusa. Virar uma estátua de pedra a se deslocar eternamente no universo? Não. O fantástico que ocorria não poderia ser trágico.
Perseu é próxima de Andrômeda. Tudo é brilho incessante aos olhos do menino que se maravilha diante de sois, asteroides e objetos que nem mesmo os observadores terrenos e governos - com seus telescópios de última geração e satélites que vagam e se esfacelam no espaço - teriam condições de conceber. Ao menino, as estrelas e planetas abriram seus mistérios num espaço de tempo equivalente àquela madrugada inteira e início da manhã.
Raiou o dia naquele ponto do planeta Terra. Dormia o menino. Ao acordar, perto das onze horas da manhã, estava exausto e estupefato com tudo o que ocorrera. A prova de que não fora um sonho? O avermelhado, o prateado, o dourado: manchas de poeira cósmica em sua roupa.
São José, 02 de setembro de 2021
Cleber Caetano Maranhão