O MORADOR
A chuva escorre pelo teto de minha casa inundando o chão, molhando a cama, pingo por pingo. Pergunto-me: Onde irei dormir? No molhado e no frio, ou onde mais? Acendo meu cigarro para aquecer meu corpo; analiso a vida com uma vista privilegiada, ao som dos pingos da chuva caindo, trovões, da obra na vizinhança, do jornal na TV do Seu Alberto, que mora ao lado e assiste todas as manhãs notícias do país inteiro. Sinto o cheiro de pão novo saindo da forma e minha barriga, imediatamente, começa a roncar, o cheiro vem da padaria. Vasculho meus bolsos, nada encontro, nem uns míseros cinco centavos tenho comigo, neste momento.
Com fome, vou à busca de alguns trocados, talvez pedindo na sinaleira, consiga juntar. De carro em carro, dirijo-me perguntando se poderiam dar-me algumas moedas ou qualquer quantia para me alimentar. Não obtenho sucesso, as pessoas fecham o vidro na minha cara, olham-me feio, encaram-me estranho. Alguns me mandam arranjar trabalho; outros me ignoram e, há aqueles que me desejam a benção de Deus. Na chuva, irritado, com fome, gripado e desesperançado, pego um pedaço de papelão e uma capa feita de um manto achado no meio do lixo. e vou bater nas casas ver se alguém me deixa cortar a grama, lavar o carro ou a calçada em troca de algum dinheiro ou comida. Muitos fecham a porta ou a janela na minha cara; outros me chamam de vagabundo.
Vagando pela rua, sem ter conseguido comer, paro uma pessoa para lhe pedir um cigarro para me esquentar naquele dia de forte chuva e frio. Pergunto-me sobre a benção do Pai que tanto me desejam, se ele está mesmo aqui, ou o porquê de ter me posto nesta situação? Não quero desacreditar em Deus. É minha única esperança! Já não me restam forças. Oh Pai, é como dizem “A esperança é a última que morre”, e eu estou morrendo junto com ela. Questiono a humanidade, a espécie que só julga e acaba uns com os outros, a qual fala de estender a mão ao próximo, mas que, na hora de estendê-la, deixa-o no chão, o ser que, usa de suas crenças e pensamentos para justificar atos, que se afoga na própria hipocrisia.
Essa mão que está a me negar ajuda é a mesma que está matando o planeta, destruindo o ecossistema, maltratando os animais e extinguindo inúmeras espécies; aquela que adota um cachorro ou um gato e, quando não o suporta mais, abandona-o na rua para sobreviver, assim como um humano abandona o outro quando esse tem problemas, uma espécie que fala tanto de amor mas não o pratica e, ao invés disso, dissemina o ódio.
As pessoas me olham e fazem julgamentos, pressupõem que sou um vagabundo, um bêbado ou um drogado; há quem ache que sou ladrão. Elas pensam que nunca procurei emprego e tento viver à custa dos outros, que eu nunca terminei a escola ou fiz alguma faculdade, que sou uma pessoa ruim, digna de sua discriminação e preconceito. Elas apenas supõem, mas de nada sabem, sequer perguntam se eu tive acesso à escola, como era a qualidade do estudo, se eu dei tudo de mim para me formar e passar numa faculdade, ou, quantas vezes, fui atrás de emprego e, até mesmo, quantas horas fiquei numa fila para conseguir um. Mal sabem que, no lugar onde vivemos, é difícil conseguir trabalho e, a cada dia, está mais complicado. Fazer o quê? A parte fácil é julgar...