UMA AVENTURA
Por trás de uma sensação de incerteza e de medo, André concluiu que a viagem era um labirinto de mistérios e obscuridades. Acidente ou assassinato?
Pensou: O comandante e os seus comparsas, sem dúvida, diriam aos passageiros que o afogamento fora um lamentável acidente! E Luís Felipe?!... Por alguns momentos, acreditou na honestidade dele; porém, ao vê-lo, à noite, reunido com o grupo e aos beijos com outra mulher, ficou convicto da desonestidade e temeu pela vida de Cáthia, sua filha.
André precisava ser discreto e cauteloso, para que suas atitudes não viessem a despertar perguntas e curiosidade em Cáthia. Teria que saber esconder com habilidade e astúcia as descobertas e mantê-las refugiadas no mundo das ideias. Precisava estar mais atento. Ninguém lhe inspirava confiança; logo, teria que agir sozinho. Pensou em contar à filha e a tomá-la como aliada, mas isso a faria sofrer. Frente à situação, tirou do bolso da calça o velho caderninho de anotações e passou a elaborar um plano para desvendar a trama enigmática. Estava prestes a reviver uma grande aventura, já que ali se encontravam “inescrupulosos, terríveis e mesquinhos” seres humanos.
André, na expectativa de ver os netos, olhou para os lados. Nisso, viu a pequena Giovanna correndo em sua direção, suplicando-lhe que a protegesse dos ventos e dos respingos das ondas. O irmão, um ano mais velho, zombou dela, dizendo que a reação só reforçava os seus muitos medos. No momento que o avô procurava controlar os ânimos, o céu fora cortado por raios e o navio sacudiu fortemente. O menino voou para os braços da mãe e foi a vez da menina, aconchegada nos braços do avô, zombar do irmão, dizendo:
– Hum, às vezes, o mais medroso é quem demonstra mais coragem!
André acompanhou a filha e os netos à cabine e, após certificar-se de que estavam seguros, alegou que teria de voltar à piscina por ter esquecido o relógio.
Ao aproximar-se do Salão Azul, que estava às escuras, reconheceu as vozes do genro, Luís Felipe e da jovem que trabalhava em sua casa, Andressa. Estavam alterados, porque o comandante havia informado que, frente ao temporal, fora obrigado a mudar a rota e teriam de ficar ancorados num pequeno porto por algumas horas.
Andressa deveria estar preparada para, a qualquer momento, agir, quando o comandante anunciasse que o tripulante, que caíra no mar, era Rodolfo, o segurança do Sr. André. Apresentar-se-ia como a esposa e aparentaria estar sofrendo a perda do marido.
As pernas de André bambearam e um grande arrepio passou-lhe pelo corpo. Por que mataram Rodolfo? Que tipo de perigo teria ele representado ao grupo para eliminá-lo? Como chegar mais perto e descobrir que outros motivos contribuíram com a tão acirrada discussão entre o genro e a sua empregada?
Depois de alguns segundos, seu espírito aventureiro levou-o a deitar-se no chão e rastejar pelo convés. Tateando, aproximou-se o suficiente para ouvir alguém dizer:
– Vocês não precisavam matar Rodolfo. Ele acabaria concordando em dar fim ao velho e à Cáthia, era uma questão de tempo.
Impulsivamente e nauseado, André ergueu-se e saiu em disparada. Ao chegar à cabine, após respirar fundo, procurou recuperar as forças e pensou: Preciso desvendar esse mistério maquiavélico, antes que ocorram mais mortes!
Tomou um banho quente e foi deitar-se; no entanto, o sono não vinha. Na cabeça, um turbilhão de ideias e nenhuma luz. O incidente, em alto-mar, estava a tirar-lhe o fôlego; todavia, a responsabilidade e o amor, que nutria pelos netos e pela filha, davam-lhe coragem e garra para buscar esclarecer o mistério.
Não se deixaria abater pela idade e pelos desencantos. Tudo lhe indicava que os últimos fatos giravam em torno de questões financeiras e do desejo de poder. Emocionado, foi ao encontro de Cáthia e dos netos. Ao aproximar-se da cabine deles, viu uma mulher encostada à porta numa atitude bastante suspeita. Ao perceber que tinha sido vista, saiu correndo e tropeçou no comandante que lhe disse irritado:
– Andressa, já lhe avisei para não sair do Salão Azul. Mantenha-se no seu lugar, ou...
A mulher, num segundo, ergueu-se e gritou:
– O velho... O velho!
– Garota, acalme-se. Ele, além de surdo, está gagá e tem a carta marcada.
Não recuperado da última descoberta, bateu à porta da cabine da filha. Cáthia o recebeu com um forte e caloroso abraço. Voltara a ser a sua menininha! A seguir, desceram para o café, embebidos por um sentimento que há muito não vivenciavam. Luís Felipe não os acompanhou, sentia-se indisposto. Iria repousar mais um pouco. Havia apenas uma mesa vazia, a qual ocuparam.
Cáthia, ao ouvir o telefone tocar, saiu para atender. Quando voltou, ainda com o aparelho no ouvido, disse:
– Papai, era Luís Felipe; está me pedindo que vá à cabine, pois terá de retornar ao trabalho.
Ela, enquanto falava com o marido, foi perdendo o brilho no olhar e, com a mão esquerda, buscou as do pai, apertando-as com carinho.
André, de imediato, percebeu que o genro iria aprontar à esposa. Terminado o café, acompanhou-os à cabine.
Cáthia olhou para o pai e falou:
– Papai, não aguento mais sermos colocados em segundo plano o tempo todo. Meu marido acabou de dizer que precisa ausentar-se por alguns dias, que, no trabalho, tem muito a resolver.
As palavras da filha caíram-lhe como uma punhalada.
– Que cafajeste!
No navio, nem um comentário sobre o acontecido. O comandante mantinha-se silencioso e evitava falar com os tripulantes.
André questionou-se: O que estariam planejando? Haverá uma próxima vítima?